• Nenhum resultado encontrado

“Os produtos da Arte não são nem inferiores nem diferentes dos da Natureza. Sobre este ponto, Descartes também insiste energicamente: Não existe qualquer diferença entre as máquinas que os artesãos constroem e os diversos corpos que a natureza compõe.”

Paolo Rossi.

Neste momento, tendo como fundamento basilar as reflexões empreendidas no primeiro tópico, particulariza-se o estudo na Esfera Penal e/ou Criminal, pormenorizando as Ciências Penais e suas sistematizações diante do contexto jurídico-social brasileiro. Parte, aqui, da consideração de que a Ciência do Direito Penal se apoia em outras ciências e demais disciplinas penais para a análise da prática do crime, percebendo-o enquanto fenômeno social e transitando por diversas áreas do conhecimento para compreendê-lo.

Em princípio, considera-se que os discursos políticos transcendem a padronização social, pois, ainda que existam outras culturas, as imperfeições sociais estão associadas às coisas, que, por ora, contradizem a natureza da moral. Essa natureza é artificial e, essencialmente, moldada pelos sistemas de controle.

Enfatiza-se, inicialmente, que o poder punitivo partiu de uma necessidade, estrategicamente criada pela Igreja e de certos corpos autoritários existentes – no intuito de coibir (no sentido de reação e obediência) a ação de filósofos e pensadores, denominados como “heresias anti-hierárquicas” (ANITUA, 2015). A exemplo de represália: o tribunal jurídico- teológico da Inquisição. Destarte, a construção de um modelo de política criminal foi super estruturada diante da afirmativa de que o sistema punitivo tem o dever-ser de ordenar os corpos, pela sistemática e pelo comando hierárquico calcado na sociedade - não apenas sobre os corpos civis ou religiosos, mas sob/em todos os corpos da conditio humana - militarizados ou não, institucionalizados ou não.

Em um esquema tal, cada indivíduo estava incluído obrigatoriamente neste emaranhado de regras naturais – o sistema deve ser e estar presente nas relações humanas, doutrinando-as por intermédio da simples condição natural de ser humano (ANITUA, 2015). Sob o viés criminológico crítico, dimensiona-se a atual relação entre os mecanismos de controle social e a criação do Estado de exceção (AGAMBEN, 2004) apontando-se para a (im)possibilidade de construção de um modelo de controle social pautado na proteção/promoção dos Direitos Humanos.

Neste âmbito, Nilo Batista (2007) cita Tobias Barreto, pontuando que não existe um direito natural, mas uma lei natural no direito. Ou seja, não existe linguagem natural, considerando que o homem configurado está como um produto, pois “não exerce indústria nem cultiva arte de qualquer espécie que a natureza lhe houvesse ensinado; tudo é produto dele mesmo, do seu trabalho, da sua atividade”. (BATISTA, 2007, p. 18).

Desta forma, o Direito é uma produção humana. Logo, uma construção a partir de hábitos sociais, econômicos, morais e religiosos, minimamente estipulados pela ordem vigente. Em vista disso, vislumbra-se a incapacidade do Estado em julgar e processar correta e dignamente os atos, determinando brutalmente quais são os sujeitos relegados a uma “vida nua”. A partir da compreensão de Agamben (2002), é possível sustentar que a política articula- se em seu limiar, realizada entre o ser vivente e o logos – para ilustrar esta ideia, o autor refere o fenômeno da politização do sacro: entre a vida nua e a tarefa da metafísica, se há política, há, porém, uma relação de exclusão inclusiva.

Quanto à ambivalência, a dupla categoria fundamental da biopolítica refere-se a vida nua, entre a existência da binariedade do fazer viver ou deixar morrer, a politização da zóe-bios trata, especialmente, da exclusão-inclusão do indivíduo. Neste caso, a vida nua é a vida matável e sacrificável do homo sacer, “ilustrada” através da obscura figura do Direito Romano arcaico e, religiosamente (!) sacro, na qual a vida humana é passível de exclusão (AGAMBEN, 2002).

