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Fonte: Dados da Pesquisa

A existência da participação das crianças por meio da interação é constatada durante vários momentos na sala. Um relato envolvendo as crianças é um exemplo corrente desse fato. Durante a realização de uma atividade, a criança fala para professora A:

J.A: Titia, na hora da saída você empresta aqueles lápis pra gente cantar duas músicas? (Dirigindo-se à professora A).

Professora A: Empresto. Vocês contem as atividades! (Eles estão envolvidos na organização das atividades escritas).

J.A: Eu vou logo abrir o jogo pra senhora. (Levanta da mesa e vem até onde estou). Eu vou escrever a música e mandar o CD limpo pra Cerro Corá. Me dê um papel (entrego uma folha da caderneta e ele escreve a “música” com rabiscos como se

fosse ondas). Diz dirigindo-se a dois colegas: “J.S e G.S. assine aqui (entregando o papel e o lápis). J.S. você vai tocar violão e vai preparar uma foto pra nossa, capa.

(Começa a cantar). Venha G.S. e J.S. para ensaiar. Eu vou ser o apresentador. (Diário de Campo – 19/10/2015)

Sendo a temática proposta pela criança a mesma referida por ela em momentos anteriores, nos chama atenção de modo semelhante, a sua atuação na atividade, a qual não é individual, envolvendo sempre a participação de outras crianças e, desta feita, sendo distribuídas tarefas, igualmente imaginárias, entre elas.

Deduzimos que a circunstância lúdica, envolvendo o faz de conta, por iniciativa da própria criança, embora parecendo não ter sido planejada intencionalmente com esse propósito, é articulada de um modo que valoriza a coletividade, e deste modo a interação com os pares.

De acordo com Formosinho (2013, p. 206), a concretização de uma pedagogia participativa acontece primordialmente a partir das relações e interações. As significações a esse respeito relacionadas às referidas interações, são também, palco de reflexão por parte da professora A, quando comenta, na entrevista, sobre os sentimentos que envolvem as relações entre as crianças:

[...] eles estão o tempo todo interagindo! Um se preocupa com outro e tudo isso tem na educação. Temos um espaço maravilhoso de trabalhar e eu penso que devemos continuar cultivando isso porque eu noto que, mais para frente, é como eles fossem perdendo esse cuidado, esse carinho que eles têm um pelo outro. É a questão da individualidade... temos que trabalhar muito o coletivo. É isso que eu vejo. Os maiores se preocupam com os menores. [...].

As suas exposições refletem atenção aos acontecimentos no que se referem às atitudes das crianças diante de seus pares, não perdendo de vista a ênfase ao papel e relevância que a escola tem nesse processo.

Ao se posicionar, sobre a ausência de cuidado com os colegas, os quais as crianças enfrentam “mais pra frente”, conforme sua afirmação, a professora A aponta aspectos que são definidores dos objetivos da Educação Infantil, neste caso a garantia à criança ao acesso à interação com outras crianças, conforme preconiza as DCNEI (BRASIL, 2009), que por motivos variados, vão sendo esquecidos na continuidade do processo de educação das crianças nas etapas posteriores.

A esse respeito, não de forma intencional, mas em consequência do discurso ora socializado, ela parece revelar pistas que sinalizam a necessidade de se desenvolver nos contextos escolares, um trabalho sistematizado ao tratar-se da natureza da participação coletiva.

Durante as observações, em meio à pesquisa, presenciamos fatos que evidenciam tal interação evidenciada nas atividades, o que nos leva a constatar que as crianças exercitam os seus direitos à participação no processo educativo, através das situações de comunicação e interação. Exemplo disso ocorre entre elas, ao destacarem/enfatizarem a ausência das demais crianças ou acolhendo os que chegam na sala, como uma demonstração de sua importância:

Algumas crianças já estão na sala. C.A. vai chegando e M.S. corre em sua direção, coloca a mão no seu ombro e a acompanha até cadeira.

(Diário de Campo –27/10/2015) Enquanto estava na mesa fazendo atividade, J.B. comenta: “Que pena que S.S. não veio”!

(Diário de Campo – 05/10/2015) José: Tô com saudade do meu compade J.B.! (diz sem demonstrar que fala pra alguém especificamente).

