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Capítulo IV: Análise de dados

4.1 Crenças

Considerando os demais conhecimentos informais (memórias, intuições e pressupostos), as crenças de alguns participantes desta pesquisa são as mais perceptíveis. Para analisarmos tais construtos, definiremos crenças como conhecimentos informais (ALMEIDA FILHO, 2014) com origem nas experiências e socialmente construídas (BARCELOS, 2004a apud SILVA, 2007). Teremos como foco as crenças sobre aprendizagem de línguas que “são crenças a respeito do que é linguagem, do que é

aprendizagem de línguas e sobre aspectos pertinentes à linguagem e à aprendizagem, ou toda tarefa de aprender” (BARCELOS, 2004, p. 132). Analisaremos as crenças de quatro participantes (Alice, João, Katia e Matheus), porque os dados revelaram crenças existentes apenas nas respostas desses indivíduos.

Ao responder a questão (presente no questionário) “Você aprendeu/ está aprendendo outras línguas estrangeiras? Descreva sua experiência de aprendizagem no curso caso tenha estudado línguas.”, Alice disse:

Não, tenho imensa dificuldade em aprender, pois sempre pensei no Inglês como uma forma de dominação dos EUA.72

Alice recorrentemente relatava espontaneamente – antes de ir embora da sala de aula – que não gostava da língua ou das aulas com os diferentes professores que tivera até o momento da aplicação do questionário. Podemos perceber, portanto, que sua(s) crença(s) são decorrentes de suas experiências, provavelmente, como aponta Barcelos (2007). Além de considerar a LI como uma forma de dominação dos EUA e mostrar resistência à isso ao não querer aprender a língua, a aluna também reforça suas dificuldades com relação à língua ao responder a seguinte pergunta do questionário:

Quadro 14 – Resposta da aluna Alice (pergunta 15a) 15a. Defina o que é aprender uma língua

estrangeira para você.

Um sacrifício.

Essa metáfora, assim como apontado no estudo de Ellis (1999) apud Barcelos (2004), retrata a aprendizagem como um sofrimento e esforço da aluna há algum tempo. Os dados apontam para outra crença de Alice ao responder essas questões do questionário:

Quadro 15 – Respostas da aluna Alice (perguntas 15d e 19) 15d. Em que você tem dificuldade ao estudar

inglês?

Tenho dificuldade de decorar as traduções, as regras, as formas.

19. De acordo com as opções abaixo, como você avalia seu desempenho em Inglês. Por que você acredita avaliar dessa forma?

( ) péssimo ( ) ruim ( ) regular

Ruim – Porque eu sempre esqueço os significados e as regras.

( ) bom ( ) ótimo

Os dados sugerem uma preocupação recorrente da aluna com relação a não lembrar as regras e significados. Outro dado semelhante encontra-se na resposta da questão n. 12:

Quadro 16 – Resposta da aluna Alice (pergunta 12)

12. Você se considera uma pessoa: Que gosta de questões gramaticais, preferindo não se arriscar a partir de dicas do contexto a não ser que tenha certeza.

Entretanto, os dados apontam que esse foco nas questões gramaticais da língua – de acordo com as respostas das questões 15d, 12 e 19 – pode ter sido originado pela experiência da aluna, como é possível observar nas respostas das questões 5 e 9 do questionário:

Quadro 17 – Respostas da aluna Alice (perguntas 5 e 9) 5. Você já fez curso de Inglês? Se sim, assinale

como eram suas aulas (pode assinalar mais de uma alternativa):

Sim, foco no aluno; tinha muita repetição; fazia simulações de uso da língua em situações; executava atividades; repetia modelos; tinha perguntas de compreensão de vídeos; preenchia lacunas de músicas.

9. Como eram as aulas de Inglês na escola regular? Dê detalhes sobre suas aulas (pode assinalar mais de uma alternativa).

Foco no professor; repetia modelos.

Segundo Barcelos (2007), Wright (2016), Almeida Filho (2015) apud Silva e Caria Filho (2016) e Lourenço e Santos (2016), crenças são conhecimentos informais desenvolvidos a partir de nossa experiência e de outrem. Ao analisarmos as respostas dessas perguntas (5 e 9), os dois contextos de ensino de Inglês (curso particular e escola regular) – em outras palavras, as experiências da aprendiz – focam na estrutura linguística com “modelos” e “repetições”, o que pode ter influenciado na crença da aluna que aprender uma língua está relacionado apenas à aprendizagem de estruturas e formas.

Com relação às crenças de João, o aprendiz respondeu as questões a seguir:

Quadro 18 – Respostas de João (perguntas 15a e 19) 15a. Defina o que é aprender uma língua

estrangeira para você.

Aprender é compreender o indivíduo que fala a língua e saber também se comunicar.

19. De acordo com as opções abaixo, como você avalia seu desempenho em Inglês. Por que você acredita avaliar dessa forma?

Ruim – acredito que tendo aulas particulares melhoraria meu desempenho.

Os dados sugerem que João acredita que apenas aprenderá Inglês se frequentar aulas particulares. Considerando isso, retomamos as respostas do aluno sobre suas experiências anteriores com a aprendizagem de línguas:

Quadro 19 – Respostas de João (perguntas 5 e 9) 5. Você já fez curso de Inglês? Se sim, assinale

como eram suas aulas (pode assinalar mais de uma alternativa):

Não.

