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A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A INTERLOCUÇÃO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS

2.3 Criança, Infância e Educação Infantil

A educação infantil se configura em uma etapa educativa essencial para as crianças, e como vimos através da perspectiva histórica e dos marcos legais expostos neste estudo, a área vem se construindo através de reflexões e estudos e demonstram a sua importância e especificidades. Dentre elas, uma das primeiras questões teóricas enfrentadas pelas professoras e pesquisadores da educação infantil refere-se às suas funções, as dicotomias entre a educação e a assistência, traduzidas como educar e cuidar, inseridas no cenário nacional por Campos (1994)8.

Oliveira (2011), afirma que a especificidade do fazer pedagógico na Educação Infantil revela o quão importante são estas duas dimensões, porém muitas instituições priorizam a dimensão do cuidado em detrimento do trabalho educativo, e de certa forma, confundem o papel da instituição com o da família desvalorizando a relação de complementaridade entre elas.

O perigo da dicotomia entre o educar e o cuidar está em suprimir uma destas dimensões em relação à outra, pois de um lado encontram-se as instituições que priorizam apenas o cuidar enfocando ações referentes aos aspectos físicos das crianças, especialmente cuidados com a higiene e alimentação. De outro, com o propósito implícito de valorizar o caráter educacional, estão as instituições que, no intuito de se diferenciarem daquelas cuja proposta educacional é assistencialista Kuhlmann Jr (1998), promovem a escolarização precoce dos educandos desde muito cedo, em cuja proposta as atividades disciplinares partem do modelo da

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Uma das primeiras pesquisas da área de Educação Infantil está publicada com o título A Política do Pré-escolar no Brasil: A Arte do Disfarce, de 1994, realizada por Sonia Kramer e Maria Malta Campos, na coletânea organizada pela então Coordenadoria de Educação Pré-escolar (MEC), apresenta aos pesquisadores brasileiros a discussão que já ocorria fora do Brasil entre as dimensões educativas e de cuidado no atendimento a criança menor de seis anos de idade.

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escola fundamental, de experiências com lápis e papel, exclusivamente realizadas nas mesas, a alfabetização e numeração, constituem o eixo do fazer pedagógico destas instituições.

Conforme Bujes (2001), enquanto se mantiver a confusão de papéis que vê na família ou na escola os modelos a serem seguidos pela educação infantil, quem perde é a criança. A forma como se concebe a educação infantil tem conseqüências marcantes nas práticas dos profissionais da educação e na vida dos educandos, o educar e o cuidar fazem parte do processo educacional nesta etapa de desenvolvimento e ocorrem simultaneamente por serem dois processos complementares e indissociáveis.

A educação infantil se constitui em um espaço de descoberta do mundo para as crianças, e a responsabilidade com que é desenvolvida tem fundamental importância e demonstra o comprometimento da instituição. E, enquanto área acadêmica de pesquisas e referencial teórico-metodológico próprio vem produzindo diferentes formas de pensar sobre a educação, a criança e a infância, fruto desse constante processo de investigação, as quais também se traduzem em práticas sociais e educacionais.

Neste sentido, consideramos fundamental para a educação infantil a contribuição dos estudos da sociologia da infância que escuta a voz das crianças. Conforme Abramowicz; Oliveira (2010) sinalizam que estes estudos trouxeram à cena acadêmica da pesquisa uma perspectiva na qual criança é vista como protagonista, agente social da história e dos processos de socialização. Esta passou, progressivamente, a ser vista como sujeito que é capaz de atribuir significados, sentidos as suas vivências, visto que é tida como capaz, dotada de inteligência, e de capacidade de participação. A sociologia da infância traz a criança para dentro da educação e se preocupa com seu universo, valoriza o ser criança e a infância.

A importância dessa mudança de concepção que supera com o ideal de criança passiva que apenas recebe os conhecimentos transmitidos pelo professor, detentor do poder, e traz para o centro da cena a criança ativa, potente é fundamental para repensar as práticas das escolas.

Segundo Sarmento (2009):

As crianças não sendo consideradas como seres sociais plenos, são percepcionadas como estando em vias de o ser, por efeito da ação adulta

sobre as novas gerações. O conceito de socialização constitui, mais do que um construto interpretativo da condição social da infância, o próprio fator da ocultação: se as crianças são o “ainda não”, o “em vias de ser”, não adquirem um estatuto ontológico social pleno – no sentido em que não são “verdadeiros” entes sociais completamente reconhecíveis em todas as suas características, interativos, racionais, dotados de vontade e com capacidade de opção entre valores distintos – nem se constituem, como um objeto epistemologicamente válido, na medida em que são sempre a expressão de uma relação de transição, incompletude e dependência (p. 20).

Tomando como base essa conceituação de criança e infância que a sociologia da infância traz a partir de diversos estudos e pesquisas, se faz necessário discutir acerca da pedagogia da infância.

Para Oliveira-Formosinho; Formosinho (2013) existe dois modos de fundamentais de fazer pedagogia – o modo da transmissão e o modo da participação. Os autores discutem que esses modos estão ancorados em perspectivas epistemológicas distintas, pois para a pedagogia da transmissão o centro são os conhecimentos que se busca transmitir e para a pedagogia da participação são os atores e o processo de construção de conhecimento propiciado através da participação destes.

O contraste entre esses dois modos principais de fazer pedagogia faz-se analisando: os objetivos que cada um se propõe; a imagem de criança que pressupõe; a imagem de professor que pressupõe; o processo de ensino- aprendizagem adotado; o espaço de aprendizagem criado; o tempo de aprendizagem vivido; as atividades e projetos desenvolvidos; as aprendizagens realizadas e documentadas (OLIVEIRA-FORMOSINHO; FORMOSINHO, p. 189, 2013).

Neste sentido, pensar a pedagogia da participação no cotidiano das instituições significa fazer rupturas com modelos tradicionais. Para a pedagogia da participação, as crianças têm muito a dizer sobre o mundo, suas experiências e pensamentos. Deste modo, constroem conhecimentos, formulam conceitos na interação com seus pares e os adultos, e participam ativamente da vida social e escolar.

Para Oliveira-Formosinho; Formosinho (2013):

A democracia está no centro das crenças, valores e princípios da pedagogia-em-participação. Assim, os centros de educação de infância deverão ser organizados para que a democracia seja, simultaneamente, um fim e um meio, isto é esteja presente tanto no âmbito das grandes finalidades educativas como no âmbito de um cotidiano participativo vivido por todos os atores (p. 192).

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Deste modo, a pedagogia da infância orientada por propostas pedagógicas embasados em pedagogias participativas representa um importante avanço na construção de novos modos de fazer educação infantil no cotidiano das instituições. Assim ao resgatar os objetivos deste estudo que tem como foco a qualidade da educação infantil analisada através interlocução com a gestão escolar na perspectiva democrática, encontramos a participação tanto como princípio da gestão escolar democrática como sustentando possibilidades de práticas educativas.

Todavia, a educação infantil centrada na criança ainda está distante das práticas sociais e de práticas educacionais, nas quais as instituições escolares contrariam/ignoram os avanços teóricos tornando a criança refém de concepções e práticas que limitam suas potencialidades.

CAPÍTULO III

A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES URGENTES