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2 ESTADO, TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.2 Estado Social

O Estado Social surge como um novo modelo político, no qual o Estado se compromete a promover maior igualdade material e a garantir condições básicas para uma vida digna. Isso ocorreu como reação à visão liberal, que acarretou, devido à omissão estatal,

73 Ibid., p. 280-281. 74 Ibid., p. 281.

no aumento das desigualdades sociais, que foram combatidas pelos movimentos revolucionários de base proletária. Acerca do tema, Anderson Teixeira assevera:

Se a primeira fase do constitucionalismo fora uma ode à liberdade individual, sobretudo porque positivava a primeira geração dos direitos humanos, o esgotamento desse modelo individualista prestou-se a mostrar, já no início do séc. XX, a necessidade de uma ação efetiva por parte do Estado na proteção dos direitos não somente individuais, mas também da coletividade. A Revolução Russa, em 1917, legou fundamental categoria jurídica para a história do constitucionalismo: direitos sociais. Embora já estivesses em pleno desenvolvimento na metade do séc. XIX, como no caso dos direitos trabalhistas oponíveis à ânsia desenfreada e desenvolvimentista da sociedade industrial, o significado político da Revolução Vermelha foi de singular valor, pois, a partir de então, eclodiu uma sequencia de constituições, não apenas europeias, mas também nas Américas, que incorporavam tanto a proteção aos direitos sociais como a própria concepção do fenômeno constitucional como um movimento destinado a tutelar direitos individuais e coletivos. Apenas para relembrar, entre as principais constituições do constitucionalismo social, encontramos as de: México (1917), Alemanha (Weimar, 1919), Rússia (1919), Áustria (1920), Brasil (1934) e URSS (1936).76

Este Estado,77 como se percebe do excerto acima, não tem como objetivo assegurar apenas a igualdade formal, mas, também, alcançar a igualdade material, tendo, portanto, a obrigação de buscar meios para minimizar as desigualdades sociais, decorrentes do modelo econômico vigente. O Estado Social é, dessa forma, uma segunda fase do Estado constitucional, em que a liberdade das pessoas continua a ser valor básico da vida coletiva e a limitação do poder político um objetivo permanente, mas o objetivo é de articular esses direitos, liberdades e garantias com os direitos sociais.

Referidos direitos sociais requerem prestações positivas (status positivus) por parte do Estado para suprir as carências da sociedade, garantindo o Estado tipos mínimos de renda, alimentação, habitação, saúde e educação a todos os cidadãos, como direito político e não como caridade. São os direitos dos cidadãos às prestações necessárias ao pleno desenvolvimento da existência individual, tendo o Estado como sujeito passivo, devendo ser cumpridos mediante políticas públicas. Nas palavras de Marmelstein, são os direitos de segunda geração, que “impõe diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no

76 TEIXEIRA, op. cit., p. 19.

77 Para Paulo Bonavides: “Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a

impaciência do quarto estado faz ao poder político, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado Social” (BONAVIDES, Paulo, Do

intuito de possibilitar aos seres humanos melhor qualidade de vida e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade”.78

Ao contrário da fase anterior do constitucionalismo, no Estado Social, em que houve a positivação da segunda geração dos direitos humanos, a condição do indivíduo foi tomada em outra perspectiva político-social, em que a participação do Estado era essencial à realização prática dos direitos sociais, dos direitos trabalhistas e de direitos cujos titulares não eram necessariamente definidos a priori, como no caso do direito à saúde, à educação, à cultura, ao trabalho, a um mercado econômico regrado pelo Estado, entre outros. Isso fez com que fosse sustentada a necessidade de uma liberdade positiva, entendida como uma participação instrumental do Estado como agente hábil a prover direitos, que, sem a sua atuação, dificilmente seriam implementados, tendo em vista a falta de estrutura que permitisse a efetivação deles.79

De acordo com Paulo Bonavides, os direitos de segunda geração são os direitos sociais, culturais e econômicos, além dos direitos coletivos e de coletividades, que foram introduzidos no constitucionalismo dos diferentes tipos de Estado Social, após terem surgido decorrentes das reflexões e reações antiliberais do século XX, com fundamento no princípio da igualdade, razão de ser que os ampara e estimula.80

Com a assunção dos direitos sociais, ligados à igualdade material, que ampliam as tarefas a serem desempenhadas pelo Estado, percebe-se que o constitucionalismo liberal perde espaço para o chamado constitucionalismo social. De acordo com Anderson Teixeira, a maior contribuição feita pelo Estado Social para a Teoria Constitucional do século XX foi a redefinição da função da constituição dentro de um Estado de direito. Em suas palavras:

[...] de um documento mais político do que propriamente jurídico, passa a ser então, em especial com as constituições do pós-Segunda Guerra Mundial, documento jurídico dotado de normatividade como qualquer outra lei, mas com a prerrogativa de ser a lei maior de um sistema jurídico. Com isso, supera-se a supremacia da lei e chegamos à soberania da constituição.81

Assim, a Constituição passa a ser uma estrutura política conformadora do Estado, informada pelos princípios materiais do constitucionalismo. Antes do século XIX, era a

78 MARMELSTEIN, op. cit., p. 51. 79 TEIXEIRA, op. cit., p. 19-20. 80 BONAVIDES, op. cit., 2011, p. 564. 81 TEIXEIRA, op. cit., p. 16.

constituição da sociedade, tendo em vista que era o “corpo jurídico de regras aplicáveis ao “corpo social”. Depois do século XIX, passa a ser a Constituição do Estado.82

No entanto, o Estado Social ficou marcado por um formalismo jurídico, que acarretou na ausência de efetiva concretização dos direitos sociais. De acordo com Paulo Bonavides, ditos direitos passaram por um ciclo de baixa normatividade, tendo em vista a sua própria natureza de direitos que exigem do Estado uma prestação, nem sempre possível de ocorrer por limitações de meio e recursos suficientes para isso, tendo sido remetidos à esfera programática, haja vista que não continham as mesmas garantias processuais de proteção aos direitos de liberdade.83

Dessa forma, o Estado Social não foi capaz de garantir a justiça social, tendo em vista a grave crise que o atingiu, decorrente do aumento do déficit público, bem como não conseguiu alcançar a real participação democrática na política, ficando pautado apenas no dever-ser. Diante disso, o Estado teve de passar a ser conformado pela Constituição, dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito, que será debatido a seguir.