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3 AS POLÍTICAS CRIMINAIS BRASILEIRAS CONTEMPORÂNEAS E A CRIAÇÃO DE UM ESTADO DE EXCEÇÃO

4 O RESGATE DO DISCURSO DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA A CONTRUÇÃO DE UM MODELO DE CONTROLE

4.1. A criminologia crítica e o (des)velamento da seletividade punitiva: a contribuição de Alessandro Baratta

“Em certo sentido, a direita tem razão quando se identifica com a tranquilidade e com a ordem. A ordem é a diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem - a tranquilidade de que a injustiça siga sendo injusta e a fome faminta.”

A seletividade punitiva depende do cenário para a possibilidade de execução, tendo em vista que o direito é condicionado pela realidade do meio, e que, nestes moldes, os interesses são legitimados através de estratégias artificiais embasadas pelo autoritarismo estatal, segregando corpos por intermédio de comandos de extermínio de inimigos pré-determinados no âmbito social, sustentados pela coerência programática (e justificada!) de dominação do outro para o acúmulo de capital de uma classe burguesa. Este inimigo foi ampliado no Brasil para a raça negra, mas este ponto será objeto de compreensão adiante.

Aqui, nos interessa tecer comentários acerca da Criminologia crítica em relação à seletividade punitiva, considerando, inicialmente, que “a complacência, indiferença ou mesmo o aplauso para com rotinas policiais de aterrorização e extermínio sinaliza para a incorporação desses instrumentos por parte da política social desenvolvida – por mais que indagações oportunistas ou sacrifício periódico de bodes expiatórios.” (BATISTA, 1998, p. 76).

Todavia, o estudo adianta-se na parte da Criminologia Crítica, pois manifesta a carência exploratória no tocante à evolução da análise de condutas, propriamente ditas, como criminosas – e o (des)velamento da seletividade punitiva compreende a amplitude dos fundamentos. Assim, primeiramente, vislumbram-se as teorias que fundamentam o delito, para então, apreciar a Criminologia Crítica introduzida por Alessandro Baratta (2004), em sua obra “Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia jurídico-penal”.

A Criminologia Crítica marca essa mudança paradigmática da criminologia a partir da década de 1960, que deslocou o foco de análise do fenômeno criminal, do sujeito criminalizado para o sistema penal, os processos de criminalização e o sistema de reação social ao desvio. A criminologia tradicional preocupava-se com as causas do crime, com a pessoa do criminoso e com os fatores sociais que levavam ao crime. Era uma visão limitada, que enxergava no criminoso e em seu meio social as causas da criminalidade. A Criminologia Crítica, por sua vez, empreenderá um olhar para além das causas individuais do crime. (SANTOS, 2015, s/p.)

No desenvolvimento do controle social, vários foram os métodos propostos para que, a partir do Estado e suas políticas, o equilíbrio fosse efetivado na sociedade - entre metas e meios artificiais, as aspirações que o sistema promove, formalmente, consistem na “mecanicidade”37

dos corpos (ANITUA, 2015). A coerência existente calcada está na estrutura social e na cultura

37 Para Anitua (2015, p. 477) o modelo do “ritualismo” reflete um respeito formal aos meios culturais legítimos,

mas uma recusa ou um desinteresse acerca das metas culturais. Então, será um comportamento desviado, ainda que não se evidencie exteriormente nem produza problemas sociais. Assim, há a reprodução dos problemas, tendo em vista que os comportamentos legitimam as aspirações que o sistema promove, mas, que, não pretendem de fato alcança-las. Pois o que é socialmente imposto induz à esta “mecanicidade”, o modelo corresponde à negação de vontades e sujeição aos valores externalizados pelo Estado.

do povo, tendo em vista que, divergências entre as estratégias de domínio não geram as esperadas anomias.

Deste modo, os critérios defendidos pela Criminologia-sociólogica do desvio remetem à uma inversão, quando a teoria acerca da patologia em relação à criminalidade não sustenta as causas para o cometimento do delito. A problemática reconhece

todo o comportamento como ‘normal’ dentro de determinada estrutura social. Se a quantidade de comportamentos desviados supera um número razoável – que também é considerado normal – é provável que se deva a um problema de anomia social, a uma incompatibilidade entre os meios e os objetivos culturais que a própria estrutura gera. (ANITUA, 2015, p. 447)

Por conseguinte, Anitua (2015) destaca o modelo de sociedade baseado no jogo de “capitalismo com regras”, considerando a base ideológica do bem-estar proporcionado por intermédio da atuação do Estado. Em todo o caso, as Criminologias pós Segunda Guerra Mundial consolidam uma nova fase, para além da expansão da economia, na tentativa de salvar um capitalismo declinante do status pós guerra, esboçando um molde acentuado na exclusão daqueles que seriam marcados como inimigos.

