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3.2 O desafio da violência na sociedade brasileira

3.2.2 Criminalização da Juventude

No Brasil, considera-se jovem a população entre 15 e 29 anos. Essa faixa é subdividida em jovens-adolescentes, de 15 a 17 anos; jovem-jovem, de 18 a 24 anos e jovem-adulto, de 25 a 29 anos.

Na faixa etária dos jovens de 15 e 24 anos está o maior número dos atingidos pela violência letal – tanto como vítimas, tanto como agressores.

Podemos verificar que o controle penal da juventude é exercido ao longo da história brasileira. Criminalizar a criança e o jovem, como já abordamos anteriormente, é uma constante desde a catequese. De modo geral, a pobreza sempre esteve atrelada à periculosidade, legitimando o controle dessas camadas da população.

Notoriamente, verifica-se o aumento crescente dos homicídios contra a juventude e a expressiva quantidade de jovens que são encarcerados ou que cumprem medidas socioeducativas.

Paradoxalmente, o jovem aparece como um retrato projetivo da sociedade, simbolizando os dilemas contemporâneos, bem como esperança em relação às tendências sociais percebidas no presente.

Se são esperança por quê tantos são mortos? Que grau de intolerância é esse, em que se perde totalmente a possibilidade de aceitação do outro?

No cenário nacional, percebe-se que o jovem pertencente às classes menos favorecidas tem pouca oportunidade de integração ao mercado de trabalho, aspecto reforçado pela baixa ou precária escolaridade; são alvos mais fáceis para drogas, álcool e para infração. Certamente, a grande maioria entrará num ciclo de difícil ruptura.

Há uma questão social, estrutural que se coloca: vivemos em uma sociedade de desigualdades sociais. Contrariamente aos avanços tecnológicos, não avançamos na busca de uma sociedade mais integrada e igualitária. Quais os efeitos deste cenário nas subjetividades dos jovens, em sua conduta, quando, concretamente, há pouca ou nenhuma perspectiva de alterar seus destinos? Como ser parte integrante se não se pode consumir na velocidade e patamar que a sociedade valoriza?

Nesse contexto, os grupo – em especial, as gangues – auxiliam a ocupar um lugar de visibilidade. Para Feffermann (2006, p. 70),

a “exclusão social” ou inclusão marginal, a necessidade de ser reconhecido, o desejo de pertencer, a busca de realização das promessas da Indústria cultural, o fato de serem jovens e a necessidade de correrem riscos são alguns dos ingredientes que levam jovens urbanos a se integrarem no universo das gangues e do tráfico de drogas. Um universo associativo, ambíguo, cheio de refúgios e esconderijos, mas que nele só se pode realizar por meio de ações espetaculares.

Somada a essa questão, temos a presença do Estado nas periferias, principalmente pela via da repressão, expondo a associação entre pobreza e “classe perigosa”.

Exemplo recente disso tivemos no comentário do consultor de segurança pública Rodrigo Pimentel no telejornal RJ TV 1ª edição, de 18 de junho de 2013: “Fuzil deve ser utilizado em guerra, em operações policiais em comunidades e favelas. Não é uma arma para se utilizar em área urbana”. O comentário foi feito de forma natural, racional e equilibrada, e quando analisava a imagem de um policial militar atirando não para o alto com uma metralhadora, mas na direção de manifestantes que praticavam ações violentas em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Para Silva (2013), a observação demonstra o pensamento de parte significativa da sociedade, em especial dos governantes.

poderia ser utilizada numa cena urbana de protestos, mas na favela ou em situação de guerra, ilustra como o valor a vida na nossa cidade vai depender do território ou das pessoas das quais estamos falando. Afinal, o que define a diferença fundamental para o uso do Fuzil, quando estamos falando de cidadãos da mesma cidade – e, ressalte- se, no caso das favelas, temos cidadãos que não têm garantido o direito elementar no campo de segurança pública.

Cenários como esse favorecem um não-reconhecimento das leis como referenciais normativos e como meios legais de coerção, e mesmo da força ou legitimidade que deveriam ter.

