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Crítica intra-sistemática ao sistema das drogas: desconstrução a partir da Teoria do Delito

Capítulo I: A política brasileira de combate às drogas ilícitas

3. Crítica intra-sistemática ao sistema das drogas: desconstrução a partir da Teoria do Delito

Neste item, abordaremos duas espécies de crítica: uma no que tange à teoria do tipo, e outra remetendo o sistema legislativo à teoria da

culpabilidade, cgm intuito de submetê-lo a exame de ordem sociológica,

iniciando, assim, as manifestações críticas a partir da Criminologia do desvio. Todavia, pode parecer estranho privilegiarmos estes dois momentos específicos da Teoria do Delito - tipicidade e culpabilidade -, relegando a segundo plano a questão da antijuridicidade. Explicamos. Partimos,

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na abordagem da Teoria do Delito, do pressuposto finalista30, percebendo que culpabilidade e tipicidade tem enormes semelhanças, pois ambas são o fundamento da imputação - objetiva e subjetiva31.

“(...) en Ia acción y en la antijuridicidad se trabaja con elementos negativos (excluyentes), en la tipicidad y en la culpabilidad con elementos positivos (fundamentadores)”32.

Na tipicidade, encontramos os elementos fundamentais do comportamento e o vínculo do autor com o resultado, ao passo que, no juízo de culpabilidade, determinam-se as valorações sobre o agente.

Quanto aos elementos excludentes - ação e antijuridicidade -, serão complementados em diversos momentos desta explanação53.

50 A adoção do finalismo na Teoria do Delito, porém, não é feita acnticamente. Vemos a Teoria do Delito como um processo em evolução nas Ciências Penais, não acabado e em constante modificações. No entanto, a eleição finalista ocorre, em nosso posicionamento, por exclusão, no momento em que entendemos que a teoria de Welzel explica, com maior propriedade, o problema das omissões impróprias, delitos de mera atividade e dos delitos negligentes do que o causalismo à questão da tentativa, dos aspectos subjetivos do tipo e da participação. Da mesma forma, percebemos a problemática gerada pelas teonas psicológicas e normativas da culpabilidade.

Indubitavelmente, não percebemos o finalismo como uma doutrina isenta de problemas. Em alguns momentos, ‘esvazia a culpabilidade’ e suscita criticas qualitativas à concepção ‘ontológica de ação’ Sustentamos que adotar irrestritamente a doutrina do finalismo pode acarretar problemas imensuráveis, como os apontados por Eduardo Novoa M ONREAL, (Causalismo y Finalismo en Derecho Penal) legitimando um Direito Penal do autor, cujos pressupostos de imputabilidade são determinados pelo que o agente é e não pelo que fez. Monreal chega ao ponto de relocar a discussão à secularização e às possíveis reedições de um Direito Penal vinculado com a Moral.

M Winfried HASSEM ER, Fundamentos dei Derecho Penal, p. 267. 52Winfried HASSEM ER, op. cit.

53 Ao tratarmos dos artigos 12, 13 e 16 da Lei 6.368/76, iniciamos uma critica relativa à ação. Posteriormente, no que tange á antijuridicidade, abordaremos uma discutível categoria que será sustentada nesta dissertação, o traficante famélico - comércio de drogas por estado de necessidade.

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3.1. O tipo a partir de conceito material de delito

A teoria do tipo penal foi desenvolvida, no início do século, por Beling (1906). Segundo o autor, o tipo penal seria totalmente objetivo, isto é, isento de qualquer espécie de valoração. Esta teoria foi mantida sem maiores divergências até a descoberta dos elementos subjetivos especiais do tipo, por Fischer, em 1911.

Como é sabido, as implicações da teoria de Beling e seu modelo integrado causalista (modelo Liszt-Beling) determinarão feição própria à Teoria do Delito. Com a descoberta dos elementos subjetivos do tipo e com a nova conceituação de ação por Welzel, o tipo penal será invadido de aspectos subjetivos que anteriormente, na teoria causalista, eram localizados na culpabilidade. A revolução doutrinária imposta pelo fínalismo colocará em dúvida a teoria psicológica da culpabilidade, propondo que esta (culpabilidade) seja percebida e valorada normativamente - teoria normativa da culpabilidade.

