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O Marxismo Autêntico enquanto Unidade de Ideologia, Ciência e Filosofia da Emancipação Humana Universal.

O PROBLEMA DA IDEOLOGIA NA FORMAÇÃO DOS HOMENS NA

2.4 O Marxismo Autêntico enquanto Unidade de Ideologia, Ciência e Filosofia da Emancipação Humana Universal.

Lukács conclui a seção O Problema da Ideologia, que constitui meu objeto principal,

tematizando “como o marxismo se insere a si mesmo no complexo problemático da ideologia” (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 546).

Lukács começa retomando argumento de Max Weber, que afirma que os marxistas

deveriam “escolher de uma vez por todas se pretendem considerar a sua teoria uma ciência ou uma ideologia” (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 547). Max Weber, pensador burguês sério na

opinião de Lukács, cai no erro de usar o critério gnosiológico na determinação do que é e do que não é ideologia. “Um dilema rígido, no sentido de Max Weber, entre ciência e ideologia

não existe” (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 548).

A teoria contemporânea da desideologização, segundo Lukács, cai no mesmo erro de Max Weber. Porém, com menor nível intelectual e moral. A teoria da desideologização é uma ilusão, pois os conflitos sociais e os meios ideológicos para dirimi-los não deixam de existir na realidade porque ela proclama a inexistência dos mesmos.

No marxismo autêntico, não existe contraposição entre ciência e ideologia. O

marxismo se reconhece como unidade de ciência, ideologia e filosofia. “De um lado, é claro

que o marxismo tem visto a si mesmo desde o início como orgão, como instrumento para combater nos conflitos sociais do seu tempo, e antes de tudo no conflito central entre

burguesia e proletariado” (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 549). Em uma palavra: o marxismo

sempre se definiu como a ideologia do proletariado. O marxismo é, em primeiro lugar, ideologia.

De outro lado, o marxismo é ciência e se vê enquanto tal. Nas palavras de Lukács:

o marxismo tem sempre a intenção, em todos os seus discursos teóricos, históricos e de crítica social, de ser científico. A sua polêmica contra as opiniões falsas (por exemplo, as de Produhon, Lassale etc) é, em essência, sempre conduzida no plano puramente científico, quer demonstrar de modo racional e programático que há nelas incoerrências na teoria, inexatidões na reconstrução dos fatos históricos etc. (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 549).

125 Em suma: o marxismo é, além de ideologia, ciência, isto é pensamento verdadeiro acerca da realidade do mundo dos homens.

Demais, o marxismo autêntico, segundo Lukács, é também filosofia, tendo instituído

“uma ligação nova e peculiar entre ciência e filosofia” (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 550). De

acordo com o método do marxismo há uma crítica recíproca entre filosofia e ciência. Por um

lado, “a ciência controla, em geral ‘por baixo’, se as generalizações ontológicas das sínteses

filosóficas estão de acordo com o movimento efetivo do ser social, se não se distanciam deste no caminho da abstração” (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 550). Por outro lado, continua Lukács,

a filosofia submete a ciência a uma permanente crítica ontológica ‘do alto’,

controlando continuamente até que ponto cada questão singular é discutida no plano do ser no posto justo, no contexto justo, do ponto de vista estrutural e dinâmico, se e até que ponto a imersão na riqueza das experiências singulares concretas não torna confuso o conhecimento dos desenvolvimentos contraditórios e desiguais da totalidade do ser social, mas ao invés o eleva e aprofunda. (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 550).

Segundo Lukács, esta nova ligação entre ciência e filosofia, estabelecida pelo

marxismo autêntico, “é também ela um produto do desenvolvimento atual da humanidade”

(LUKÁCS, 1981, v. III, p. 550). O autor lembra o papel que atribui à filosofia enquanto instrumento ideal da resolução de conflitos sociais, papel este que descrevi na seção 2.2. A filosofia é ideologia pura, instrumento ideal da resolução dos conflitos que perpassam o de onde para onde do gênero humano. A filosofia é ideologia pura porque não tem meios materiais para ser colocada em prática.

