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Perfil linguístico dos professores e dos alunos da escola em Regime de Autogestão

CAPÍTULO IV – ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM CONTEXTO DE

4.1 Contextualização da pesquisa

4.1.4 Perfil linguístico dos professores e dos alunos das duas escolas

4.1.4.2 Perfil linguístico dos professores e dos alunos da escola em Regime de Autogestão

Nesta escola, os professores dialogam entre si em português, devido ao regulamento escolar, e, quando estão fora do recinto escolar, falam em crioulo. As faxineiras falam em crioulo com os professores e os alunos. Alguns pais e encarregados de educação, por vezes, falam em crioulo com os filhos, quando vão buscá-los na escola e até mesmo com a pedagoga da escola e a professora da turma, quando precisam de algumas informações. No entanto, esta não é ordem vigente na escola como nos informa a D2, na E39:

E39-D2

A aula é administrada na língua oficial de acordo com a metodologia da escola / curioso que o padre Neves / via-nos a falar o crioulo no recinto escolar / dizia-nos que tínhamos que pagar a multa por falar crioulo / e ainda dizia que vai descontar no nosso salário / pois / ele não gostava que falássemos o crioulo enquanto estávamos na escola / dizia o seguinte / que vocês têm que falar o português / porque senão as vossas crianças vão falar o pior / pois / têm que dar o exemplo as vossas crianças /

A tensão entre a língua oficial e a língua nacional é ainda maior nessa escola: não é admissível falar o crioulo na sala de aula e fora dela. A comunicação tende a ser na língua oficial, tanto para os alunos, quanto para os professores. A imposição da LO, nas instituições, privadas em muitos casos tende a ser respeitada.

É interessante como Diallo (1996, p. 6), problematiza esta questão: “em que medida as metodologias propostas pela literatura do ensino das línguas podem ou devem ser aplicadas indiscriminadamente em contexto plurilingue?”. É importante pensar até que ponto essas metodologias não estão concebidas para aprendizagem em contextos unilingues, pois as crianças se encontram em situações diferentes em que elas são alfabetizadas em L2 e não L1,

suas línguas maternas. É fundamental pensar, ao mesmo tempo, como o meio em que estes sujeitos estão inseridos tem grandes efeitos. Os lugares ou estatutos das línguas não coincidem, como foi observado, mas, sim, elas se encontram em uma forte tensão. Na E40 a professora explica:

E40-D2

No recreio / quando as crianças estão a brincar no pátio / o padre obrigava a falar o português / mas coitados das crianças / mesmo o padre obrigando /

muitas crianças não deixam de falar o crioulo / pois em casa não falam o português / exceto uma aluna que frequenta a minha aula / ela tem o hábito de falar sempre o português em casa com os pais / quando estou a

dar aula / percebo que têm alunos que não compreendem eu digo/ meninos podem me dar licença de eu falar o crioulo / aí falo o crioulo para que esses alunos que não compreendam possam compreender a matéria / existem alunos com dificuldades de expressarem em português / sempre estou de cima deles para não conversarem em crioulo / mas mesmo assim falam /

(grifo nosso).

Percebemos que na turma 07, que acompanhamos, há alunos que se expressam em crioulo, mesmo sendo obrigados a falar o português (muitas crianças não deixam de falar o crioulo, pois em casa não falam o português, exceto uma aluna que frequenta a minha aula; ela tem o hábito de falar sempre o português em casa com os pais). Segundo Bagno “nosso sistema educacional valoriza aquelas crianças que já chegam à escola trazendo na sua bagagem linguística o português” (2001, p. 30). Nesta turma, percebemos que os alunos, nas suas interações com a professora, falam em português e, ao se dirigir ao colega, falam em crioulo, sem que a professora perceba, exceto a aluna mencionada pela professora. Também percebemos que, quando a professora sai da sala para pegar algum material que não esteja na sala, os alunos começam a falar em crioulo entre eles e, ao chegar a professora, param logo por isso percebemos ainda que os alunos não têm o português como a L1 nesta escola. “A estas especificações sobre os diferentes modos como a língua funciona para a criança, na família e na escola, seria preciso acrescentar as implicações mencionadas antes, de que a língua materna e a língua da escola não coincidem sempre” (PAYER, p. 119). Na E41, a professora comenta:

E41-D2

Há crianças que quando explico em português entendem logo / como por exemplo / o caso da aluna que explicou em crioulo para o colega que não entendeu a minha explicação /

Este caso aconteceu, quando a professora passou exercício no quadro para que os alunos ordenassem as palavras e explicou em português o que era para fazer. Perguntou se todos tinham compreendido e um aluno disse que não; então, a professora pediu se alguém se manifestaria para explicar ao colega. Uma aluna manifestou-se, explicando, com propriedade, em crioulo, ao colega. Notamos que mais da metade da turma teve dificuldades em ordenar as palavras. Após a correção dos cadernos, a professora optou por fazer no quadro para que todos pudessem participar e pediu logo que copiassem nos seus cadernos. Quando a D2 fala que (há crianças que quando explico em português entendem logo), isso quer dizer que poucas crianças entendem logo em português quando ela explica, (provavelmente aquelas poucas que têm alguma vivência com o português): há mais crianças com dificuldades de compreensão na LP.

Na entrevista feita com a atual ministra da Educação, a Doutora Odete Semedo concluiu:

O próprio Ministério da Educação quando esteve diante das dificuldades das crianças que saem das famílias / que não falam o português em casa / falam crioulo e outras línguas ou apenas crioulo e como contato linguístico do aluno na rua com a própria comunidade em crioulo então / o próprio Ministério / autorizou a que se usasse em casos emergenciais o crioulo /quando o professor notar que o aluno não está entender o enunciado / ele é obrigado a mostrar a referência na língua do aluno / em apresentar aquele enunciado em crioulo / para ver se o aluno entendeu /ou se tem outras dificuldades/e se a dificuldade é linguística /e quando é linguística/ então / aí pode-se superar essas dificuldades / o professor é obrigado / sobretudo / quem lida com a criança da 1ª a 4ª classe / (Ministra da Educação, Doutora

Odete Semedo, Fev. 2014).

A fala da ministra Odete Semedo legitima a necessidade e a importância que o professor precisa reconhecer, no processo de ensino-aprendizagem: considerar a língua materna do aluno faz diferença, principalmente quando a dificuldade é vista como linguística.

4.2 Alfabetização e Letramento em Contexto de Diversidade Linguística e Cultural em