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Princípio da Igualdade, da Intimidade e da Vida Privada

Capítulo II: Incidência constitucional no sistema de repressão às drogas

18 Segundo Roberto LYRA (Apud, ESPÍNDOLA Fo, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado), “junto às prisões não há mais acusadores, e sim defensores, no mais solene sentido da

1.4. Princípio da Igualdade, da Intimidade e da Vida Privada

Interessante posicionamento doutrinário, prestigiado em pequena parte da jurisprudência, mas contundente e em total sintonia com a principiologia constitucional, foi 0 de suscitar a inconstitucionalidade do artigo

16 da Lei 6.368/76.

Baseando-se nos princípios fundamentais, expressos na Constituição Federal de 1988 e estruturadores do ordenamento jurídico nacional, Lycurgo de Castro Santos entende como inconstitucional 0

26 Valdir SZNICK, Direito Penal na Nova Constituição, p.336. : Dyrceu Aguiar Dias CINTRA Jr., op. cit.

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dispositivo mencionado por violar os princípios do pluralismo (expresso na peça preambular da Carta), da igualdade (art. 5o, caput), da inviolabilidade

da intimidade e da vida privada (art. 5o, X), bem como o princípio da intervenção mínima, que deve orientar manufatura legiferante em matéria

penal.

Lesa o princípio da igualdade no momento em que a Constituição não restringe, em nenhuma hipótese, este direito e, de igual forma, não distingue nenhuma natureza específica28:

“Deste modo, cremos que ou o legislador proíbe a utilização de todos os tipos de estupefacientes que cientificamente comprovado prejudicam de maneira mais ou menos uniforme a saúde, ou permite o uso e o consumo de todos aqueles que, de uma maneira ou outra, provocam em quem os utiliza situações em certo grau equivalentes. O que não pode ocorrer, desde uma perspectiva penal, é uma diversidade de tratamento que compromete seriamente esse princípio constitucional [princípio da igualdade perante a lei]” 29.

Porém, o principal argumento do autor é em relação à violação do direito à privacidade^0 . Sustenta o membro do Ministério Público:

28 "Todos são iguais perante a lei. sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida. à liberdade, à segurança e àpropriedade..." (artigo 5o, caput).

29Lycurgo de Castro SANTOS, Tóxicos: algumas considerações penais, p. 123-124.

30 A norma constitucional segue a orientação do artigo XII da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em resolução da III sessão ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação ” (artigo 5 o, X).

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“Por outro lado, o direito à privacidade como forma de exprimir todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade, contrapõe ao próprio enunciado do tipo penal inserido no art. 16 da Lei de Entorpecentes: ‘adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio

“(...) não nos parece legítimo que se criminalize a conduta de adquirir, guardar ou trazer consigo, para consumo, determinada substância entorpecente.”

“E se cada um pode fazer com a sua saúde o que melhor lhe convém (neste aspecto o Código Penal é coerente com o princípio em tela, enquanto não tipifica nem o intento de suicídio nem a autolesão), tampouco pode o Estado invadir a vida privada do indivíduo para reprimir o uso de entorpecente31 ”.

Esta inovadora mas solitária posição foi adotada pelo Desembargador Milton dos Santos Martins no Tribunal de Justiça gaúcho32.

O grande problema encontrado é que a tutela deste direito tem ficado restrito às violações provocadas na esfera da individualidade33,

31 Lycurgo de Castro SANTOS , op. cit., p. 124 (grifamos).

n , 'Não è lícito ao Estado, dentro do sistema de liberdade democrática, punir o viciado, que è. antes de tudo uma vítima. O art. 16 da Lei 6.368/76. punindo como infrator o viciado e o doente, afronta a Constituição Federal, no que respeita à liberdade individual quanto ao uso de estupefacientes”(grifemos). (TJRS - Incidente de Inconstitucionalidade na AC 686062340 - voto vencido de Rei. Milton dos Santos Martins - RJTJRS 128/34).

“A preliminar è conhecida em suas razões. O art. 16 da Lei de Tóxicos tipifica proceder da esfera individual, restrita à pessoa, não interferindo com outrem. É, portanto, inconstitucional ao invadir e violar os direitos fundam entais da pessoa (...)” (grifamos). (TJRS - AC 687043661 - voto vencido do Desembargador Milton dos Santos Martins - RJTJRS 127/99).

