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Capítulo I – Fluindo entre as correntes de pensamento

1.1 Crenças sobre aprendizagem de línguas

1.1.6 Crenças e(m) ações

As ações não só influenciam as crenças, como podem também ser pelas crenças influenciadas, em uma relação mútua de construção de significados. No início da pesquisa em crenças, essa influência era estudada com foco nas estratégias de aprendizagem. Hoje compreendemos que as crenças influenciam as ações dos alunos em geral, não somente suas estratégias. Ou, como afirma Horwitz (1999), “as crenças dos alunos têm o potencial de influenciar tanto suas experiências quanto suas ações como aprendizes de língua16” (p. 558). Segundo Dewey, crenças não podem ser separadas das ações, e influenciam as ações e as ações as modificam (Barcelos, 2000b, p. 35). Por exemplo, se um aluno participa de um curso de LE a qual ele considera impossível de aprender e durante o curso ele muda de idéia, temos um caso de ações modificando as crenças. Já a influência das crenças nas ações nos é mais clara, pois o alunos podem agir de acordo com suas crenças, não em uma relação direta e causal, porém mais declarável.

16 Do original: “Learner beliefs have the potential to influence both their experiences and actions as language learners” (Horwitz, 1999, p. 558).

Barcelos (2006b), citando Richardson (1996), aponta três modos de se compreender essa relação entre crenças e ações. Na relação de causa-efeito, entende-se que as crenças influenciam diretamente as ações. Ou seja, se uma pessoa tem determinada crença, ela irá agir conforme essa crença. Na relação interativa, há uma influência mútua, pressupõe-se que as crenças influenciam as ações, mas também as ações influenciam as crenças. E, na relação hermenêutica, as ações e as crenças são influenciadas por uma grande variedade de fatores do contexto (Barcelos, 2006b). Com o reconhecimento da força da influência do contexto, a tendência das pesquisas atualmente tem sido investigar a relação entre crenças e ações sob a perspectiva hermenêutica, como neste trabalho.

Em um estudo com abordagem contextual e qualitativa, crenças não são vistas como erradas, por não se considerar a sua influência em uma relação direta e causal nas ações. Se uma crença tiver reflexos não favoráveis à aprendizagem, ela pode ser (re)significada por meio de reflexões e ações com esse foco. Como a relação com o contexto é muito ampla e outros fatores além das crenças podem influenciar nossas ações, podemos verificar desencontros entre as crenças e as ações, chamados de dissonâncias ou de inconsistências.

A inconsistência entre crenças e ações pode ocorrer tanto na prática de professores quanto de aprendizes, porque as ações de todos nós são regidas por variados conjuntos de crenças, que podem ter mais ou menos influência dependendo do contexto momentâneo. A questão da discrepância entre o dizer e o fazer, ou entre o discurso e a prática, é, segundo Barcelos (2006b), sempre presente nos trabalhos de crenças. A autora aponta a causa das inconsistências e de conflitos quando afirma que “nem sempre agimos de acordo com o que acreditamos, daí pode surgir o conflito ou a dissonância entre o que se pensa e o que se faz” (p. 27). Nem sempre agimos de acordo com o que acreditamos pois pode haver outras questões mais relevantes no momento da ação, como influência de terceiros (por exemplo, pais, instituição, chefes), ou mesmo crenças mais profundas e arraigadas sobre as próprias crenças que estariam imediatamente ligadas àquele contexto específico.

Os fatores contextuais se relacionam, então, com as crenças que irão influenciar o modo como agimos. Assim, como explica Barcelos (2007), as escolhas, as ações dos professores e alunos são justificadas tendo como referência os fatores contextuais. A autora, em um trabalho anterior, já afirma que os indivíduos agem dentro de um contexto e “ser ativo significa ser capaz de resistir, responder, mudar, brigar, ajustar e acomodar-se ao

ambiente e aos outros” (Barcelos, 2000a, p.17). Sendo assim, as inconsistências são inevitáveis, pois a cada momento de interação estamos significando e (re)significando nossas crenças.

Contudo, Basso (2006) aponta que há crenças que permanecem resistentes a mudanças, mesmo diante de novos paradigmas e novas teorias de ensino. Essas crenças poderiam influenciar nossas ações contrariamente ao que é novo, fazendo com que, muitas vezes, como destaca a autora, a prática do professor destoe do que é falado, teorizado, conceituado, qualificado como bom e adequado ao ensino, “já que no recôndito das nossas salas de aula perpetuamos fazeres, mantendo-os praticamente inalterados pela bagagem teórica obtida durante toda a nossa formação – inicial e continuada” (Basso, 2006, p. 66).

Se seguirmos o raciocínio de Woods (2003), as inconsistências podem surgir do fato de termos crenças conscientes e inconscientes, ou seja, em nosso discurso teríamos as crenças conscientes, e nossas ações seriam guiadas pelas inconscientes sem que percebamos. O autor propõe a distinção entre um conjunto de ‘crenças abstratas’, proposições sobre como as coisas são e como as coisas deveriam ser nas quais nós dizemos acreditar e que são, por isso, conscientes; e um conjunto de ‘crenças em ação’, que guiam as ações de maneira inconsciente. As crenças em ação sendo inconscientes implicam, segundo o autor, que é possível não estar atento às nossas crenças. Assim, “o que nós dizemos acreditar pode nem sempre ser o fator que influencia nossas ações, e indivíduos podem realizar ações que parecem ser inconsistentes com o que eles dizem que suas crenças são17” (Woods, 2003, p. 207).

Como visto, muitas vezes as crenças e o comportamento podem não ser coerentes, ou pelo menos não conscientemente. E conscientes ou não, as crenças e as ações de alunos e professores podem também ser discrepantes entre si e daí surgirem os conflitos em sala de aula, como exposto a seguir.

17 Do original: “... what we say we believe may not always be the factor which influences our actions, and individuals can carry out actions which seem to be inconsistent with what they say their beliefs are” (Woods, 2003, p. 207).