Contrariamente à promoção da inclusão social, o intervencionismo público baseado em iniciativas no âmbito de reformas agrárias, obras públicas e liberdades sindicais garante ao poder maior estabilidade – obviamente que o discurso excludente adentrava na esfera penal, de modo repreensivo. Acentua-se que neste período, a Criminologia compromete-se com a análise das duas faces que o pensamento sociológico exibia:

Por um lado, a sociologia funcionalista, para trazer grandes explicações que incluíam o material e o jurídico na base sistêmica da sociedade. Por outro, uma sociologia empírica, para as políticas concretas de transformação do ambiente em mãos do ‘príncipe’ indiscutível, do verdadeiro possuidor da soberania que seria a forma-Estado bem-sucedida, embora só momentaneamente. Seria então produzido, embrionariamente, um princípio de disciplina ‘comum’ aos diferentes países ocidentais sobre a questão criminal e sobre as questões sociais em geral. (ANITUA, 2015, p. 487)

O novo pensamento fornecia justificativas à forma estatal dos compromissos e usufruía das políticas públicas, pois implementava programas e, de modo controverso, avaliava os resultados destes - não havia dependência às instituições governamentais, policiais e/ou penitenciárias. Todavia, era necessário ampliar a análise do delito, baseada nos fatores culturais e sociais e avançando no tocante ao funcionamento do próprio programa institucionalizado pelo Estado. Adentra-se aqui na esfera judicial, penal e policial, da qual a Criminologia positivista não dava conta, tampouco a Criminologia sociológica.

Buscava-se, então, pela adequação de valores diferentes que não interrompessem os motivos de utilidade econômica (ANITUA, 2015). Neste ínterim,

havia diferenças significativas em casa país. Porém, não é menos acertado que os pensamentos criminológicos mais informados não podiam postular soluções diferentes à do marco liberal ou social-democrata do Estado do bem-estar. E que, no concretamente investigativo, as contribuições positivistas originais se amalgamariam com o naturalismo jornalístico de denúncia, o funcionalismo e as teorias subculturais38

e da anomia. Assim, seriam produzidas uma teoria criminológica e uma prática investigativa para justificar as aplicações concretas do welfare como solução para o problema da ordem nas sociedades industriais. (ANITUA, 2015, p. 559)

Outrossim, a constatação de que o modelo de bem-estar tornava-se possível apenas se consubstanciado no consumo e nas novidades técnicas, ou seja, pela exploração e restrição das liberdades dos “outros”, impulsiona a revolta de grupos minoritários – a reação contrária ao contexto político-social estatal sustenta-se na opinião de minorias étnicas, negros, mulheres e religiosos de práticas espirituais diversas ao catolicismo. A base enfrenta a recusa à sociedade repressora e exploradora, quando os contingentes submersos nessa sociedade opulenta, as grandes minorias marginalizadas, mostram que há ganhadores e perdedores nesta sistemática (ANITUA, 2015). Acerca da teoria das subculturas criminais, Alessandro Baratta (2004, p. 75) sustenta que há um sistema de valores invertidos

difundidos na sociedade respeitosa à lei e, portanto, ‘respeitável’. Aplicada à delinquência juvenil, essa teoria leva a considerá-la como uma forma de comportamento baseada em normas e valores diferentes daqueles que caracterizam a ordem constituída, e especialmente a classe média, e em oposição a eles, a maneira como o comportamento conforme a lei é baseada na adesão a esses valores e essas normas. Mas essa oposição aos sistemas e normas de valores nem sempre é dada, já que o mundo dos criminosos não está claramente separado, mas sim inserido, ele também, na sociedade, e também criminosos geralmente estão sujeitos a mecanismos de socialização que eles não são tão específicos e exclusivos.