Calligaris (1988, p. 61) contribui nessa reflexão afirmando que

membros de uma sociedade moderna – se forem excluídos de seus benefícios ou mesmo do sentimento de pertencer a sua comunidade – não tem como reconhecer a autoridade de uma lei que, na representação moderna, é fundada justamente no consentimento da comunidade da qual eles permanecem excluídos.

O processo de exclusão se acentua ainda mais, pois o transgressor, por não poder reconhecer a lei de uma comunidade da qual se sente excluído, encontra-se ainda mais excluído pela resposta repressiva. Como reconhecer uma autoridade fundada na comunidade da qual eles se sentem excluídos?

Calligaris (1988, p. 62) afirma: tais jovens não reconhecem a lei,

qualquer indicação de sua efetiva e/ou mesmo eventual exclusão da comunidade implicaria automaticamente uma crise da autoridade da lei; se eles não fazem parte ou são ameaçados de não fazer parte da comunidade, a lei – segundo a representação moderna, que seria para eles a única – não tem autoridade para eles.

Essa exclusão não se dá unicamente pela privação econômica: são sujeitos tutelados na história da infância na modernidade. Ao sujeito que não se reconhece na lei, exige-se a observância da lei. Como não se dá o reconhecimento simbólico nas duas vias, a instância da lei se faz valer pela força bruta. Sentindo-se discriminados, excluídos, reafirmam o obstáculo e o medo que a sociedade têm ao enfrentar o diferente, e todos os mecanismos sociais e culturais para transformar o outro em desigual. Às situações de desprezo e humilhação respondem com violência física ou com situações que, aos olhos da sociedade, afirmam ainda mais a responsabilidade

destes pela violência. Sem reflexão, atuam na mesma lógica que os discrimina: classificam, rotulam, estereotipam.

Traremos, para enriquecer exemplos atualizados desse cenário, os relatos da publicação Vozes (2012), realizado pela Associação Terre des Hommes em parceria com a ABMP – Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensoria Pública da Infância e Adolescência. A pesquisa relata as opiniões e concepções dos adolescentes envolvidos em atos infracionais, focando no atendimento recebido no Sistema Socioeducativo, desde a abordagem inicial até o levantamento de possibilidades de integração social. Englobou 180 adolescentes, entre 15 e 17 anos, sendo 160 do sexo masculino e 20 do sexo masculino, de várias regiões do país.

Seguem alguns relatos sobre justiça e infração.

Eu acho que a justiça não existe no Brasil. As autoridades cometem erros e nunca são punidas, enquanto nós, basta uma briga para sermos perseguidos por quem manda. (Luiz, 15 anos)

Justiça se faz com as próprias mãos, porque a polícia não faz. É arriscado a pessoa morrer e a polícia não fazer nada. (Luís, 17 anos) Justiça é algo muito legal. É quando nós temos o que merecemos, sempre sonhei em uma sociedade justa, onde todo mundo pode ter onde morar, o que comer, o que vestir e quem de carinho. Com a justiça existindo, não existiria tanta violência e eu não estaria aqui. (Marcos, 17 anos)

Justiça no Brasil é quando quem rouba galinha tá preso e quando rico mata tá solto. (Ana, 18 anos)

A justiça ás vezes nem é certa... A justiça prende e esquece da gente...a gente se sente jogado, por isso a gente fica rebelde. (João Maria, 15 anos)

A justiça no Brasil é podre. Podre de quem beneficia rico... Pobre é pra sofrer sempre, se queremos seguir uma vida certinha, não temos dinheiro nem pra comprar comida. Se queremos ter dinheiro mais fácil, e muito, com a “massa” e a “pedra”, a gente é errado, preso, levamos surra e ficamos nessa prisão. (Janaína, 17 anos)

Infração é quando nós vendemos droga pra ganhar dinheiro pra dar à família, infração é quando nós batemos pra nos defender dos que mandam na boca, mesmo se defendendo, nós já somos infratores. Até pelo jeito de nos vestirmos. (Eduardo, 15 anos)

Quando fui flagrado, os policiais me levaram e me deram um monte de “porrada”, depois me entregaram no Conselho tutelar, onde a mulher me deu um monte de sermão, depois fui pro juiz e pro promotor,

que também me deram um monte de sermão, sempre tinha adulto perto de mim, me dando um monte de sermão. (Bruno, 15 anos)