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Critérios de noticiabilidade

No documento Elementos de jornalismo impresso (páginas 38-45)

Apesar de todas as transformações que têm ocorrido no campo dos media, as principais tarefas do jornalista ainda estão relaci- onadas com as suas mais tradicionais funções: selecção e hie- rarquização de acontecimentos susceptíveis de terem valor como notícia; transformação desses acontecimentos em notícias; difu- são das notícias. A selecção é a pedra angular do processo, pois um jornal não pode ser um amontoado não criterioso de todo o tipo de informações.

A escolha dos acontecimentos e demais assuntos a abordar por um jornal (construção da agenda) é dos assuntos mais deba- tidos entre os agentes interessados na cobertura noticiosa. Por isso, também é dos mais estudados. A necessidade de se fazerem escolhas torna o jornalismo permeável a críticas. Mas valorizar, hierarquizar e seleccionar são actividades inerentes ao jornalismo. A escolha dos assuntos a abordar por um jornal e a consoli- dação de uma determinada linha editorial dependem de diversos mecanismos que actuam em conjunto. É óbvio que um patrão po- deroso dos media pode dar ordens para que uma notícia seja publi- cada, mas esta situação é rara. Um patrão também poderá mandar

retirar uma notícia, mas esta situação é ainda mais rara, pois, se não for cuidadosamente justificada (por exemplo, argumentando com a entrada de publicidade), pode ser vista como censura e cair nas malhas da ilegalidade. Nos casos anteriores estaríamos pe- rante mecanismos de selecção de notícias que poderíamos deno- minar como sendo de "acção pessoal"e, portanto, relativamente subjectivos. Mas, normalmente, a selecção de assuntos a noticiar não depende unicamente de escolhas subjectivas. Há mecanismos que se sobrepõem à subjectividade jornalística. Entre eles estão os critérios de noticiabilidade (ou de valor-notícia), que são apli- cados pelo jornalista, conscientemente ou não, no momento de avaliar os assuntos que têm valor como notícia.

Os critérios de noticiabilidade não são rígidos nem universais. Por outro lado, são, frequentemente, de natureza esquiva, opaca e, por vezes, contraditória. Eles funcionam conjuntamente em todo o processo de fabrico e difusão das notícias e dependem da forma de operar da organização noticiosa, da sua hierarquia interna e da maneira como ela confere ordem ao aparente caos da reali- dade. Além disso, os critérios de valor-notícia mudam ao longo do tempo (assuntos que há algum tempo não seriam notícia são-no hoje).

Há muitas listas de valores-notícia que tornam uma mensagem noticiável (newsworthy attributes). Galtung e Ruge (1965) foram dos primeiros autores a chamarem a atenção para a existência de critérios de noticiabilidade dos acontecimentos que se sobrepu- nham à acção pessoal do jornalista, embora sem a eliminar, e que determinariam as possibilidades de uma mensagem passar pelos vários gates numa organização noticiosa. Entre os critérios apon- tados pelos autores contavam-se os seguintes:

• Proximidade (Quanto mais próximo ocorrer um aconteci- mento, mais probabilidades tem de se tornar notícia. A pro- ximidade pode assumir várias formas: geográfica, afectiva, cultural, etc.);

acontecimento, mais probabilidades tem de se tornar notí- cia.);

• Significância (Quanto mais intenso ou relevante for um acon- tecimento, quantas mais pessoas estiverem envolvidas ou sofrerem consequências, quanto maior for a sua dimensão, mais probabilidades tem de se tornar notícia.; além disso, quanto menos ambíguo for um acontecimento, mais proba- bilidades tem de se tornar notícia.);

• Proeminência social dos sujeitos envolvidos (Quanto mais proeminentes forem as pessoas envolvidas num aconteci- mento, mais hipóteses ele tem de se tornar notícia.);

• Proeminência das nações envolvidas nas notícias (Quanto mais proeminentes forem as nações envolvidas num acon- tecimento internacional, mais probabilidades ele tem de se tornar notícia.);

• Consonância (Quanto mais agendável for um acontecimento, quanto mais corresponder às expectativas e quanto mais o seu relato se adaptar ao medium, mais probabilidades tem de se tornar notícia.)

• Imprevisibilidade (Quanto mais surpreendente for um acon- tecimento, mais hipóteses terá de se tornar notícia.);

• Continuidade (Os desenvolvimentos de acontecimentos já noticiados têm grandes probabilidades de se tornar notí- cia.);

• Composição (Quanto mais um acontecimento se enquadrar num noticiário tematicamente equilibrado, ou seja, num no- ticiário com espaço para diversos temas, mais probabilida- des tem de se tornar notícia);

• Negatividade (Quanto mais um acontecimento se desvia para a negatividade, mais probabilidades tem de se tornar notí- cia.)