Na época da sociedade burguesa, retratada por Marx e Lukács, se coloca a possibilidade da passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade, da instauração da verdadeira história da humanidade, ou seja, da emergência do comunismo. Isto torna possível que a filosofia reflita as reais condições materiais de vida dos homens. Através deste reflexo os conflitos do gênero humano podem ser antecipados e resolvidos com base numa verdadeira cientificidade. Ou seja, a filosofia baseada na cientificidade do mundo humano pode tornar-se mundo, a filosofia pode se realizar no mundo capitalista. O marxismo pode se tornar mundo, ser. A filosofia iluminista enquanto ideologia da revolução burguesa desempenhou um importante papel de transição neste caminho da filosofia. No

desenvolvimento do capitalismo, “Nasce assim a possiblidade de dirimir ideologicamente

estes conflitos sobre a base de uma verdadeira cientificidade” (LUKÁCS, 1981, v. III, p. 551). Coloco a questão: que papel os fenômenos ideológicos da vida social, segundo Lukács, podem desempenhar no desenvolvimento individual e genérico dos homens? Para responder esta questão volto ao problema da essência e do fenômeno no desenvolvimento do ser social.

126 O desenvolvimento econômico avança, independentemente da vontade dos homens, em direção à socialização da produção, à criação das bases materiais de um modo de produção socializado, comunista. Porém, coloca apenas a possibilidade da emergência deste modo de produção, que pode vir a ser realizada através da atividade dos homens, onde entra o papel da ideologia como prévia ideação da resolução dos conflitos sociais.

O marxismo apoiado no próprio Marx - enquanto unidade de ideologia, ciência e filosofia -, é a teoria radical, que por sua radicalidade pode se converter em práxis, que pode levar à revolução social que pode superar a particularidade do homem singular e levar ao desenvolvimento do gênero humano enquanto gênero para si.

Lukács, - através da sua teoria do desenvolvimento ontológico-objetivo do ser social e da sua teoria do fator subjetivo da história -, demonstra a possibilidade posta para a humanidade no capitalismo, qual seja: a possibilidade da instauração do comunismo. A ideologia de Lukács é a prévia ideação do novo na história humana, enquanto a teoria da desideologização é a ideologia que apenas reproduz o velho desumanizado.

O filósofo húngaro concebe que as formas ideológicas da vida social brotam do solo da vida cotidiana, se elevam acima dele e voltam a nele aterrar, dando substância á vida real dos homens. Esta é uma concepção que se encontra tanto na Estética, quanto na Ontologia do Ser Social. Na primeira, ele escreve:

O comportamento cotidiano do homem é o começo e o fim de toda atividade humana. Se nós representamos a cotidianidade como um grande rio, pode-se dizer que dele se despreendem, em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciencia e a arte, se diferenciam, se constituem de acordo com suas finalidades específicas, alcançam sua forma pura nessa especificiadade – que nasce das necesidades da vida social – para logo, como consequência dos seus efeitos, de sua influencia na vida dos homens, desembocar novamente na corrente da vida cotidiana.(LUKÁCS, 1982, v. I, p. 11-12).

Embora Lukács, na citação acima, se refira apenas a arte e a ciência, como esferas que brotam da vida cotidiana a ela retornam, no conjunto da sua obra entende que todas as objetivações superiores da vida social têm esse modo de existência, ou seja, descolam da vida cotidiana para retornar a essa vida, tornando-a mais rica.11

A transformação da realidade, segundo Lukács, depende de uma interpretação correta da mesma. Daí ele acentuar, baseado em Marx e Engels, a necessidade permanente da

11 Pelo exposto, se vê que o marxismo apoiado no próprio Marx, que Lukács pretende resgatar e resgata com

talento, constitui também uma crítica das duas principais correntes da filosofia contemporânea, quer dizer, do neopositivismo e do existencialismo. A crítica ao existencialismo fica evidente na última citação que fiz da Estética. Isto porque, em Heidegger, há um abismo entre a vida cotidiana dos homens e as objetivações superiores da vida social. A vida cotidiana, em Heidegger é o reino da inautenticidade. Além de criticar o existencialismo, Lukács, como já referi, critica o neopositivismo, visto que vê a realidade humana como algo a transformar e não como algo apenas para gerir e manipular.

127 autocrítica da revolução proletária. Daí, ele também criticar a inversão entre teoria e prática que existe no stalinismo, onde uma teoria incorreta é formulada para justificar práticas incorretas.

Enfim, Lukács afirma a possibilidade posta no cenário histórico da emancipação humana universal. Para tal, é necessária uma teoria correta da revolução, o que significa que é necessário resgatar o marxismo autêntico12 e atualizá-lo para as novas condições do capitalismo do nosso tempo. A grande realização da ontologia lukacsiana do ser social é mostrar a possibilidade da instauração do comunismo. Nesta demonstração, Lukács tece geniais considerações sobre a relação entre ideologia e formação humana, que tentei resumir neste capítulo.

12 Lukács emprega a expressão marxismo autêntico para designar o pensamento fundado no próprio Marx, livre

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CAPÍTULO 3

A CONCEPÇÃO DE MÉSZÁROS ACERCA DO PODER DA