(Diário de Campo – 19/10/2015) S.S. olhando na porta da sala comenta: J.A nem chegou!

(Diário de Campo -20/10/2015)

J.B: Tia, nunca mais eu vi M.A. (Diário de Campo - 26/10/2015)

As falas das crianças, que ocorrem frequentemente em dias e ocasiões diferentes, e em consonância com as questões abordadas, indiciam não somente sua presença naquele espaço, mas sinalizam que o currículo vivido torna possível a experimentação de situações que, certamente, contribuem para que construam relações de cumplicidade e de amizade, ressaltadas nos modos como interagem/participam entre si. Conforme aponta Antunes (2007, p. 125),

sendo uma experiência que se aprende e que se ensina, a participação deve ter lugar na escola pela promoção da convivência democrática no seu cotidiano pois se aprende a participar, participando.

Todas as falas enunciadas expressam que as crianças estão atentas à presença umas das outras. E não só isso. Elas também parecem revelar seus

sentimentos quando demonstram expressões como: “Que pena”! e “Tô com

saudade!”.

Tais situações corroboram outros modos de interação entre as crianças quando na realização das atividades, elas destinam atenção e cuidados aos seus pares. Uma delas acontece quando a professora A pede a J.A. que guarde os brinquedos, ao que, de imediato, o colega R.S. que está do lado, e deve ter ouvido a sua orientação, pergunta pra ela se poderia ajudar o colega.

Outro caso semelhante também ocorreu envolvendo J.A. O mesmo faz um desenho e entrega à professora A expressando, pelo seu semblante, descontentamento com a sua própria ação, enfatizando que não sabia fazê-lo. O desenho estava marcado por riscos, sem forma. Ao ser enfatizada sua capacidade, pela professora, pedindo-o que faça com mais cuidado e entregando-o outra folha, logo os colegas que estavam sentados ao seu lado, ao fazer seus próprios desenhos, vão apresentando-os como se fosse um modelo pra que J.A. o imitasse.

Ressaltamos a maneira como a ajuda advinda das crianças parece ocorrer de forma espontânea, sendo delas próprias, a iniciativa em contribuir com aqueles que percebem estar necessitando. Há indícios, portanto, de que, não apenas podem participar realizando suas atividades, mas tem permissão e incentivo da professora A para colaborar também, na realização daquelas que competem aos seus pares.

Outro caso aconteceu, quando uma criança, demonstrando não saber fazer a atividade, aproxima-se de mim para pedir ajuda:

J.A: Titia, me diga as letras do meu nome! (Ele não sabe fazer completo). Pesquisadora: Pense e faça como você sabe!

J.A: Essas tias de hoje!!! (diz me olhando com ar de riso e sai). D.S. está do lado e parecendo ter ouvido a conversa, diz:

D.S: Vem J.A. que eu digo. (Pronuncia as letras do nome do colega, uma a uma, enquanto ele vai escrevendo).

(Diário de Campo – 22/10/2015) Analisando esses casos, bem como os demais, observamos que é como se elas estivessem cotidianamente atentas ao que acontece ao seu redor nos momentos vividos na sala. Reafirma isso, o fato de que, nas diversas ocasiões, não houve necessidade da professora A se posicionar ou solicitar ajuda para nenhum deles, ocorrendo tal situação somente a partir das suas próprias observações, conforme relatos apresentados.

Depreendemos ainda, que o contexto interativo resulta, não apenas em contribuições nas ações, mas abrange comentários como elogios ou opiniões acerca do que observam. Os comentários, enquanto estão envolvidos em atividades nas mesas, refletem isso:

Enquanto pintam as crianças olham e comentam as atividades dos outros: J.A: Você trabalha numa capricharia é? Tá caprichando! (diz pra um colega)

S.M: Não gostei (referindo-se ao desenho de D.S. (deduzo que é porque ele pintou o desenho todo com a cor marrom).

M.M: Os dois tão lindos (respondendo a D.S. que mostrou o desenho a ela). D.S: O seu tá mais lindo ainda!

M.S.: J.S. você tá estranho!

J.S. mostra a folha com o desenho, para ela.

M.S.: Né seu desenho não, J.S. É você que tá estranho!

