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3.2 O desafio da violência na sociedade brasileira

3.2.1 Violência e crime

complexa rede de poderes diversificados permite a existência de jogos heterônomos entre diferentes pessoas, grupos e classes sociais; jogos que atravessam os mais diferentes contextos. No Brasil, a ampla disseminação dos micropoderes faz de todos sujeitos potencialmente dominantes e dominados, agressores e vítimas, mandantes e subordinados. (FEFFERMANN, 2006, p. 38).

Essa situação cristaliza o poder na “relação de força entre as partes” (p. 39), fomentando um conflito contínuo entre o mundo da legalidade e o mundo das relações.

3.2.1 Violência e crime

Faz parte da responsabilidade do Estado reprimir a violência. Esta deve ser coibida pela polícia e não por ela praticada sob o pretexto de reprimi-la. Cabe lembrar o respeito à dignidade humana, bem defendido na Constituição Federal Brasileira.

A moralidade institucional, em especial da polícia, também é um fator criador de violência e criminalidade. Nossa sociedade legitima as práticas violentas nos presídios e no trato com infratores penais, de forma bastante velada pela omissão diante de maus tratos.

O sistema prisional é degradante, funcionando como uma sepultura de mortos- vivos que, ao saírem, poucos avanços tiveram nas condições de estabelecer bons vínculos para o convívio social. Embora a sociedade legitime a segregação como uma forma de lidar com a violência, camuflamos nossa realidade, afirmando que nosso sistema prisional é uma solução para o criminoso. Não resgatar os infratores revela uma falta de compromisso com as gerações futuras, pois qual o legado social que está sendo formado?

Um breve histórico da população carcerária no Brasil evidencia índices crescentes a cada ano. Segundo dados do Infopen – Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, a população carcerária no Brasil é formada basicamente por jovens, pobres, homens, e com baixo nível de escolaridade. Os dados sobre o sistema prisional indicam que mais da metade dos presos tem menos de trinta anos, 95% são pobres, 93,88% são do sexo masculino e dois terços não completam o primeiro grau, sendo analfabetos cerca de 7,22%.

Os números demonstram que a faixa etária de 18 a 24 anos é a que apresenta o maior número de pessoas encarceradas no Brasil, representando por volta de 30% do total de presos no país.

Em dezembro/2012, segundo o órgão, havia um total de 548.003 presos no sistema e na polícia. Um aumento de 140% em relação a dezembro/2001, quando havia um total de 233.859 presos.

Aspecto importante a ser ressaltado refere-se ao déficit de vagas: em 2001 o déficit era de 62493 e, em 2012, de 310.243. Isso denuncia a falta de investimento e condições de realização de um trabalho socioeducativo com resultados positivos.

O quadro seguinte ilustra o crescimento da população carcerária:

QUADRO 2 – Total geral de presos no sistema e na polícia

Ano Total geral de presos no sistema e na polícia 2001 233.859 2002 239.345 2003 308.304 2004 336.358 2005 361.402 2006 401.236 2007 422.373 2008 451.429 2009 473.626 2010 496.251 2011 514.582 2012 548.003 Fonte:Portal.mj.gov.br/sistemaprisional/ ifopen. Acesso em: 21 nov. 2013.

As informações acima são fornecidas pelos órgãos estaduais responsáveis pelo sistema prisional nos estados.

Em relação aos índices de reincidência, não há dados oficiais; estima-se em torno de 70%. Em setembro de 2013, o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, através da chamada pública 105/2013, lançou edital de consultoria para execução do projeto “Estudos em Segurança Pública e Sistema de Justiça Criminal/reincidência e Itinerário Criminais no Brasil”, no qual se objetiva obter dados

que subsidiem as ações do Ministério da Justiça4. Nessa temática, as ações ainda

são tímidas e, mesmo quando são levantados os problemas, há carência de ações eficazes de enfrentamento.

Segundo Levisky (2010), vivemos numa sociedade que “aparenta ser livre”, mas que novos tipos de aprisionamento resultantes “do imobilismo, da velocidade das mudanças e do consumismo” estão muito presentes.

Complementa Levisky:

[...] Há um tipo de violência social que gera o excluído e que dele quer se afastar e se isentar de responsabilidades atribuindo-lhe a condição de objeto pernicioso. Essa mesma sociedade que exclui, nega a consciência de que é também, parcialmente, corresponsável nas condições geradoras de exclusão e formação do elemento criminal [...] (LEVISKY, 2010, p. 11).

