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CAPÍTULO II – APRESENTAÇÃO E CONSIDERAÇÕES SOBRE A

2.5 Crioulo Guineense, símbolo de identidade nacional

2.5.2 Crioulo, língua da unidade e da identidade nacional

Vários autores têm se debruçado sobre o estudo da língua guineense, como Augel (2006), Embaló (2008), Kihm e Rougé (1992), Couto (1994), Scantamburlo (1997), Benson (1994), Diallo (1996) e outros, relacionando a identidade africana com a língua. Assim, o crioulo, enquanto língua surgiu da necessidade de comunicação de sociedades colonizadas com o regime colonizador.

Nas palavras de Embaló (p. 103), a partir do século XX, o crioulo passou a ser estigmatizado pelas autoridades coloniais, considerado uma língua inferior, do não “civilizado” e somente aquele que se expressasse em português era considerado “civilizado”. Este caso era verificado com maior intensidade nas zonas ocupadas pelos portugueses. No entanto, nas zonas libertadas pelo PAIGC, o crioulo teve uma grande expansão por todo país. Ainda segundo Embaló, “depois da independência, a utilização do kriol generalizou-se, invadindo as próprias administrações e conquistando lugares que até aí eram dominados pelo português”, como, por exemplo, na rádio, na televisão e nos jornais. Nesta perspectiva, Freire (1978), na sua obra Cartas à Guiné-Bissau, afirma que:

De reconstrução, digo bem, porque a Guiné-Bissau não parte do zero, mas de suas fontes culturais e históricas, de algo de bem seu, da alma mesma de seu povo, que a violência colonialista não pôde matar. De zero ela parte, com relação às condições materiais em que a deixaram os invasores quando, já

derrotados política e militarmente, em uma guerra impossível, tiveram de abandoná-la definitivamente após o dia 25 de abril, com um legado de

problemas e de descanso que diz bem do “esforço civilizatório” do

colonialismo (FREIRE, 1978, p. 15).

Nesta obra, considerada uma das mais importantes, Paulo Freire, pontua a construção da identidade do povo guineense, trazendo elementos importantes para refletir sobre processos de enfrentamento que este povo teve frente à colonização. Podemos situar a língua crioula enquanto um desses elementos de resistência frente ao processo de colonização. À medida que o tempo passa, a “língua da unidade e da identidade nacional”, como nos lembra Augel (2006) e Embaló (2008), vai conquistando o lugar privilegiado na sociedade guineense como símbolo da identidade e da resistência cultural. Esse sentimento de pertencimento da nação guineense por meio da língua cria laços de unidade entre os diversos grupos étnicos. A sua importância e utilização é reconhecida em todo o país, como a língua da unidade nacional. Berenblum (2003, p. 22) lembra que “este sentimento de identidade através da língua, associado à ideia de nacionalidade que hoje nos parece tão “natural”, é produto da combinação de diversos processos históricos originados na modernidade”. Para a autora, as identidades se constroem e cada nação tem formas particulares de narrar a sua própria história. Deste modo, a construção da identidade guineense por meio da língua envolve tanto a identidade do sujeito quanto a identidade do país. Como observa Rajagopalan (2001, p. 41), “a identidade de um indivíduo se constrói na língua e através dela”. E sendo a identidade uma construção sociohistórica, a língua guineense foi uma forma de resistência e de afirmação frente ao colonialismo europeu. Como adverte Embaló (2008):

Ao servir de língua de comunicação entre os diversos grupos populacionais no processo independentista, o kriol tornou-se num elemento congregante da diversidade étnica nacional. A utilização de uma língua comum, outra que não a do colonizador e ao mesmo tempo símbolo de resistência cultural, contribuiu, juntamente com o objetivo da luta pela libertação do jugo colonial, para a criação de uma unidade nacional (p. 5, grifo do autor).

A língua guineense conseguiu o estatuto de língua nacional após a independência e evoluiu ao longo da sua história como “símbolo de identidade nacional”.

O crioulo é a língua de comunicação mais corrente no seio do povo guineense. Mas, não somente, outros povos e países também utilizam essa língua enquanto meio de comunicação e expressão social, dentre eles podemos citar: Cabo Verde; São Tomé Príncipe e Haiti. Isso nos remete à importância da língua crioula entre povos africanos e negros. Para

Augel (p. 72) “o guineense vem afirmando-se cada vez mais, tanto em número de utentes como em prestígio”. Hoje é cada vez maior o número de falantes do crioulo.

De acordo com Scantamburlo (2002):

A escolha do nome Guineense para designar a língua crioula da Guiné- Bissau, termo já utilizado por Marcelino Marques de Barros em 1897, ajudará a respeitar melhor o estatuto desta língua, verdadeiramente nacional, veicular e inter-étnica, e a evitar a conotação depreciativa que o termo crioulo tem ainda no país e no mundo (SCANTAMBURLO, 2002, p. 6, grifo do autor).

Scantamburlo, na introdução do seu Dicionário guineense-português, chama atenção da conotação depreciativa que este termo ainda pode causar na sociedade, defendendo o conceito da língua face à sociedade guineense. A língua crioula é veicular de maior prestígio falada e entendida pela maioria. Se considerarmos a realidade social dos guineenses que vivem no exterior, que aprendem a falar a língua estrangeira com competência e domínio linguístico satisfatório, a língua crioula sempre se faz presente nas suas relações. Esta situação real, em que os falantes do crioulo, privilegiam nas suas interações o crioulo, nos faz pensar como é importante o papel que a língua crioula ocupa na sociedade guineense. Cardoso (1996, p. 15) lembra que “estas línguas são utilizadas em intercâmbios sociais alargados, envolvendo um número de locutores cada vez maior”. Portanto, falar guineense em muitos casos parece-nos ficar mais íntimo da pessoa. Deste modo, a língua guineense é dada, então, por seu caráter sagrado.

Para além das várias questões que já abordamos ao longo do nosso trabalho, problematizamos se estas experiências vividas pelos imigrantes não seria uma forma de resistência e de afirmação da própria identidade nacional? Julgamos ser importante a escolha da nossa temática pelo fato de a discussão sobre as línguas (portuguesa e crioula) estarem inseridas numa sociedade plurilingue.

Importante frisar que o problema linguístico da Guiné-Bissau não deve ser visto como português em relação ao crioulo, mas que devemos levar em consideração que além das duas línguas, existem também 25 línguas étnicas. Portanto, é preciso definir o papel de cada uma das línguas e criar uma condição para que, de fato, o ensino plurilingue possa existir.