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2 ESTADO, TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 Críticas à teoria das gerações dos direitos fundamentais

Como se percebe, os direitos fundamentais se inserem na moldura do que a doutrina classificou como gerações, tendo como premissa central a dignidade da pessoa humana. Essa teoria das gerações dos direitos fundamentais é atribuída ao professor Karel Vasak, que utilizou a expressão para demonstrar a evolução desses direitos com base no lema da revolução francesa. Assim, a primeira geração dos direitos humanos seria a de direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade. A segunda geração seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade. Por fim, a terceira geração seria a dos direitos de solidariedade, especialmente, o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, com fulcro na fraternidade.93

No entanto, a expressão “geração de direitos” tem recebido fortes críticas da doutrina, uma vez que passa a impressão de substituição gradual de uma geração por outra, o que não ocorre de fato. O processo é de acumulação, e não de sucessão.

Importante destacar o entendimento de Perez Luño no sentido de que “as gerações de direitos humanos não representam um processo meramente cronológico e linear. [...] De outro lado, as gerações de direitos humanos não implicam na substituição global de um catálogo de direitos por outro [...]”.94

No Brasil, Dimoulis e Martins seguem a mesma linha ao expor que o termo “geração” não se mostra cronologicamente exato, haja vista que as primeiras Constituições e declarações dos séculos XVIII e XIX já abordavam certos direitos sociais.95

De acordo com Nagibe Jorge Neto, “não se pode dizer que a implementação dos direitos de segunda geração exige, como condição prévia, a apropriação dos direitos de primeira, ou que a dos direitos de terceira geração exige a efetivação dos de primeira e

92 Ibid., p. 571-579.

93 MARMELSTEIN, op. cit.

94 PEREZ LUÑO, 1987 apud MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas,

2008, p. 57.

95 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista

segunda”.96 Existe entre todos os direitos fundamentais uma inter-relação política ou social, motivo pelo qual vários autores passaram a utilizar o termo dimensões, no lugar de gerações.

Marmelstein alerta, também, que continua sendo incorreto classificar os direitos como se eles fizessem parte de uma dimensão determinada e estanque, sem que se atente para os aspectos da indivisibilidade e interdependência dos direitos fundamentais. Em suas palavras:

O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão da solidariedade (terceira dimensão), na dimensão democrática (quarta dimensão) e assim sucessivamente. Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais.97

Considerando que o modelo estatal escolhido foi o Estado Democrático de Direito, em que há a necessidade de se consagrar a dignidade humana, “é de suma importância que se trate os direitos fundamentais como valores indivisíveis e interdependentes”,98 abolindo a falsa ideia de existência de hierarquia entre as diversas dimensões de direitos fundamentais, conforme mencionado anteriormente, englobando-os na luta por efetivação, para, assim, conferir máxima eficácia ao texto constitucional99 ― até porque não se alcança a liberdade sem que sejam asseguradas as condições materiais mínimas para a sua fruição. Isto é, somente é possível alcançar a liberdade com um mínimo de igualdade, assim como não se chega à igualdade sem as liberdades básicas.

Além disso, questão que merece destaque é o fato de que a doutrina, como base na teoria das gerações dos direitos, tem feito uma distinção, pouco refletida, de que os direitos de primeira geração são direitos negativos, que implicam um não fazer por parte do Estado, o que os faria não onerosos. Ao passo que os direitos de segunda e terceira gerações são direitos a prestações, envolvendo um fazer estatal, sendo, portanto, onerosos.

De acordo Marmelstein, é um equívoco entender que os direitos de liberdade são, em todos os casos, direitos negativos, e que os direitos sociais exigem sempre um gasto público. Pode-se afirmar que os direitos fundamentais, para serem concretizados, necessitam

96 JORGE NETO, op. cit., p. 39. 97 MARMELSTEIN, op. cit., p. 58. 98 Ibid., p. 60.

99 Nesse sentido, Paulo Bonavides afirma que a “universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde

o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia. É a universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade” (BONAVIDES, op. cit., 2011, p. 573).

da adoção de uma ampla rede de obrigações públicas e privadas, que interajam e se complementem, não dependendo apenas de um simples agir ou não agir por parte do Estado.100

Na verdade, todos os direitos fundamentais exigem a intervenção estatal, a implementação de políticas públicas e o gasto público para que sejam adequadamente observados, ainda que de uma forma mínima.101 Sobre o tema, Nabais assevera que:

E uma primeira verificação, que devemos desde já assinalar a tal respeito, é esta: os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos. Na verdade, todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos. Têm portanto custos públicos não só os modernos direitos sociais, aos quais toda a gente facilmente aponta esses custos, mas também custos públicos os clássicos direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais custos tendem a ficar na sombra ou mesmo no esquecimento. Por conseguinte, não há direitos de borla, apresentando-se todos eles como bens públicos em sentido estrito.102

Diante disso, é fundamental que se afaste essa distinção entre os direitos de liberdade e os direitos de igualdade, para tratar todos os direitos fundamentais como valores indivisíveis e interdependentes.