’3 Segundo Paulo José da COSTA J r .(0 Direito de estar só: tutela penal da intimidade.p. 30 e ss.), diferencia-se a esfera individual da esfera da vida privada: “Os direitos que se destinam à proteção da esfera individual ' servem á proteção da personalidade, dentro da vida pública. Na proteção da 'vidaprivada', ao contrário, cogita-se da inviolabilidade da personalidade dentro de

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fundamentalmente à reputação (honra), enquanto que a esfera privada, que protege a intimidade, é relegada a plano inferior, quiçá inexistente. No âmbito da esfera privada, estão compreendidos aqueles comportamentos e acontecimentos que o indivíduo não quer que se tomem do domínio público”u .

Quanto à finalidade da proteção ao direito, Paulo José da Costa Jr., em sua obra “O direito de estar só: tutela penal da intimidade”, declara:

“O que se pretende é a preservação da intimidade, ou quando menos do segredo, como a mais recolhida e restrita esfera do recato. Enfim 0 objetivo último da tutela é assegurar 0 desenvolvimento pleno da personalidade, no recesso da intimidade, para que se possa fruí-la sem temores, sem apreensões de que venha a ser surpreendida em postura quiçá inconveniente, ou em atitudes comprometedoras do prestígio social de que desfrute.”

“O direito à intimidade deriva do espírito do sistema, do complexo da valoração normativa do nosso direito, da consciência

seu retiro, necessário ao seu desenvolvimento e evolução, em seu mundo particular, à margem da vida exterior ".

“Estabelece-se. dessarte. a diferença entre a 'esfera individuál' (proteção à honra) e a esfera p riv a d a ' (proteção contra a indiscrição). "

Dentre as mais importantes manifestações da esfera individual, vão enumerados 0 direito ao nome e à reputação. Aquele, assegurando ao indivíduo, diante de eventuais abusos de terceiros, a própria individualidade ".

"Contrapõe-se à esfera individual a esfera particular ou privada. Aqui. não se trata mais do cidadão no mundo, relacionado com seus semelhantes, como na esfera individual. Trata-se. pelo contrário, do cidadão na intimidade ou no recato, em seu isolamento moral

,

convivendo com a própria individualidade

“O interesse aqui tutelado é diverso do segredo e. ainda, da reputação. Esta diz respeito a um atributo (respeitabilidade), que se insere na vida de relação (esfera individual). A intimidade concerne ao aspecto da individualidade. Corresponde tão-somente àquela aspiração do indivíduo de conservar a sua tranqüilidade (la vie privée doit être murée). que uma publicidade ou uma intromissão alheia viriam perturbar' (grifamos).

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social, das idéias e tendências dominantes”35.

O direito à intimidade garantiria ao indivíduo a possibilidade de plena resolução sobre os seus atos que não afetassem os direitos de terceiros. Este direito é restringido, ao nosso ver erroneamente, pela lei. A plena justificativa do princípio ora exposto descreve o teor inconstitucional do artigo

16, logicamente seguindo orientação doutrinária e jurisprudencial minoritária. Corrobora com a mesma tese Alberto Zacharias Toron. Segundo o jurista paulista, a tutela do direito á intimidade é um preceito que tem como destinatário o próprio poder legiferante do Estado, sendo a esfera da liberdade faculdade do cidadão em preservar suas possibilidades de auto-realização em todas as ordens do íntimo (sexual, familiar, intelectual et coetera) 36. Fundamenta seu posicionamento na interpretação feita pelo professor da Universidade de Buenos Aires, Norberto Spolansky, quando sustenta que o direito à intimidade

“estabelece uma barreira jurídica para o legislador, pois este não pode legislar, e menos ainda em matéria penal, em relação àquelas ações que não afetem a ordem e a moral pública, nem

prejudiquem terceiros^7”.

35 Ib. ibdem, p. 81-82.

36 Alberto Zacharias TORON, .1 proteção constitucional da intimidade e o art. 16 da Lei de Tóxicos, p. 38-39.

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A visão a partir do prisma estatal parece-nos fundamental, eis que a doutrina nacional tem se preocupado tão-somente com as violações da intimidade advindas de terceiros, através da utilização de escutas telefônicas, câmeras de alta potencialidade de resolução et coetera.

Todavia, não podemos olvidar que o direito à intimidade é limitação, também, à intervenção do poder do Estado, como ensinam os supracitados teóricos38. A tentativa de sobreposição teórica no caso em tela, todavia, esbarra em interpretações jurisprudenciais conservadoras39.