Concernente ao exposto, há imposições específicas de justificação e/ou racionalização do próprio comportamento: o delinquente atua através do comportamento desviante quando enfrenta os valores e normas sociais delineados pela ordem estatal, e, neste sentido, a ação dita como criminosa sustenta uma controversa neutralização da eficácia do controle social sobre as próprias motivações do comportamento. Essas técnicas de neutralização podem ser entendidas

38 Anitua (2015) expõe que o conceito de “cultura” provém da tradição funcionalista, evidenciando um conjunto

de costumes, códigos morais e jurídicos de conduta, crenças, preconceitos e afins, pelos quais as pessoas compartilham e aprendem através do convívio social. Para Anitua (2015), os teóricos positivistas acreditavam que dentro da cultura existem subgrupos, que identificam-se com a ideia de modo geral, mas, que, distinguem-se dela em pontos fundamentais. Assim, a subcultura ressalta as características divergentes da cultura em geral. Na subcultura criminosa as condutas desvalorizadas pela cultura jurídica e moral são legitimadas na produção do delito (ANITUA, 2015, 498).

como um componente do comportamento desviante, pois integram a justificação da conduta ao intentar de modo excepcional contra os valores dominantes do sistema.

Diante disso, Baratta (2004, p. 79) argumenta “que essas justificativas para comportamentos desviantes são aceitas de preferência por segmentos da sociedade em que uma divergência entre ideais comuns e prática social é evidente”. Outrossim, a partir de conceitos de desvantagem e domínio, o autor indica diferenças no tocante às oportunidades no ambiente social, uma vez que os recursos e o acesso a estes conectados estão com a questão do capital. Assim, o conflito cultural adequa-se ao ambiente, externalizando indicações proferidas pelo comando, através de uma ordem que atribui ou não significados aos atos, determinando-os como condutadas criminosas.

Entretanto, não há somente essa imposição cultural diante da posição que o sujeito toma na estratificação social na estigmatização subcultural. Tecendo comentários acerca da teoria das subculturas criminosas e de técnicas de neutralização, observa-se que o paradigma etiológico de tais teorias subculturais e suas ramificações “herdam” carcaterísticas das teorias estrutural-funcionalistas. Nesta esfera, os grupos de teorias embasam um modelo explicativo, que, analisa de forma crítica a metodologa criminal dos comportamentos examinados, mas não se afastam dos instrumentos explicativos adotados pela teoria positivista. Sistematicamente, a teoria funcionalista e a teoria das subculturas tornam-se incompletas para a amplitude do crime, tendo em vista que não abrangem o problema das relações sociais e econômicas – inseridas por intermédio da normativa e dos mecanismos artificiais de criminalização e estigmatização (pré)definidos pela Política Criminal (BARATTA, 2004).

Em vista do que foi referido, dentre as técnicas de mediações entre o controle de grupos e o poder do Estado, Baratta (2004, p. 80) enfatiza

a correlação entre crime e estratificação social e, portanto, entre crime e mecanismos de distribuição de oportunidades sociais e riqueza através de processos de socialização condicionados por esses mecanismos, certamente respondendo à linha de análise unitária. Se, por outro lado, se desenvolve de forma eficaz, poderia levar a uma individualização do significado das formas de desvio e, ao mesmo tempo, da função real dos processos de criminalização na sociedade capitalista avançada.

Notório que todo este enfrentamento não revela as causas da criminalidade, ainda que a teoria das subculturas tem o mérito norteador de uma linha de análise, eis que sugere uma maior reflexão acerca das condições econômicas do crime. Com efeito, esta teoria individualiza-se nos mecanismos de socialização e reação, relacionando a atitude de grupos com os fatores econômico-estruturais (como distribuição de riqueza e oportunidades sociais na escala da estratificação por classe) e com o comportamento subjetivo individual (BARATTA,

2004). Entretanto, para desenvolver a Criminologia Crítica, imprescindível destacar que as diferenças examinadas anteriormente, no âmbito das teorias e de seus enlaces, observam a relação entre a conduta determinada como crime e os valores próprios da ideologia penal da defesa social.

Segundo Baratta (2004, p. 83) “essas teorias enfatizam as características particulares que distinguem os defeitos de socialização e socialização aos quais muitos indivíduos que se tornam delinquentes estão expostos”. Ainda, mostram que tal exposição não reside na disponibilidade do indivíduo, mas calcadas na diferenciação de contatos sociais e participação em subculturas. Utilizam-se da “influência na socialização do indivíduo de acordo com o conteúdo específico dos valores (positivos ou negativos), das normas e técnicas que os caracterizam, dos fenômenos de estratificação, desorganização e conflito ligados a a estrutura social.” (BARATTA, 2004, p. 83). Estruturam-se, nesta perspectiva, teorias superficialmente firmadas “na adesão a valores, normas e definições e o uso de técnicas que motivam e tornam possível um comportamento ‘criminoso’ não são fenômenos diferentes dos encontrados no caso de comportamento de acordo com a lei.” (BARATTA, 2004, p. 83).

