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3 A TRIBUTAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DOS

3.2 Solidariedade Social Tributária

A concepção de Estado Democrático de Direito exige uma postura ativa perante o contexto social, encarregando o Estado do cumprimento de metas que manifestam o projeto de bem comum, pautado na ideia de solidariedade. A expressão “solidariedade”, por sua vez, não é uma ideia de hoje, mas sim algo fundamentalmente da modernidade, mais especificamente do final do final do século XIX e princípios do século XX.137

Consoante afirmado no capítulo 2, o enfraquecimento dos ideais liberais, com o aparecimento dos movimentos sociais de oposição ao seu modelo econômico, refletiu no aparecimento de disposições contidas em diversos textos constitucionais, que mantinham a proteção dos direitos individuais de primeira dimensão, mas que passaram a garantir uma série de direitos sociais, vinculados às relações de trabalho, à moradia, à saúde, à educação, à previdência social, entre outras, objetivando englobar as necessidades da sociedade. Como se vê, referidos direitos revelam preocupações novas na ordem política, que acabou se posicionando em favor da solidariedade social.138

136 MURPHY; NAGEL, op. cit., p. 20.

137 NABAIS, José Casalta. Solidariedade Social, Cidadania e Direito Fiscal. In: GRECO, Marcos Aurélio;

GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 110- 111.

138 CONTIPELLI, Ernani de Paula. Solidariedade social tributária. Coimbra, Almedina, 2010, p. 124. Nesse

mesmo sentido, Douglas Yamashita afirma: “O pano de fundo desta reafirmação do Estado Social como componente necessário ao Estado de Direito decorre da crise pela qual o Estado liberal burguês passou durante o

De acordo com Marciano Seabra de Godoi, a expressão “solidariedade” possui múltiplos sentidos,139 mas sempre aponta para a ideia de união, ligação entre as partes de um todo, remontando a termos latinos que indicam a condição de sólido, inteiro, pleno. Guarda, ainda, afinidade com a ideia de fraternidade, apesar de a noção de fraternidade parecer envolver uma dose maior de afeto ou de comunhão. No sentido jurídico, que importa ao presente trabalho, a solidariedade social remonta à ideia de justiça social.140 Nesse mesmo contexto, Ricardo Lobo Torres afirma:

A solidariedade se aproxima da justiça por criar o vínculo de apoio mútuo entre os que participam dos grupos beneficiários da redistribuição de bens sociais. A justiça social e a justiça distributiva passam pelo fortalecimento da solidariedade. Os direitos sociais, ou direitos de segunda geração como preferem outros, dependem dos vínculos de fraternidade. Solidários são os contribuintes e os beneficiários das prestações estatais, em conjunto. Diz Isensee que ‘às prestações solidárias às prestações correspondem deveres solidários’.141

Nabais explica que a solidariedade se refere à relação ou sentimento de pertencer a um grupo ou formação social, dentre os quais se sobressai o Estado. Em suas palavras:

[...] a solidariedade pode ser entendida quer em sentido objetivo, em que se alude à relação de pertença e, por conseguinte, de partilha e de co-responsabilidade que liga cada um dos indivíduos à sorte e vicissitudes dos demais membros da comunidade, quer em sentido subjetivo e de ética social, em que a solidariedade exprime o sentimento, a consciência desse mesma pertença à comunidade.142

Segundo Contipelli, a solidariedade social se encontra inserida no âmago da natureza humana, fazendo com que o fenômeno jurídico cumpra seu papel perante a sociedade ― uma vez que este valor estabelece os vínculos que ensejam a união e o

século XX. Muito embora a crença liberalista no ‘livre jogo de forças’ para o sistema econômico e político tenha possibilitado um enorme crescimento de produtividade da economia, tal orientação trouxe consigo graves problemas, dentre os quais podemos destacar o rápido crescimento das desigualdades econômicas que provocam sérios problemas sociais e ao mesmo tempo diminuem as chances de as leis de mercado satisfazerem da melhor forma interesses distintos. Com a crise de 1929, a ‘mão invisível’ provou-se falha. A consequência disso foi uma revisão dos sistemas econômicos, políticos e jurídicos que resultou no nascimento do Estado Social dotado de políticas corretivas das nocivas distorções do mercado, por exemplo, por meio da redistribuição de renda” (YAMASHITA, op. cit., p. 56).