Para além da figura dos contornos biopolíticos e das percepções delineadas pelo Direito Penal, Zaffaroni (2007) retoma com um certo idealismo utópico, e, devido aos avanços da modernidade, argumenta por entre meios o abandono de todas as teorizações baseadas em discursos teocrático-biologistas, tendo em vista que tratavam – especialmente – de “estranhos” ou “indesejáveis”, objetivando discutir a proposta de contenção. Pois, visando assegurar o bem estar social, o Estado utiliza-se de linguagem simbólica para garantir a convivência harmônica de determinado grupo hegemônico para (re)produzir a seletividade punitiva em relação às classes desfavorecidas/pauperizadas.

A situação decorrente deste sistema é o evidente desapego à teoria do fato e a consolidação de um modelo punitivo de direito penal do autor: “é intolerável a categoria jurídica de inimigo ou estranho no direito ordinário (penal ou qualquer outro ramo) de um Estado constitucional de direito [...]” (ZAFFARONI, 2007, p. 12). O autor nesta sistemática penal é o “inimigo” - isto é, o sujeito homo sacer. É o indivíduo determinado como o alvo, ou seja, é aquele para o qual é determinada a negação da condição de pessoa humana.

A retirada desta conditio transforma-o em cidadão matável – no indivíduo determinado como o inimigo. Pondera-se que, para que esta condição se efetive, o tratamento diferenciado para com o autor é imperioso na (re)produção do modelo punitivo, tendo em vista que “o inimigo não é qualquer sujeito infrator, mas sim o outro, o estrangeiro, e basta, em sua essência, que seja existencialmente, em um sentido particularmente intensivo, de alguma forma outro ou estrangeiro [...]” (ZAFFARONI, 2007, p. 21).

A partir das considerações apontadas, expor-se-ão as características de formação e permanência de um “estado de exceção”, difundido pela Política Criminal brasileira contemporânea através da lógica repressivista e estereotipada que lhe subjaz.

A doutrina de David Garland (2014) refere que o século XIX norteia as mudanças e os novos parâmetros do controle do crime, no sentido de que a reconstrução social foi formalizada pelas instituições “responsáveis” por produzir a ordem. De fato, como evidencia o título, a Ciência do Direito Penal dá sustentação à construção de um modelo racional-autoritário. Posteriormente ao Século V, os confrontos entre os bárbaros e a decadência do Império Romano arrazoam o surgimento de uma nova “estrutura social, política e econômica (que se convencionou chamar de período medieval) permitindo-se, contudo, a consolidação da igreja católica como instituição, difundindo-se o cristianismo entre os bárbaros e, essencialmente, exercendo um importante papel na política do medievo.” (WOLKMER et al., 2016, p. 139).

Em apurada síntese, os avanços da modernidade trazem consigo a ruptura da ordem econômica feudal, na qual a forma de (des)apropriação da mão-de-obra produziu um excedente de população marginal, ou seja, o capitalismo trouxe um despovoamento do campo e uma diferenciação básica entre servos e nobres. Este novo sistema dispunha de classificações pessoais acerca das funções e posições dos indivíduos na sociedade civil (ANITUA, 2015). Ora, o homem deveria participar da burguesia e do comércio, ser livre e garantir patrimônio. A preocupação do Estado voltava-se para o mercantilismo,

buscava o novo valor, o dinheiro, da mesma forma que o indivíduo, como já disse, com sua posse, verificava que era um ser poderoso e, portanto, valioso em si mesmo, não dependente, mais livre. Esta é outra curiosidade das sociedades modernas, a de

que, no mesmo fato, estão compreendidas uma determinada liberdade e a sujeição às mais poderosas cadeias. [...] Ainda que se possa discutir esta origem comum em termos de necessidade, o certo é que o capitalismo e a burocracia se encontraram historicamente e se pertencem intimamente, em função de sua superioridade técnica sobre qualquer outra forma de organização. (ANITUA, 2015, 72-3).

Neste cenário, o estudo demanda maiores apurações quanto ao caráter Criminológico da Política Criminal, para além de meras pontuações conceituais, adentrando no campo da criminalidade econômico-financeira. Vera Malaguti Batista (2014) salienta que, para conhecer tal criminalidade econômico-financeira, iguala-se à questão de conhecer a seletividade operativa dos Sistemas Penais que norteiam a cifra oculta que é a própria criminalidade – no sentido do indeterminável, pois há somente uma precisão do somatório das condutas infracionais, sem a análise de dados ou de causas.