Além disso, as reações sociais e a teoria do comportamento desviado dão enfoque ao etiquetamento nos anos 1960, pelo viés de pensar e/ou estudar a reação consoante a ação determinada, momento no qual a influência da fenomenologia e do interacionismo dão lugar para métodos que analisem as chamadas aplicações de etiquetamento (ANITUA, 2015). Vem ao encontro do exposto o posicionamento de Anitua (2015), ao referir que a partir do labeling approach39 deixaria-se de perguntar quem é o criminoso, passando a questionar: quem é considerado desviado?

Outrossim, o “objeto de estudo da criminologia deixará desde então de ser o ‘delinquente’ e começará a ser as instâncias que ‘criam’ e ‘adminsitram’ a delinquência. O estudo da criminalidade cederá a vez aos estudos dos processos de criminalização” (ANITUA, 2015, p. 588). Neste contexto, analisa-se a praticidade da criminalização de corpos, definindo- os como delitivos ou desviados conforme a reação social diante de tal conduta. O caráter

39 Nas palavras de Andrade (1995): O labelling approach é designado na literatura, alternativa e sinonimamente,

por enfoque (perspectiva ou teoria) do interacionismo simbólico, etiquetamento, rotulação ou ainda por paradigma da ‘reação social’ (social reation approach), do ‘controle’ ou da ‘definição’. Ele surge nos Estados Unidos da América em finais da década de 50 e inícios da década de 60 com os trabalhos de autores como H. Garfinkel, E. Gofmann, K. Ericson, A. Cicourel, H. Becker, E. Schur, T. Scheff, Lemert, Kitsuse entre outros, pertencentes à ‘Nova Escola de Chicago’ com o questionamento do paradigma funcional até o momento dominante dentro da Sociologia norte-americana. Considera-se H. Becker, sobretudo através de seu já clássico Outsiders (publicado em 1963) o fundador deste paradigma criminológico. E na verdade, Outsiders persiste ainda como a obra central do labelling, a primeira onde esta nova perspectiva aparece consolidada e sistematizada e onde se encontra definitivamente formulada a sua tese central (ANDRADE, 1995, p. 27).

repreensivo esteve presente neste processo de criminalização e estigmatização de classes. Salienta-se que o início da “carreira” criminosa relacionado está com a dramatização do mal, tendo em vista que a prisão, a detenção e o julgamento são características examinadas no enfoque do etiquetamento. A rotulação de determinadas condutas “atribui certas características ao indivíduo, que será por elas expulso da sociedade honrada e recebido pela delinquencial, já que só entre outros delinquentes pode encontrar o afeto, reconhecimento, aceitação e até prestígio” (ANITUA, 2015, p. 589).

Nesta perspectiva, o indivíduo adapta-se ao delito, familiarizando-se com tais condutas e aceitando-o de forma naturalizada no íntimo. Essa severidade imposta às condutas transcende ao sentimento de guerra, constantando uma espécie de psicose ao versar sobre o endurecimento do delinquente diante do confronto acirrado com as instituições penais – uma luta entre a conservação da vida social e a liberdade individual. Descrever este pensamento de forma a consubstanciar carreiras criminosas, esta foi a face do labeling, que comprovaria a doutrina educacional de certos indivíduos para a mencionada criminalidade (ANITUA, 2015). Referindo-se aos jovens, a partir de uma ação considerada como delitiva (ainda que este não possua conhecimento da gravidade), o etiquetamento pune o indivíduo e designa-o como o mau disposto anteriormente que ele é. Essa lógica, converte-se em assujeitamento dos delinquentes a uma categoria considerada como uma “erva daninha” para o bem-estar social. Delimitam-se condutas, rotulando-as consoante o comportamento tido como desviado. Oriundo desta sistemática, o desvio poderá ser primário ou secundário, tendo em vista que

em primeiro lugar, aparece o ‘desvio primário’, que é ocasionado por uma variedade de motivos subjetivos e que só terá importância decisiva se a esse desvio tiver lugar, em seguida, um ‘desvio secudnário’. Dessa maneira, a sociologia do desvio começava a conferir atenção privilegiada às reações sociais, que, por sua vez, seriam configurantes de um tipo de comportamento estável. (ANITUA, 2015, p. 590)

Seria o começo de uma rotulação simbólica, cuja sustentação cria esta identidade desviada, baseada no ato contrário a lei penal, mas calcado em objetivações sociais, culturais e psicológicas. Outrossim, o desvio secundário ocorre como resposta à punição do primeiro ato, quando o castigo imposto por intermédio da reação social cumpre um dos elementos para o rito de direcionamento do estigma, finalizando esta logicidade simbólica com o status de desviado (ANITUA, 2015).