139 Ao tratar dessa pluralidade de sentidos, Cláudio Sacchetto sustenta que a solidariedade na linguagem

sociofilosófica significa “‘capacidade dos membros de um determinado grupo, família, nação, toda humanidade, de prestar-se recíproca assistência’, ou, então, ‘Solidariedade nacional: relação de comunhão de ideais e de recíproco suporte que une os indivíduos, cidadãos de uma nação ou as diversas unidades administrativas nas quais é dividido um Estado e que surge do sentimento de pertencer a uma mesma nação” (SACCHETTO, Cláudio. O dever de solidariedade no Direito Tributário: o ordenamento italiano. In: GRECO, Marcos Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 15).

140 GODOI, op. cit., p. 142.

141 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Valores e princípios

constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, v. II, p. 183.

reconhecimento da interdependência recíproca entre participantes da vida social, possibilitando apoiar uns aos outros, superando expectativas e deficiências individuais e realizando interesses e necessidades coletivas.143 No entender de Contipelli:

[...] a solidariedade social deriva de uma necessidade racional da vida, ínsita ao próprio espírito social humano, que constrói e organiza politicamente a comunidade em que vive para maximizar suas potencialidades, por meio da mútua cooperação intersubjetiva, em que cada indivíduo passa a ter deveres não apenas morais, mas sim jurídicos e exigíveis para com os seus semelhantes, que restam fixados com o direcionamento coercitivo de suas condutas, as quais se encontram voltadas à consecução do projeto de existência comum.144

A solidariedade social é, portanto, o que torna possível a vida em sociedade, servindo de padrão para a fixação do necessário equilíbrio das relações sociais. A solidariedade implica a superação de uma visão meramente individualista do papel de cada um de seus membros, configurando elemento de coesão da estrutura social. Sobre o tema, enuncia João Luis Nogueira Matias:

A sociedade contemporânea tem por traço marcante o privilégio do social, ou seja, a valorização da pessoa humana, a partir da prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais. É consensual a importância da solidariedade social na contemporaneidade. A consistência do conceito decorre de dois séculos de reflexão e de debate sobre as relações entre o indivíduo e a sociedade. A solidariedade é o que torna possível a vida em sociedade, servindo de padrão para a fixação do necessário equilíbrio das relações sociais.145

Prossegue Nogueira Matias ao afirmar que a solidariedade social consiste em uma apreciação dos objetivos dos institutos jurídicos, considerando-se um aspecto coletivo, que conduza à satisfação dos interesses envolvidos.146

Saliente-se, também, que a solidariedade social pode ser identificada com ênfase tanto na atribuição de direitos, correspondendo à ideia de direitos sociais e de direitos de solidariedade, quanto de deveres, que se opera por meio da divisão do trabalho social; com a definição dos encargos cabíveis a cada membro da comunidade, a fim de que se forme um patrimônio que reflita os interesses convergentes para a coexistência harmônica em sociedade.147

143 CONTIPELLI, op. cit., p. 144. 144 Ibid., p. 144.

145 MATIAS, João Luis Nogueira. A ordem econômica e o princípio da solidariedade na Constituição Federal de

1988. Nomos, Fortaleza/Ceará: ed. Universidade Federal do Ceará, v. 29.2 – jul/dez – 2009/2, p. 82.

146 Ibid., p. 83.

A solidariedade, assim, vincula-se ao ideal de vida comum, estabelecendo os laços de interdependência recíproca, em que os membros da sociedade passam a compartilhar entre si direitos e deveres correlatos, estabelecidos em decorrência da experiência jurídica e que revelam que certas atitudes comportamentais se sujeitam à formação de benefícios desfrutados por todos.148

Nesse sentido, Contipelli assevera que, de um lado, o Estado tem o dever de assistir a sociedade na garantia de um rol mínimo de bens para que os cidadãos gozem de uma vida satisfatória; por outro lado, a comunidade deve cumprir seus deveres de colaboração para com o grupo e a totalidade de seus membros.149 Consoante a lição do autor:

Por decorrência lógica, a solidariedade social faz com que o Estado adote um papel ativo perante a sociedade, com a realização de ações interventivas positivas e concretas voltadas para melhoria da situação de vida de toda comunidade, especialmente, os grupos menos favorecidos, garantindo-lhes conteúdo mínimo de sobrevivência digna, em que se procura evitar posições econômicas, políticas, culturais e morais degradantes de alguns em relação ao tratamento direcionado à totalidade dos membros.

Por outro turno, a solidariedade social acaba por intervir na seara das relações privadas, de interesses dos direitos subjetivos, área demarcada pelas concepções clássicas do valor liberdade, estabelecendo limitações ao pleno exercício da vontade individual, ao prescrever a necessária relação de ajustamento/compatibilidade entre referida esfera de autonomia privada ao atendimento de sua função social, geralmente, determinada no plano normativo constitucional.150

No contexto brasileiro, de acordo com o disposto no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, a atuação estatal e dos particulares deve ser direcionada para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; para a garantia do desenvolvimento nacional; para a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais e promoção do bem de todos, sem quaisquer preconceitos. Nas palavras de Douglas Yamashita:

[...] sob a ótica da solidariedade, o Estado Democrático de Direito (art. 1º) consiste, basicamente na persecução de: i) justiça social (arts. 3º, I, 170, caput, e 193 da CF/88) que busca redistribuição de renda e igualdade de chances a todos, ou seja, a

148 Ibid., p. 145-146.

149 Ibid., p. 146. Em sentido semelhante, Joacir Sevegnani afirma: “[...] a solidariedade implica o entendimento

de que todos são portadores de direitos que só são garantidos, porque sustentados por deveres, nem sempre distribuídos igualmente a todos. Portanto, se é possível afirmar, com certo rigor, que não há Estado sem direitos, pode-se também concluir que não haveria muitos direitos sem tributos. Em certa medida, os direitos só existem porque financiados por recursos públicos advindos das receitas tributárias, que são a fonte quase exclusiva de rendas do Estado. Nessa configuração, para subsidiar o princípio da solidariedade social, todos devem contribuir para as despesas coletivas, de acordo com a capacidade de cada um, com vistas a reduzir as desigualdades sociais” (SEVEGNANI, Joacir. A Solidariedade Social como fundamento da tributação. Novos Estudos

Jurídicos, [S.l.], v. 14, n. 3, p. 99-122, dez. 2009. Disponível em: <www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1934>. Acesso em: 01 jul. 2015).

capacidade existencial, econômica e cultural para viver e trabalhar, num nível razoável; e ii) segurança social, ou seja, a) bem-estar social (arts. 186, VI, e 193 da CF/88), consubstanciado especialmente na proteção existencial, garantida pela prestação de serviços públicos básicos (água, luz, transporte, educação, saúde etc.) e nos seguros sociais (seguro-desemprego, seguro por invalidez etc.) e b) assistência

social (auxílio mínimo existencial e auxílios em catástrofes naturais, a fim de

garantir um mínimo de dignidade humana ao cidadão).151

No Estado de Direito Democrático brasileiro, o artigo 3º 152 da Constituição Federal de 1988 determina uma fórmula de equilíbrio entre dois valores máximos dos modelos puros de Estado de Direito e Estado Social, devendo ser compostos a liberdade e a igualdade, para resultar, de seu balanceamento, a justiça. Nas palavras de Ernani Contipelli:

Ao sintetizar, no âmbito do complexo normativo constitucional, concomitantemente, conjunto de valores de proteção à liberdade, caracterizadores do Estado de Direito, e de valores sócio-transformadores, próprios do Estado Social, o modelo de Estado Democrático de Direito passa a ser concebido como instrumento de concretização de esperanças individuais e coletivas, submetendo as decisões de poder à realização do programa social, jurídico e político por ele abarcado, o qual encontra sentido ético no espírito da invariante axiológica que imediatamente orienta a concepção de sua fórmula de integração ideológica, qual seja o valor da solidariedade social.153