É sabido que, em verdade, a criminalidade é um artifício abstrato na realidade social. Entretanto, este dispositivo sugere fatores que foram objeto da construção humana. A autora ainda refere que, se a Criminologia não tem fundamento em si mesma, a Política Criminal originária desta Criminologia também será regida por um comando. Assim, define-se por “uma resposta política às necessidades de ordem que vão mudando no processo de acumulação de capital. Para compreender seu léxico, seu vocabulário, sua linguagem, temos de ter a compreensão da demanda por ordem.” (BATISTA, 2014, p. 23).

De outro ponto de vista, se a Política Criminal é composta por instituições e órgãos encarregados pela função de aplicar a legislação penal, a terminologia “política” refere-se aos desejos daqueles que estão no comando, e, portanto, intrinsecamente, a questão está ligada (totalmente) ao poder de uma determinada classe.

Diante desta definição, o conceito de Política Criminal não incorpora toda a ciência política que circunscreve o aparato jurídico-institucional desta sistemática do poder. Outrossim, assevera-se que a crítica articulada nos campos do Direito Penal e da Política Criminal alcançam uma extensão global em busca das causas da delinquência, norteando meios para “preveni-la”:

A partir de Foucault, Zaffaroni trabalha a criminologia como uma questão política que provém do século XIII, da conjuntura do início do processo de centralização do poder da Igreja Católica e do Estado, do processo de acumulação de capital e de poder punitivo que começa operar a tradução da conflitividade e da violência no sentido do ‘criminal’. A questão criminal se relaciona então com a posição do poder e as necessidades de ordem de uma determinada classe social. Assim, a criminologia e a política crimina surgem como um eixo específico de racionalização, um saber/poder a serviço da acumulação de capital. A história da criminologia está, assim, intimamente ligada à história do desenvolvimento do capitalismo. (BATISTA, 2014, p. 23).

Compreende-se que a Política Criminal tratou de identificar os sujeitos criminalizáveis. Neste contexto, entre os séculos XIII e XVIII, articulam-se as “técnicas da Inquisição como o surgimento das cidades, a aparição da ideia de contrato, o fortalecimento da burguesia e o absolutismo, configurando o Estado moderno e suas estruturas penais.” (BATISTA, 2014, p. 25). Dessa forma, a acumulação de capital impulsionou o mercantilismo (manufatura) e a Revolução Industrial contornou o disciplinamento dos corpos, tipificando contingentes de mão de obra: pobres para a extração de mais-valia e energia viva do capital. Sob esta ótica, aplica- se a ideologia de racionalidade utilitarista, legitimando as relações e consagrando as técnicas de domínio dos homens e da natureza (BATISTA, 2014).

A civilização desenha o cenário da violência e da barbárie em prol do progresso (que nada mais é do que enriquecimento das camadas burguesas) – a direção “sugestiva” não agradava os parâmetros de política de controle de Garland (2001). Assim, as velhas instituições de confinamento, que surgiram no final do Século XVIII e desenvolveram-se em meados do Século XIX, cedendo espaço às instituições menos pesadas, provenientes de campos diversos da área penal e médico-psiquiátrica, que não doutrinavam os delinquentes no cumprimento da pena, tendo em vista que o controle do crime deveria ser uma atividade cientificamente orientada e livre de sentimentos.

Alheia à qualquer base da Criminologia, a fundamentação plausível era a dogmática do Estado, exclusivamente designado como o detentor do papel de “controlador do crime”. Considerar que a existência de um baixo índice de criminalidade é aceitável numa sociedade de massa, desde que o conhecimento na área da Justiça Criminal progrida e que o status de controle avance, foi uma das fundamentações inseridas pela lógica “otimista” de que o Estado controla os focos da criminalidade, pelo caráter detentor da norma, regula também as fontes de índices criminais, promovendo como “mágica” a segurança e desenvolvendo métodos racionais de reinserção dos criminosos à sociedade (GARLAND, 2001).

A partir do século XVIII “o processo histórico de fortalecimento do contrato social determina outras necessidades de ordem. As execuções públicas vão se tornando perigosas com o protagonismo da multidão que vai produzir a crítica do absolutismo.” (BATISTA, 2014, p. 25). Denota-se que os revolucionários da época, ou seja, a multidão de pobres “irracionais” clama por cabeças cortadas e por uma forma de governança diferente. Outrossim, o “poder punitivo vai precisar de novas propostas e novas técnicas para dar conta da concentração de pobres que o processo de acumulação de capital provocou.” (BATISTA, 2014, p. 25).