Lola Aniyar de Castro (1983) destaca as condutas impostas ao sujeito como delitivas, no entorno da Criminologia do desvio, da Reação Social, e, posteriormente, da Criminologia Crítica. Inicialmente, pressupõe que “o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa realiza,

mas sim uma conseqüência de que outros apliquem regras e sanções a um transgressor. O desviante é alguém a quem foi aplicado este rótulo com êxito; o comportamento desviante é a conduta que a gente rotula desse modo” (CASTRO, 1983, p. 80). E ainda, o desvio percebe o grau em que os demais reagem diante do seu ato, sua extensão e quem se sentiu lesado com tal conduta, sistema pelo qual a vítima determina a intensidade da reação.

Verifica-se, portanto, que não há homogeneidade nas pessoas catalogadas como desviantes, tendo em vista que os atos determinados como crime passam por um processo falho, de cunho social, eis que são classificados consoante a vitimização externa – nesta categorarização é comum a sinalização de todo um grupo, no qual nem todos os que foram classificados como desviantes cometem condutas criminosas, ou seja, a categoria não contém todos os que transgridem tal regra. De fato, a teoria do desvio sinaliza os indivíduos por uma condição de “inimigo”, pelo viés da marginalização, quando se impõe às pessoas daquele grupo a feição comum do desviante, do chamado outsider, qual seja: o rótulo correspondente do desvio – “uma transação que tem lugar entre o grupo social e a pessoa que é encarada por esse grupo como transgressor [...] Marginais (outsiders), no entanto, são também os do grupo majoritário em relação a quem foi catalogado ou etiquetado” (CASTRO, 1983, p. 81).

Assim, o ponto de vista é variável, quando subsiste o estigma do delinquente, imposto pela sociedade, pelos mestres, pelos trabalhadores sociais, pela polícia, pelo Estado, por aqueles que incriminam as condutam dos indivíduos de classe baixa, que lutam por seu território, pela área em que atuam, estão fazendo o que consideram necessário e correto para a sobrevivência – portanto, há uma subjugação de corpos na imposição às regras (CASTRO, 1983). O Sistema Penal foi composto por estes processos de estigmatizações, no qual o etiquetamento fez parte da marginalização de corpos, dirigindo a atividade Estatal e social:

Ao se reduzirem as ambigüidades pelo processo unitário de identificação que representa a colocação de uma etiqueta, também a audiência social se encontra em um corredor que a dirige para uma conduta reativa, enérgica e solidária. A comunidade se une ao ter uma apreciação que é comum a todos os integrantes e por isso se mobiliza para atuar. As etiquetas homossexual, doente mental, ex-condenado e viciado em drogas, por exemplo, incitam e mobilizam a energia pública. Por isso se diz que a etiqueta é uma profecia auto-realizável. [...] As etiquetas produzem subculturas: As pessoas etiquetadas como estranhas ao grupo, por uma necessidade profunda de ordem psicológica de serem aceitas, estimadas, de ter um grupo de referência que lhes dê apoio moral procurarão fazer contato com outras pessoas em condições semelhantes. Formam-se desse modo, grupos subculturais de ressentidos e de iguais (pois neles o indivíduo já não é mais um estranho), nos quais, como reforço, desenvolver-se-á uma ideologia que racionalize e justifique enfaticamente o comportamento desviante. (CASTRO, 1983, p. 99-100)

Neste passo, o processo de criminalização do desvio secundário persiste em relação às condutas, mas numa esfera “macro” do ponto de vista classista, considerando que fecunda vertente de caráter diferencial social. Logo, Castro (1983, p. 110) sustenta que “a criminalidade não é uma realidade que existe na natureza, mas uma construção social que depende dos ‘juizos adscritivos’ que produzem a qualidade de criminoso na pessoa a quem se aplicam; uma construção social que está em constante criação.” Portanto, não provém do Sistema Penal, mas legitima-se nas atividades condicionantes da sociedade, ou seja, das meta-regras impostas no âmbito social, que definem as estratégias do controle Estatal e assinalam o que é definido como o limiar para o que é concebido no campo do Direito como delito ou não. Assim, a criminalidade