(Diário de Campo – 26/10/2015) J.S.: Essas meninas quase todo dia pintam igual!

M.M: J.S, você tá pintando de uma cor?

M.S.: J.S. todo dia quer pintar de uma cor e todo borrado.

(A conversa gira em torno das cores pintadas. Parecem querer pinturas iguais às outras).

G.N: Olhe, o meu tá feio ou tá lindo? (pergunta para R.S.). R.S: Tá um pouquinho!

(Diário de Campo – 20/10/2015)

As falas das crianças envolvem muito mais do que opiniões sobre as tarefas observadas. Elas expressam a existência de atenção, parceria, coleguismo, desejo de fazer o outro se sentir bem, aspectos esses que diante de tantos relatos dos acontecimentos vividos, permeiam o cotidiano de trabalho desenvolvido diariamente. Desse modo, a participação nas interações parece fluir entre elas, possibilitando cumplicidade:

As crianças estão escrevendo os nomes nas tarefas escritas e conversando ao mesmo tempo.

J.A. dá um pirulito a G.S. e ele agradece, pega na mão do colega e diz: Amigos? José responde: Inimigos! (em tom de brincadeira).

Ainda com as mãos apertadas, G.S. diz: Tá ligado moleque!!! (expressando risos). J.S: Você é meu amigo! (diz pra J.B. e entrega um brinquedo para ele);

J.B: Quer que eu faça coisas engraçadas? (se aproximando de J.A. e jogando algo no ar);

J.A. Pega uma menina pela mão e dança.

Como todo ato participativo envolve relações entre pessoas e com isso, muitas vezes envolve posicionamentos e interesses que nem sempre são harmônicos, assim também ocorre no universo infantil. Nesse sentido, os dados da pesquisa também apontam os conflitos e discórdias existentes entre as crianças, uma vez que nessa fase estão começando a se estabelecer as relações sociais. Sobre isso, alguns casos acontecem nos momentos das atividades em sala:

D.S: Olha para a professora A e diz: Tia, J.M. fica só com os brinquedos! Professora A: Deixe J.M. brincar um pouco!

(Diário de Campo – 23/11/2015) Na sala, G.S. está com a bola e se dirige pra guardar. D.S quer pegar a bola também e G.S. não deixa.

J.S. pega o brinquedo dos blocos de madeira, vai até a mesa e logo depois começa a chorar.

Professora A: O que é J.S.?

J.S.: J.A derrubou minha torre (que tinha feito com blocos de madeira). Professora A: J.A., você ajuda a seu amigo? (se dirigindo a ele)

J.Á.: Táááá. Vou ajudar a construir. (vai ajudar ao colega).

(Diário de Campo – 05/10/2015) S.M: Tia, D.S. me beliscou! (diz em tom alto para professora A).

A Professora A se aproxima de D.S e conversa: D.S você não pode fazer isso com os colegas. Você não gosta que eles sejam seus amigos!? Então não fique arengando!

(Diário de Campo – 16/10/2015) G.S: Tia, terminei!

Professora A: Pois vá ajudar um colega! J.S. vá sentar com J.B., pois ele está sozinho.

J.S: É porque ele estava arengando!

(Diário de Campo – 16/10/2015) Na maior parte dos relatos, notamos aspectos comuns no que se refere aos fatos causadores das discórdias e parece que estes estão relacionados ao envolvimento das crianças nas situações lúdicas. Deduzimos que isto ocorre, uma vez que esses momentos possibilitam mais intensamente a participação entre elas, na coletividade, quando as ações exercidas envolvem alternância de objetos ou de papéis.

Nesse sentido, a mediação da professora A teria um papel muito mais reflexivo e formativo para as crianças, naquelas situações, caso houvesse mobilização e envolvimento de todas as crianças nas discussões sobre a problemática apresentada, uma vez que a participação cumpriria sua significação

mais alargada. Como enfatiza Formosinho (2013, p. 206), “desenvolver as interações, refletir acerca delas, pensá-las e reconstruí-las é um habitus que os profissionais que desenvolvem a Pedagogia da Participação necessitam desenvolver”.

Outros fatos semelhantes ocorrem também na sala, durante os momentos que estavam realizando atividades nas mesas, as quais nem sempre eram percebidas pela professora.