9. Como eram as aulas de Inglês na escola regular? Dê detalhes sobre suas aulas (pode assinalar mais de uma alternativa).

Tinha muita repetição; executava atividades; tradução de textos; geralmente as aulas eram apenas sobre verbo to be.

Esses dados sugerem, portanto, que, por ter aprendido questões mais estruturais da língua em sala de aula, o aprendiz acredita que aprender é compreender e produzir na língua – crença que também pode ser, portanto, desenvolvida a partir de suas experiências (BARCELOS, 2007).

Katia, por outro lado, mostra interesse em questões (pergunta n. 15b) que não foram pontuadas na caracterização das aulas do curso de idiomas ou escola regular (perguntas n. 5 e 9):

Quadro 20 – Respostas de Katia (perguntas 5, 9 e 15b) 5. Você já fez curso de Inglês? Se sim, assinale

como eram suas aulas (pode assinalar mais de uma alternativa):

Sim, foco no professor; foco no livro didático; foco no aluno; fazia simulações de uso da língua em situações; executava atividades; repetia modelos; tradução de textos; preenchia lacunas de músicas; Leituras em grupo e atividades com “listening”.

9. Como eram as aulas de Inglês na escola regular? Dê detalhes sobre suas aulas (pode assinalar mais de uma alternativa).

Tinha muita repetição; Executava atividades; Tradução de textos; preenchia lacunas de músicas.

15b. Em que você tem dificuldade ao estudar inglês?

Gramática, sintaxe, não ao formar, mas ao identificar por nomes e termos o que é cada coisa.

Os dados sugerem que a aluna acredita ser relevante aprender as categorias e classificações linguísticas da LI, o que não foi abrangido durante suas aulas de Inglês. Entretanto, não podemos descartar que essas dificuldades podem ser oriundas de outras experiências da aluna.

Quadro 21 – Resposta de Matheus (pergunta 15a) 15a. Defina o que é aprender uma língua

estrangeira para você.

Uma língua estrangeira deve ser como um hábito; se você parar, ela se perderá mesmo que já tenha uma boa fluência.

Considerando a resposta do aluno, analisamos os dados para verificar se ele estudou Inglês em vários momentos ou de maneira contínua para poder explicar sua afirmação. Entretanto, Matheus apenas disse que estudava há mais de 3 anos:

Quadro 22 – Resposta de Matheus (pergunta 8) 8. Considerando o ensino regular, escola de

idiomas e outras práticas, por quanto tempo estudou (estuda) a língua inglesa?

Mais de 3 anos.

Possivelmente, por estudar Inglês por vários anos, em algum momento de sua vida, o aprendiz deve ter parado de estudar Inglês e, com isso, percebeu o quanto seu desempenho na língua caiu.

Observando essas crenças, podemos perceber que a experiência de alguns (ou mesmo todos) desses participantes (analisados nesta seção) pode ter influenciado em suas crenças e em suas maneiras de agir – Alice, por exemplo, não gosta da língua por uma questão de “dominação” política e por experiências anteriores e, por isso, seu filtro-afetivo aumenta, o que dificulta o desenvolvimento de sua aprendizagem (WENDEN, 2003).

Com relação às estruturas das crenças, Barcelos (2007) discute a representação feita por Rokeach (1968). Como discorremos na Fundamentação deste trabalho, existem crenças mais centrais e outras mais periféricas que estão relacionadas entre si, sendo que as mais centrais interferem e trazem consequências às outras e são oriundas das experiências diretas. Um exemplo dessa construção pode ser visto no caso de Alice. Sua aparente crença do Inglês ser uma forma de dominação dos Estados Unidos (crença 1, central), juntamente com as experiências da aluna de aprender a língua a partir de estruturas, relacionou-se com outra suposta crença de que, para aprender a língua, a aluna deve aprender apenas estruturas (crença 2, periférica). Assim, por não gostar da língua, por mais que a aluna estude as estruturas, ela não consegue progredir em seu aprendizado (como a mesma declarava em sala de aula).

João pode ser apontado como outro exemplo dessa “rede de crenças”. Ao acreditar que aprender uma língua é saber se comunicar na mesma (resquícios de uma

crença 1, mais central), o aprendiz pode acreditar que não aprenderá a língua sozinho e, por isso, necessitaria de alguém (professor particular) para desenvolver a língua (resquícios de uma crença 2, mais periférica).

Assim, como Bandeira (2003) pontua, as crenças são os elementos mais estáveis no conhecimento informal, porque estão relacionadas umas às outras e, se a crença central for alterada por uma experiência nova, por exemplo, as demais poderão sofrer alterações. Podemos perceber essa estabilidade das crenças em Alice e João, que mantiveram as crenças há algum tempo, o que não os possibilita progredir em seus estudos. As crenças de Katia e Matheus, entretanto, por mais estáveis que pudessem estar, aparentemente não influenciaram negativamente no desenvolvimento linguísticos desses participantes.

Concluiremos a análise das crenças juntamente com a caracterização da CEA considerada producente no final deste capítulo. Dessa forma, prosseguiremos a análise com intuição e pressupostos, que apresentaremos na próxima seção.