As reflexões do autor são corroboradas por Ramalho (2008, p. 12),

as características da delinquência e os indícios de crime estão relacionados às características e aos indícios da pobreza. Basta ler os jornais, ouvir rádio ou ver televisão, para perceber uma evidente ligação entre o crime e os grupos sociais mais pobres, em geral componentes da classe trabalhadora. O modo de identificar o delinquente está sempre mais referido a aspectos próprios das pessoas enquanto membros desses grupos sociais do que a evidência de delitos cometidos por eles. Na verdade, o reconhecimento do crime está essencialmente no fato de estar desempregado, morar na favela, ser umbandista, ou ser analfabeto. São esses os indícios explicitamente admitidos pela sociedade para a identificação do criminoso. A delinquência é, portanto, reconhecida através dos grupos sociais mais pobres.

Neste contexto, a inclusão no mundo do trabalho adquire significativa importância na medida em que aparece ligado à ideia de recuperação. A matéria publicada no o Jornal Valor Econômico em 05 de setembro 2011 traz dados alarmantes sobre o índice de reincidência criminal brasileiro e exemplifica o entendimento de Ramalho e Levisky.

Segundo a matéria, sete em cada dez presos que deixam o sistema penitenciário voltam ao crime – uma das maiores taxas de reincidência do mundo,

4Fonte: www.ipea.gov.br.

segundo o ministro Cezar Peluzo, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à época da publicação.

Na ocasião, foi assinada a renovação de parceria entre o CNJ e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) dentro do programa Começar de Novo, que prevê a criação de vagas para detentos e ex-detentos no mercado de trabalho e em cursos profissionalizantes.

Luciano Losekann, então juiz auxiliar da presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Setor Carcerário, afirma que

nem todos [os presos] estão aptos ao trabalho. Dentro deste cenário, temos um quadro muito pequeno de presos trabalhando. Menos de 14% dos 500 mil presos [existentes no país] trabalham, e menos de 8% estudam. Podemos ver por aí que temos um desafio enorme pela frente no sentido de qualificar esta população e quebrar este ciclo de criminalidade que vem sendo gerado ao longo do tempo.5

Segundo Losekann6, a maior dificuldade para inserir os presos no mercado de

trabalho é a falta de qualificação e estudo.

Por não ter qualificação e estudo suficiente, a primeira barreira para o preso é justamente conseguir um tipo de qualificação que seja compatível com seu grau de instrução. Então é necessário treiná-lo, capacitá-lo e educá-lo durante o período de prisão, para tentar fazer com que esse sujeito chegue em um estágio no qual seja possível ele ter alguma forma de emprego, de sustento e de renda.

A noção de recuperação leva, por um lado, à lógica do livre arbítrio, da “força de vontade”, do “esforço pessoal”.

Em sua pesquisa realizada com os detentos da Casa de Detenção (RAMALHO, 2008), o autor relata que, ao falarem sobre determinadas instituições como a polícia, o sistema judiciário, o governo, os detentos os percebem como mantenedores e fomentadores – em especial os policiais – de sua condição de delinquência, no mundo do crime. Também referem-se ao sistema como tendo a função de reprodução social da delinquência: “[...] não tem necessidade de acabar o crime, eu acho que não tem, porque se acabar o crime vai acabar uma indústria muito grande. (de um preso da Casa de Detenção de SP)” (LOSEKANN, 2008, p. 2).

5 VALOR ECONÔMICO, 2011. 6 Idem.

Nesta questão, desponta como pano de fundo um quadro de desigualdades e injustiças sociais que historicamente se destacam na sociedade brasileira. O Brasil é, reconhecidamente, um país marcado por muitas contradições e profundas desigualdades sociais, reflexo primeiro da forte concentração de renda que caracteriza sua economia. Dados recentes, divulgados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH), da Presidência da República, mostram que, na atualidade, 1% da população mais rica do país detém 13,5% da renda nacional, enquanto que os 50% mais pobres detém somente 14,4%. No seu Atlas da exclusão social, Pochmann et al. (2004) mostram que, apesar de encontrar-se entre os principais produtores mundiais, com elevada exportação de alimentos e extensa área agricultável sem atividade, o Brasil mantém um terço de sua população na pobreza absoluta e esfomeada, quase 20% de sua força de trabalho sem ocupação, além de baixos níveis de escolaridade e grau de violência próximo ao de uma guerra civil.