Particulariza-se, então, um movimento pautado pelo desenvolvimento de convicções sobre legalidade e garantias, determinando, por fim, os conceitos de delito e de pena. Com isso,

a sociedade “cria” sua rede de prisões, manicômios, internatos e asilos, nos quais a Política Criminal está envolvida, artificialmente, no seio da estrutura social e comanda a ordem através de seu aparato institucional – política de segurança pública, política judiciária e política penitenciária (BATISTA, 2014).

O surgimento destes parâmetros de organização para o controle do crime integra a estética de um discurso, particularmente, circunscrito para a (re)compreensão de estratos sociais mundiais, que idealizaram a permanência da lei e da ordem. Na intenção de “evitar o mal” surge das próprias agências do poder a racionalização de que a maioria dos presos é pobre. Teorização da qual o paradigma etiológico irá grosseiramente concluir, por intermédio da legitimação do discurso médico/anomalista, que a causalidade criminal está reduzida à figura do autor do delito – novamente, fala-se aqui em direito penal do autor, no homo sacer, no “inimigo” (BATISTA, 2014). Neste ínterim, limites são desenhados pela metodologia moderna

de organização da verdade: punir em vez de vingar e estabelecer uma gestão seletiva das ilegalidades populares. A ascensão da burguesia contra a figura do monarca absoluto vai ensejar novos discursos criminológicos, novas instituições, novas políticas, a partir do enquadramento cartesiano e iluminista do mundo. A prisão, subordinada à fábrica, se converte na principal pena do mundo ocidental. O delito passa a ser definido juridicamente. A revolução industrial precisa de novos dispositivos de controle social para o disciplinamento e o assujeitamento dos contingentes miseráveis que produziu. (BATISTA, 2014, p. 26).

Convencionalmente, o diálogo intercultural inserido por Foucault (1979, p. 74) nesta temática é o de que a prisão esteve, originalmente, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos. Atualmente, o propósito confunde-se com uma espécie de depósito para os indivíduos condicionados como “inimigos”. O autor salienta que, em princípio, os textos e demais programas versavam sobre intenções “diversas” do cárcere, aludindo à esfera educativa.

As declarações de intenção corroboram esta afirmativa, eis que a prisão “devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto a escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos.” (FOUCAULT, 1979, p. 75). Todavia, o fracasso foi imediato, devido aos “interesses” da burguesia e dos mecanismos de poder. Nesta seara, desde 1820 registra-se que a prisão não alcança o objetivo basilar, ou seja, não transforma e tampouco garante a reinserção dos criminosos na sociedade. Deste modo, constata-se

que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá−los ainda mais na criminalidade. Foi então que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político. Os delinquentes servem para alguma coisa. Por exemplo, no proveito que se pode tirar da exploração do prazer

sexual: a instauração, no século XIX, do grande edifício da prostituição, só foi possível graças aos delinquentes que permitiram a articulação entre o prazer sexual quotidiano e custoso e a capitalização. (FOUCAULT, 1979, p. 75).

A preponderância do Direito Penal, permite, que grupos centrais elejam regras deliberando “que os segmentos integrados ao setor dinâmico da economia se beneficiem da existência de uma mão-de-obra superexplorada, que vai lhes prestar serviços a custos baixíssimos, liberando, desta forma, mais recursos que serão realocados no setor dinâmico.” (COSTA, 2005, p. 17). Este sistema empreende na formação de contingentes populacionais, no sentido de que “uma população supérflua”, torna-se “desnecessária economicamente” e passa a ser alvo do fenômeno da estigmatização.

Logo, o controle social está disfarçado na lei, e esta, sendo um imperativo social, estrutura e organiza a vida em sociedade. Na ótica da estigmatização, assegura-se que mundialmente existem “sentenças condenatórias, direitos das vítimas, leis de vigilância comunitária, policiamento privado, políticas de ‘lei e ordem’ e uma enfática crença de que ‘a prisão funciona’ [...]”, discursos que “se tornaram lugares-comuns no cenário do controle do crime e não surpreendem mais a ninguém.” (GARLAND, 2014, p. 41).