Depois do estudo pioneiro de Galtung e Ruge, os autores que se dedicaram a este tema geralmente apresentam os critérios de noticiabilidade de um acontecimento sob a forma de uma lista. Dela fazem parte factores como a oportunidade, a proximidade, a actualidade, o provável interesse do público, a importância, o impacto, as consequências e repercussões, o interesse, o conflito ou a controvérsia, a negatividade, a frequência, a dramatização, a crise, o desvio, o sensacionalismo, a emoção, a proeminência das pessoas envolvidas, a novidade, a excentricidade e a singularidade (no sentido de pouco usual). (Shoemaker, 1991: 21-22).

Garbarino (1982) enfatiza o papel das constrições ligadas à organização do trabalho (por exemplo, a rede geográfica de cor- respondentes e delegações e a divisão temática nas redacções re- flectem critérios de relevância e valoração geográfica e temática das notícias) e das convenções profissionais criadas nesse sistema enquanto elementos contributivos para a definição do que é notí- cia, isto é, enquanto elementos da noticiabilidade. Esses elemen- tos ajudariam a legitimar o processo produtivo, desde a selecção das fontes à selecção dos acontecimentos e aos modos de fabrico, contribuindo para precaver os jornalistas e as organizações noti- ciosas das críticas do público.

Wolf (1987: 173-192), muito oportunamente, classifica os cri- térios de valor-notícia em critérios relativos ao conteúdo (impor- tância e interesse das notícias), critérios relativos ao produto (que têm a ver com a disponibilidade das informações e com as carac- terísticas do produto informativo), critérios relativos ao medium, critérios relativos ao público e critérios relativos à concorrência.

Teun A. van Dijk (1990: 174) também oferece pistas para a sistematização dos valores-notícia. Para este autor, existem valo- res jornalísticos formulados em termos económicos (lucro, ven- das, etc.), embora ele considere que as limitações provenientes das condições económicas devem ser entendidas, antes de mais, como factores materiais, ainda que sejam importantes na forma- ção ou conformação dos valores-notícia.

onada com as rotinas e a produção de notícias numa organização, no seio de uma atmosfera competitiva. Por exemplo, a aspiração que os jornalistas denotam de obter a notícia mais rápida e fide- dignamente que os seus companheiros enquadra-se nesta catego- ria. (Van Dijk, 1990: 174-175) Porém, segundo o autor, a organi- zação da produção jornalística privilegiaria acontecimentos pro- duzidos/definidos por figuras públicas e sectores preponderantes da vida social e política, reproduzindo uma estrutura social favo- rável a essas elites (Van Dijk, 1990: 174), uma realidade bastante referenciada nos cultural studies.

Para explicar a noticiabilidade, Van Dijk (1990: 175-181) põe o acento tónico nas limitações cognitivas dos jornalistas. A par- tilha de determinadas imagens do mundo pelos jornalistas seria uma dessas limitações. As imagens do mundo e demais limita- ções cognitivas definiriam os critérios de valor-notícia dos jorna- listas: 1) novidade; 2) actualidade; 3) pressuposição (a avalia- ção da novidade e actualidade pressupõe conhecimentos prévios; além disso, segundo o autor, os acontecimentos e os discursos só seriam entendíveis mediante o recurso a informação passada); 4) consonância com normas, valores e atitudes compartilhadas; 5) relevância (para o destinatário da informação); 6) proximidade (geográfica, social, psico-afectiva); e 7) desvio e negatividade (psicanaliticamente, a atenção ao crime, aos acidentes, à violên- cia, etc., funcionaria como um sistema emocional de autodefesa: ao contemplarem-se expressões dos nossos próprios temores, o facto de serem outros a sofrer com as situações proporcionar-nos- ia tanto alívio como tensão).

Num estudo de 1980, de Nisbett e Ross, encontra-se o carác- ter “vivo” (vivid) de uma história como um dos factores que mais pode influenciar a sua passagem pelos pontos de filtragem de in- formação, uma vez que conferiria força à história. Embora, na mi- nha opinião, tal possa remeter-se para o tantas vezes referenciado "interesse humano", a informação vivid, segundo os autores, pode descrever-se como “Informação (. . . ) que tanto procura atrair e reter a nossa atenção e excitar a imaginação como é (a) emocio-

nalmente interessante, (b) concreta e suscitadora de imagens e (c) próxima num sentido temporal, espacial ou afectivo (. . . ).” (Nis- bett e Ross, 1980: 45)

Fraser Bond (1962) disse que “O que o público quer carrega o significado económico de ser aquilo que ele compra. (. . . ) Ao repórter inteligente não escapam nunca as tendências do mer- cado.” Assim, segundo esse professor norte-americano, para o êxito comercial importaria privilegiar histórias relacionadas com os interesses próprios da audiência e também as que envolvessem dinheiro, sexo, crime, culto do herói e da fama, conflitos (guer- ras, greves, homem contra a natureza, pessoa contra a sociedade, conflitos entre grupos políticos e económicos, etc.), descobertas e invenções.