Vale ressaltar que o artigo 3º da Constituição Federal, ao trazer o elenco dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, revela, no teor de seus dispositivos, a opção de orientação pela via da solidariedade social na fórmula de integração ideológica do modelo de Estado Democrático de Direito, condicionando a atividade de interpretação dos demais mandamentos constitucionais e subordinando toda dinâmica do processo de produção e validação de normas jurídicas; assim como de construção de significado de seus respectivos modelos à constante objetivação do complexo axiológico que permeia o valor solidariedade social.154

151 YAMASHITA, op. cit., p. 59.

152 Marco Aurélio Greco, ao tratar da importância da definição dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil, na CF/88, assim se manifesta: “O viés humano da disciplina constitucional é reforçado pelo seu artigo 3º quando explicita os objetivos fundamentais da República. A indicação de objetivos não é mera declaração de boas intenções; ela assume o papel de condicionante dos mecanismos e instrumentos que vierem a ser criados e utilizados à vista das competências constitucionais. Isto significa que, dentre alternativas teoricamente possíveis (à vista de determinada situação e formalmente compatíveis com a norma de competência), estará prestigiada aquela que estiver em sintonia com o objetivo constitucional, no sentido de contribuir para sua obtenção” (GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade Social e Tributação. In: GRECO, Marcos Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 172).

153 CONTIPELLI, op. cit., p. 189. 154 Ibid., p. 189.

Assim, o artigo 3º, inciso I da Constituição Federal, ao constituir como objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e solidária,155 revela a solidariedade social como valor guia do Estado Democrático, consagrando os laços de interdependência recíproca que devem existir entre os membros da sociedade, traduzindo o ideal de cooperação entre os sujeitos para o alcance do projeto de coexistência social e respeito incondicional aos direitos fundamentais.156

Já o inciso II do artigo 3º prevê que a República Federativa do Brasil deve

garantir o desenvolvimento nacional, comungando esforços para a concretização do programa

de ação traçado no plano normativo constitucional e que reflete a necessidade de aperfeiçoamento contínuo das relações sociais, visando ao atendimento do bem comum, haja vista que o modelo de Estado Democrático de Direito escolhido pressupõe a repartição dos encargos comunitários com a atribuição de direitos e deveres recíprocos aos membros da sociedade e para o próprio Estado, permeados pelo valor da solidariedade.157

O inciso III, por sua vez, constitui o objetivo fundamental de erradicar a pobreza

e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, fazendo com que o Estado

realize intervenções positivas na ordem econômica e social, com a adoção das medidas políticas e jurídicas necessárias para garantir condições minimamente satisfatórias de vida a todos. Além disso, é importante que os membros da sociedade arquem com a sua parte, conscientizando-se da importância do cumprimento dos deveres de colaboração a eles estipulados, para garantir o funcionamento da rede de cooperação comunitária que permeia os objetivos da solidariedade social.158 Segundo o pensamento de Contipelli:

Tal postura descrita no modelo de Estado Democrático de Direito possibilita a composição dos direitos sociais assistenciais, herdados do Estado Social, e, reflexamente, a atribuição de deveres fundamentais, que denotam uma nova perspectiva do valor igualdade com interferência direta da solidariedade social, para envolver não somente o Estado, mas a totalidade dos participantes da vida comunitária na divisão das responsabilidades decorrentes da coexistência coletiva, que deve propiciar os meios adequados ao pleno desenvolvimento das

155 Interessante a observação feita por Klaus Tipke, no sentido de alertar que as palavras da Constituição podem

se afastar muito da realidade. Assim se manifesta: “O art. 3º, I, da Constituição Brasileira designa expressamente a construção de ‘uma sociedade livre, justa e solidária’ como objetivo fundamental do Estado. Diferentemente da Constituição Alemã, ela disciplina detalhadamente a ‘Ordem Social’ em seu Título VIII. Entretanto, a experiência ensina que precisamente quando se trata da concepção de Estado Social as palavras da Constituição podem distanciar-se muito da realidade constitucional. Os males sociais fazem as palavras da Constituição empalidecerem como retórica patética, atrás da qual as promessas e compromissos da Constituição ficam muito para trás. Cabe aos brasileiros julgar até que ponto isso também vale para o Brasil” (TIPKE; YAMASHITA, op.

cit., p. 43-44).