D.S: Não se fazem mais amigos como antigamente. Antes ele era meu amigo (falando na mesa sobre um colega que não identifiquei quem era). Nem me importo. Eu ia ligar meu boneco mas não vou ligar não.

(Diário de Campo – 19/10/2015) D.S: Ele não é seu amigo, é? (dizendo pra J.S com relação a D.S. quando este diz que vai jogar bola com o colega).

D.S: Eu sou né? (tocando no ombro e olhando pra J.S).

(Diário de Campo – 19/10/2015) M.S.: Deixa J.M, eu ver o livro?

J.M. não mostra e fica calado. [...]

J.M. mostra seu livro a G.S.. M.S.: Deixe J.M., eu ver o livro! S.S: Deixe J.M!

J.M não deixa. (Diário de Campo – 20/10/2015)

Nestes casos apresentados, um pouco diferenciado dos demais, destacamos o fato das crianças estarem envolvidas ou demonstrarem negociar a amizade dos próprios colegas, como se desejassem afirmar-se naquela relação. Mesmo que momentaneamente, elas têm, em tais situações, como expressar suas preferências no sentido das escolhas dos colegas, a partir das afinidades, afetos e outras motivações que são construídas durante o tempo em que estão juntas na escola.

Ao analisarmos as situações sobre o currículo da Educação Infantil, observamos que os espaços participativos viabilizados pela escola, não só no parque, mas também na sala, são indispensáveis para que as interações aconteçam de forma que as crianças estabeleçam e ampliem as relações com seus pares.

Um fato retratado ilustra essa compreensão quando uma criança pede para falar ao microfone (simbolizado por um pincel atômico):

J.A.: Eu quero dizer uma coisa a tia Cláudia. O CD dela tá quase gravado. Quando eu tiver um gravador eu gravo. Eu falo na música como se fosse uma viagem. Eu

tenho a fita. Só não tá gravado. Fui pra Cerro Corá. Tô compositando, escrevendo. [...]. Eu queria que os meus amigos fossem. Eu queria levar vocês. Vou fazer o show de 5h, à boquinha da noite. Eu assino a música, tudo no meu nome. (fica pensando...). Eu lembrei! Vou cantar um pedaço. G.S. você me ajuda? (canta um trecho de uma música). Eu quero que vocês se reúnam aqui igual a uma plateia (as crianças ficam perto dele e de G.S. e eles cantam). Valeu meu cantor. Você me ajuda! (diz tocando no ombro de G.S).

(Diário de Campo – 19/10/2015)

Dentre tantos aspectos relevantes nas expressões, nos chama atenção os trechos que acenam para importância dada à necessidade da colaboração dos demais colegas, pela criança protagonista da cena. Mesmo numa situação de faz de conta, ela poderia simplesmente dizer que iria gravar seu CD, sem necessariamente envolver ou almejar a presença das outras. Porém, ela reforça: “Eu queria que os

meus amigos fossem”; “eu queria levar vocês” e “eu quero que vocês se reúnam aqui, igual a uma plateia”. Ao destinar a sua fala, a criança não se esqueceu de

envolver, no seu projeto imaginário, os colegas que, possivelmente, seriam seus companheiros na gravação, tampouco as demais crianças da sala, embora no papel de plateia.

O seu interesse pela participação coletiva revela a demonstração da interação permanente com os seus pares, dando indícios de que, provavelmente, o cotidiano vivido na escola é permeado por práticas, como a rodinha, por exemplo, (dentre outras), que permitem e incentivam esse tipo de relação participativa.

A cena não representa fatos isolados na pesquisa, mas coaduna com outros que refletem a interação existente entre crianças e a professora A e, através das quais, se dá a participação no currículo vivido. Considerando os princípios básicos e políticos do Parecer do Conselho Nacional de Educação – CNE (BRASIL, 2009, p. 8),

A Educação Infantil deve trilhar o caminho de educar para a cidadania, analisando se suas práticas educativas de fato promovem a formação participativa e crítica das crianças e criam contextos que lhes permitem a expressão de sentimentos, idéias, questionamentos, comprometidos com a busca do bem estar coletivo e individual, com a preocupação com o outro e com a coletividade.

4.2.3 Opinando/interagindo nas situações coordenadas/mediadas pela professora