Esta sistemática desenvolvida paradoxalmente sobre o crime normaliza o status de punição – pois mesmo que cause estarrecimento e desconforto em certos círculos, a estigmatização do estranho e/ou inimigo não é rechaçada pela sociedade. Acredita-se que, para “o cidadão razoavelmente informado, que lê jornais ou assiste aos telejornais, estes são inexoráveis componentes das políticas criminais contemporâneas.” (GARLAND, 2014, p. 41). Tal perspectiva sugere que o aprisionamento torna-se um objeto jurídico respeitável pelo coletivo social. Nesta lógica, a sanção penal arrasta consigo o caráter de vingança quando associada à política do “bandido bom é bandido morto”. Com efeito, se a inserção de medidas retributivas não agrada a massa, o “negócio” é conduzir a opinião da multidão através do disciplinamento dos corpos pensantes, utilizando-se das técnicas do capital para ofertar: progresso social a custo do combate ao crime.

Neste âmbito, a funcionalidade do Direito Penal é determinada através de mecanismos de controle, baseados na ordem e com a finalidade principal de combater o crime e preservar os interesses (invariavelmente patrimoniais) do corpo social. Para Rusche e Kirchheimer (2004) os diferentes sistemas penais e suas intermitentes variações relacionam-se de modo íntimo com as fases econômicas e à época em que estão inseridos. Visando ao controle dos indivíduos, a sociedade cria mecanismos, e o Direito Criminal desde a Idade Média desempenha um papel

importante neste processo, dando ênfase à manutenção da ordem e preservando formas de hierarquia.

Tendo em vista que a simbologia das coisas é um artifício abstrato criado pelos mecanismos de poder, o controle surge através de linguagens, ou seja, a partir de instrumentos de ordem social, que determinam regramentos a serem cumpridas pelos sujeitos. Nesta utilização do “terror social”, a cultura do medo é amplamente difundida:

a cultura do medo, enfaticamente enraizada em nossa civilização, reflete exatamente a produção do imaginário social ideologicamente efetivado e amplamente divulgado, especialmente, mas não só, pela mídia, mas também pela família e a religião. Fundada a partir da lógica da dominação, a sociedade interpreta determinados fatos, conforme a ideologia vigente naquele momento histórico, ou seja, a lógica hegemônica do grupo dominante deve prevalecer, difundindo a ideia principal através de pequenas justificações, as quais permitirão, ante a presença do fato indesejado, mas real, que parcelas de sua liberdade sejam reprimidas a fim de manter (ou restaurar) a ordem, ainda que em troca de arbitrariedade ou opressão. (WOLKMER et al., 2016, p. 141).

Acerca da temática desenvolvida, Costa (2005, p. 09) destaca o caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, “exacerbadamente intervencionista e simbólico”. Constituído artificialmente através da (in)capacidade de “solucionador de todos os males sociais que ferem os homens bons”, assumindo o papel autoritário e genocida no círculo vicioso que somente desgastou o próprio Direito Penal, “arrojando-o a um nível dramático de ineficiência.” (COSTA, 2005, p. 09). Herrera Flores (2009) reitera que nessa ordem simbólica, a palavra e a linguagem parecem constituir a comunicação humana.

Os processos culturais foram (e são) estruturados na esfera penal “como forma de reação diante do conjunto de relações sob as quais vivemos, que fundam as linguagens como instrumentos e meios de comunicação.” (FLORES, 2009, p. 53). Neste processo, é visível que nem sempre essa simbologia – criada artificialmente – beneficia a todos; pelo contrário, a criação de simbologias norteia as exceções no espaço comum, tornando-as inerentes às culturas, sociedades e indivíduos.

Enquanto norma posta, o direito doutrina através da política criminal a vida dos corpos – que é regida por práticas e/ou costumes. Aqui, a lei não dita apenas proibições, mas estabelece determinados atos e obrigações para determinados contingentes, bem como atribui valor às coisas, designando-as como boas ou más, sagradas ou diabólicas (COSTA, 2005). Igualmente, a criminalidade é, então, objeto da construção social, tendo em vista que a cultura da criminalização é oriunda de processos colonizadores, como forma de reação diante de um conjunto de relações sob as quais vivem os indivíduos, interferindo diretamente em suas ações

– ditando, então, quais são os sujeitos aceitos ou não dentro da sociedade. Desta forma, a criação do poder está simbolizada em uma determinada categoria, qual seja: a ordem.