156 CONTIPELLI, op. cit., p. 190. 157 Ibid., p. 190.

potencialidades da pessoa humana, com a busca incessante da atribuição de igual dignidade no âmbito social.159

Por fim, nos termos do inciso IV, restou constituído o objetivo de promover o bem

de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, concebendo-se a solidariedade social com o sentimento de alteridade e

comunhão ética a ser buscado na realização do bem comum. Trata-se de um cenário em que cada membro da sociedade se coloca na posição do outro, reconhecendo a sua dignidade na de seu semelhante para definir seu agir individual, a fim de direcionar esforços contínuos de criação de condições morais e materiais suficientes para fruição de vida satisfatoriamente digna.160

Diante dos objetivos traçados na Constituição Federal de 1988, com clara opção por uma mudança estrutural da sociedade brasileira, o princípio da solidariedade assume um papel central da ordem jurídica, a partir do qual devem ser interpretados os demais princípios e regras, percebendo-se que o Estado brasileiro somente se legitima se visar a substancializar a igualdade fática.

Daí o Supremo Tribunal Federal (STF) vir afirmando que o princípio da solidariedade social é o fundamento para o planejamento, instauração e cumprimento das políticas públicas, além de haver sustentado que a sua consagração é importante para o reconhecimento dos direitos fundamentais e, consequentemente, para o desenvolvimento, expansão e reconhecimento deles.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2649,161 a ministra Carmen Lúcia, relatora, é explícita no reconhecimento do princípio da solidariedade, afirmando, em seu voto, o seguinte:

159 Ibid., p. 191. 160 Ibid., p. 191.

161 “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS

EMPRESAS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERMUNICIPAL, INTERESTADUAL E

INTERNACIONAL DE PASSAGEIROS - ABRATI. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 8.899, DE 29 DE JUNHO DE 1994, QUE CONCEDE PASSE LIVRE ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA, DA ISONOMIA, DA LIVRE INICIATIVA E DO DIREITO DE PROPRIEDADE, ALÉM DE AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO (ARTS. 1º, INC. IV, 5º, INC. XXII, E 170 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): IMPROCEDÊNCIA. 1. A Autora, associação de associação de classe, teve sua legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade reconhecida a partir do julgamento do Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.153, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 9.9.2005. 2. Pertinência temática entre as finalidades da Autora e a matéria veiculada na lei questionada reconhecida. 3. Em 30.3.2007, o Brasil assinou, na sede das Organizações das Nações Unidas, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo, comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado. 4. A Lei n. 8.899/94 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos

Na esteira destes valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o principio jurídico da solidariedade.

Esse princípio projeta-se e afirma-se já no tít. I, art. 3°, no qual se fixam os objetivos da República Federativa do Brasil, dentre os quais se tem o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inc. II), “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inc. III), e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (inc. IV).

[...]

O princípio constitucional da solidariedade tem, pois, no sistema brasileiro, expressão inegável e efeitos definidos, a obrigar não apenas o Estado, mas toda a sociedade. Já não se pensa ou age segundo o ditame de “a cada um o que é seu", mas “a cada um segundo a sua necessidade”. E a responsabilidade pela produção destes efeitos sociais não é exclusiva do Estado, senão que de toda a sociedade.

Percebe-se, portanto, que a solidariedade social é um princípio jurídico apto a incidir sobre toda a ordem jurídica, o que lhe confere exigibilidade, como fonte de obrigações positivas e negativas e de direitos correlatos, bem como impondo que seu conteúdo seja utilizado como critério interpretativo de outras normas.

Nessa mesma esteira, ao entender a solidariedade social como princípio jurídico, Marcio Diniz afirma:

A realização da solidariedade social, entendida como princípio jurídico- constitucional, concebe-se, então, como um ato complexo, no qual concorrem tanto