À luz da teoria dos usos e gratificações, poderia dizer-se que o ser humano tende a interessar-se pela informação jornalística que lhe proporciona algum proveito. Por isso, a relação evento-notícia será, necessariamente, baseada, pelo menos em parte, numa ló- gica comercial: A valorização ou desvalorização dos aconteci- mentos resultaria, portanto, parcialmente, da submissão da ocor- rência à lógica discursivo-comercial dos news media. As notícias necessitam de seduzir para, num ambiente concorrencial, funci- onarem como uma mais-valia para um determinado órgão de co- municação social.

Nelson Traquina (1988) fala da actualidade como um factor de noticiabilidade: o tempo pode ser usado como “cabide” para outras notícias. Por exemplo, a notícia de um aniversário de um partido pode servir de pretexto para a difusão de outros enunci- ados jornalísticos sobre esse partido. A actualidade, em sentido estrito, é já um elemento que decorre do facto de uma notícia ser notícia.

Golding (1981: 74-75) sugeriu que os news values são basea- dos em três grupos de critérios: 1) a audiência; 2) a acessibilidade, no que diz respeito à “facilidade de captura” do acontecimento e à capacidade que a organização noticiosa possa ter de o abarcar na sua extensão; e 3) a adaptação, uma vez que o news item, além

de necessitar de fazer sentido em termos do que já é conhecido acerca do assunto, teria de ser consonante com factores como a pragmática das rotinas produtivas, as capacidades técnicas e or- ganizacionais e os constrangimentos organizacionais.

Na mesma linha, Altheide (1976: 112-113) insiste na perspec- tiva prática dos acontecimentos, isto é, mais ou menos, na factua- lidade destes, enquanto critério de valoração do que é susceptível de se tornar notícia. Não deixa, porém, de relevar que essa forma de abordar o mundo, limitada no tempo e nos recursos, tenderia a descontextualizar o acontecimento do seu contexto para o recon- textualizar no seio do noticiário. Mauro Wolf (1987: 171), aten- tando no carácter tendencialmente descontextualizante da infor- mação jornalística, sustenta até que a noticiabilidade constitui um elemento de distorção involuntária (unwitting bias) na cobertura informativa operada pelos meios jornalísticos. Mais: a distorção involuntária estaria tão intimamente ligada às rotinas produtivas e valores profissionais que se reproduziria em cadeia em todas as fases do trabalho. (Wolf, 1987: 174)

A notícia resultaria, portanto, de um processo organizado e constrangido de fabrico que nela deixaria as suas marcas, até por- que só seria notícia o que fosse perspectivado como notícia no seio da cultura profissional dos jornalistas e da cultura própria do meio social envolvente. Excepto em casos excepcionais, só se- ria notícia o que pudesse ser processado pela organização notici- osa sem grandes sobressaltos ou complicações no ciclo produtivo. (Altheide, 1976: 112-113 e 179)

Em síntese, julgo poder dizer que a noticiabilidade, a selecção e a hierarquização informativa de acontecimentos e dados sobre esses acontecimentos passam por critérios que, em jeito de con- clusão, parecem partilhar (a) influências pessoais (como as idi- ossincrasias de um jornalista), (b) um pendor social, sobretudo organizacional, por exemplo, relacionado com a postura social da organização noticiosa (como a inter-relação desta com os restan- tes news media), (c) um pendor ideológico, visível, por exemplo, no destaque noticioso dado às figuras-públicas do poder político e

económico e (d) um pendor cultural, resultante das culturas profis- sional, de empresa e do meio. Por exemplo, em agências como a portuguesa Lusa, em parte dependentes do Estado, o carácter ins- titucional da informação é algo que transparece, à luz desses fac- tores, como dando valor acrescentado à informação e, portanto, é um critério de valor-notícia (Sousa, 1997).

Ainda poderíamos falar de critérios associáveis a uma acção do meio físico e tecnológico. Por exemplo, o que é difícil foto- grafar tenderá, em princípio, a ser desprivilegiado na cobertura fotojornalística dos acontecimentos, uma vez que sobressaltaria e complicaria os processos de fabrico de foto-informação. Em acréscimo, há coisas que são impossíveis de fotografar, até porque não são visualizáveis, e há conceitos que só podem ser sugeridos (amor, inflação, etc.).

No documento Elementos de jornalismo impresso (páginas 38-45)