Sem dúvida alguma, ocorre mudança radical na estrutura da Teoria do Delito e em suas implicações com a Dogmática jurídico-penaP4 . Não realizaremos, porém, estudo minucioso, sequer superficial das teorias do crime, visto não ser este o objeto da presente dissertação. Partimos, como afirmamos

MNão classificamos, entretanto, como opostas as perspectivas finalistas e causalistas. Entendemos que o fínalismo representa uma evolução, dentro da Teoria do Delito, que tem como base estrutural o causalismo.

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anteriormente, da perspectiva finalista para avaliarmos as funções do tipo e suas conseqüências no estudo ora proposto.

O tipo penal aparece na Teoria do Delito como “o centro da Dogmática do crime”35, como categoria seletiva e redutora das mais variadas espécies de condutas do mundo social. Welzel afirmará que o tipo, como figura puramente conceituai, seleciona “de la multitud de conductas humanas aquellas que son relevantes para el Derecho Penal (...)56

Segundo Zaffaroni,

“El tipo penal es un instrumento legal, logicamente necesario y de naturaleza predominantemente descriptiva; que tiene por función la individualización de conductas humanas penalmente relevantes (por estar penalmente prohibidas)”37.

O predicado tipo, tendo como sujeito a ação do agente, terá íntima relação com 0 princípio da legalidade (tipo-garantia), posto que poderemos reduzir 0 princípio do “nullum crimen, nulla poena sine lege” ao aforismo “nullum crimen, sine tipo''. Podemos afirmar que a doutrina do tipo representa, na Dogmática penal, a versão técnica do apotegma político nullum crimen sine lege58.

53 Álvaro Mayrink da COSTA, Teoria do Tipo, p. 65. 56Hans W ELZEL, op. cit., p. 65.

57 Eugênio Raúl ZAFFARONI, Manual de Derecho Penal, p. 371.

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Tal relação corresponderia a uma função sistemática no Direito Penal, onde o tipo apareceria como categoria racionalizadora do princípio da legalidade.

Desenvolvendo a teoria em perspectiva criminológica, o tipo penal apareceria como instrumento fundamental da criminalização primária

(seletiva), eis que é abstração artificial decorrente do processo de escolha

prévia de condutas pelo legislador penal59. A contrariu sensu, aparece também como instrumento de garantia, nos moldes da fundamentação teórica advinda dos teóricos clássicos oitocentistas.

Assim, “não há crime sem tipo legal, que não só funciona como elemento essencialíssimo na definição formal de crime, mas também um resguardo de liberdade1,60.

Contudo, em decorrência da eleição do conceito de delito empregado pelo pesquisador, o tipo penal adquirirá funções totalmente diversas.

Se partirmos da concepção formal de delito, em que este é entendido apenas como infração da norma ditada pelo Estado, o tipo penal resguardará, primeiramente, esta função oficial garantidora, seguido de função real de seleção de condutas. Partindo-se, contudo, do conceito analítico-

dogmático em que o crime é ação típica, antijurídica, culpável e punível, a

categoria será um elemento cognoscitivo da ilicitude - função indiciária onde o

59W ELZEL (op. cit.) chega a afirmar este processo de seleção, logicamente sem a carga crítica e valorativa imposta pela Criminologia pós etiologismo.

“(...) el tipo selecciona entre la cantidad innumerable de conductas juridicamente indiferentes aquella que es relevante para el Derecho Penal y que está sujeta a una valoración como jurídica o antijurídica” (p. 65).

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tipo atua como valoração, eis que a antijuridicidade apareceria como juízo material negativo da tipicidade (Mezger). Se concebermos, todavia, 0 delito a partir de conceitos materiais, este denotará função totalmente adversa.

Materialmente, conceitua-se o delito como

“(...) um desvalor da vida social, ou seja, uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem, ou um valor da vida social.

(...) Crime é, assim, numa definição material, a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de uma pena”61.

O interesse social e 0 bem jurídico passam a ser 0 caráter normogenético do tipo. Aliás, a própria doutrina moderna do crime tem colocado 0 bem jurídico62 como fundamental e ponto estrutural na análise das condutas delitivas63.

61 Heleno Cláudio FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 144 (grifamos),