• Nenhum resultado encontrado

CRITÉRIOS METODOLÓGICOS DE “THE AUTHORITARIAN PERSONALITY”

Na esteira do materialismo interdisciplinar, o projeto de pesquisa caminhou em direção de uma metodologia que visava eliminar o abismo existente entre especulação e ciências especializadas. No Prefácio escrito para a obra, Horkheimer menciona exatamente essa metodologia como diretriz de todo o estudo: “Penso que [tais esforços metodológicos no campo

das ciências sociais], não é a reunião de meros arranjos mecânicos do trabalho realizado em vários campos de estudo, como em simpósios ou livros didáticos, mas a mobilização de diferentes métodos e habilidades, desenvolvidos em distintos campos de teoria e investigação empírica, para um programa de pesquisa comum” (HORKHEIMER, 1969, p. X, tradução nossa).

Para tanto, os autores levaram em consideração a utilização de instrumentos de pesquisa variados (quantitativos e qualitativos), que permitiram tanto o acesso aos dados empírico, quanto à interpretação especulativa das informações colhidas e confrontadas. Ou seja, mais do que a simples rigidez do dado estatístico ou da mera sobreposição empírica na especulação filosófica, os autores estavam interessados em captar o objeto da pesquisa em sua singularidade, isto é, o elemento axiológico da resposta ou as motivações psicológicas que orientavam as opiniões dos indivíduos.

O problema da quantificação tem atormentado todos aqueles que trabalham com testes projetivos, documentos pessoais ou outros materiais clínicos qualitativos. As tentativas em torno de realizar a precisa medição e do tratamento estatístico complexo resultaram, geralmente, em quantificação em detrimento do significado, na confiabilidade sem validade. [...] Essas dificuldades são ainda maiores quando, como no caso presente, está interessado no conteúdo psicológico primário da resposta – no que o indivíduo busca ou sente, valora ou experimenta. Parecia, no entanto, que poderia ser encontrado um meio intermediário entre a quantificação precisa e a gestalt clínica total. O compromisso escolhido foi marcado por meio de categorias qualitativas (ADORNO; et al., 1969, p. 548, grifo do autor, tradução nossa). Para auxiliar as análises qualitativas, Adorno et al (1969) adotaram em The Authoritarian Personality as chamadas escalas de medição, comuns para a época, porém voltadas estritamente para o objeto de estudo em questão: investigar o sujeito potencialmente fascista, cuja estrutura torna-se de tal modo suscetível à propaganda antidemocrática (ADORNO; et al., 1969). Nesse sentido, conforme apresentado na primeira parte da obra – Medição das Tendências Ideológicas –, é possível observar inicialmente a existência de três escalas: Escala do Antissemitismo (AS), Escala do Etnocentrismo (E) e a Escala do Conservadorismo Político-Econômico (CPE). A partir da correlação dos resultados apresentados nestas escalas, os autores construíram uma quarta, a Escala do Fascismo (F), cujo propósito não era apenas substituir as anteriores, mas também mensurar a implicação destes fenômenos apresentados (antissemitismo, etnocentrismo e conservadorismo político- econômico) em lugares onde a discussão franca de questões étnico-raciais seria impossível ou problemática. Por isso que a função-base desta última escala era justamente medir tendências

implícitas e latentes do fascismo.

Para a construção destas escalas, os autores serviram-se de inúmeras metodologias de pesquisa empírica, que, de modo geral, foram implementadas tanto a partir de questionários, como de outras técnicas clínicas.

Com relação aos questionários, foram aplicados de três tipos: a) Perguntas sobre fatos: que se referiam aos grupos que o sujeito pertenceu ou ainda pertence, como partidos políticos, associações e igrejas; b) Perguntas projetivas: que se referiam a perguntas abertas que, por meios de estímulos ambíguos de caráter emocional, permitiam aos sujeitos questionados uma grande variedade de respostas, porém, relacionadas a processos mais profundos e subjetivos da própria personalidade; c) Escalas de opinião: que se referiam a pesquisas de opinião com o intuito de obter estimativas quantitativas de certas tendências ideológicas superficiais, como o antissemitismo, etnocentrismo e conservadorismo político-econômico (ADORNO; et al, 1969). No que diz respeito às ‘técnicas clínicas’, os autores utilizaram os seguintes procedimentos: a) Entrevistas: realizadas em indivíduos que apresentavam altas e baixas pontuações nas escalas, podendo ser entrevistas tanto de caráter ‘ideológico’ (isto é, que levava o sujeito a falar com maior liberdade sobre diversos tema ideológicos, como política, religião, minorias, vocação etc.), como ‘clínico-genético’ (ou seja, que leva o sujeito a falar sobre sua história de vida, sentimentos, família, percepções futuras etc.); b) Testes de Apercepção Temática (TATs)74: realizados para complementação dos dados coletados nas técnicas

anteriores, com o objetivo de, uma vez interpretado, revelar desejos, conflitos subjacentes e mecanismos de defesa dos indivíduos (ADORNO; et al, 1969).

A amostra da pesquisa foi aplicada com 2.099 norte-americanos nativos, residentes de San Francisco, Los Angeles, Washington e outras localidades do Estado de Oregon, de 20 a 35 anos, brancos, escolarizados, de classe média e não pertencentes a nenhum grupo minoritário ou partido político. Também participaram das amostras 110 detentos da prisão estadual de San Quentin e 121 pacientes da Clínica psiquiátrica da Universidade da Califórnia.

Sobre as ‘escalas de opinião’, torna-se interessante um destaque especial, tendo em vista a sua importância basilar para a construção das escalas AS, E, CPE e F. Para a organização

74 O Teste de Apercepção Temática (TAT) trata-se de um teste projetivo, desenvolvido em 1935 por Henry Murray

(1893-1988) com o objetivo de medir determinadas características e motivações da personalidade. Também conhecido como técnica de interpretação de figuras, sua metodologia consiste no uso de uma série padronizada de figuras ambíguas, sobre as quais o indivíduo testado deve relatar uma história que contenha aspectos como: o que levou à situação apresentada, o que acontece no momento, o que sentem e pensam os personagens envolvidos, como a história termina etc. O uso de tais figuras serve para encorajar o indivíduo a expressar seus conflitos emocionais.

deste tipo de questionário os autores utilizaram o método Likert75, uma metodologia de pesquisa

de opinião que se baseia em respostas que especificam um grau de concordância/discordância parcial ou total com relação a uma determinada afirmação. Essa técnica de coleta de dados, apesar de superficial, possibilitou o acesso a algumas respostas primárias que se tornaram fundamentais para a compreensão, de um lado, tanto daqueles padrões e características da personalidade (atitudes dos indivíduos com relação pessoas ou instituições), como, de outro, daqueles posicionamentos ideológicos sobre questões políticas e econômicas. Vale salientar, que a escolha do método Likert seguiu não somente critérios estatísticos, mas também convicções e pressupostos teóricos que acompanharam a pesquisa como todo e que, por sua vez, facilitaram a transição dialética entre o quantitativo e o qualitativo:

Usamos o método Likert para a construção das escalas. É mais fácil de aplicar e requer menos quantidade de itens do que o método Thurstone, porém produz resultados igualmente confiáveis e geralmente comparáveis. Quisemos evitar os pressupostos e dificuldades no uso de juízos que o último método implica. [...] Com o método Likert é possível medir a intensidade de opiniões e atitudes, fazendo com que o sujeito indique o grau de acordo ou desacordo com cada item; isso possibilita uma determinação mais adequada de diferenças sutis entre grupos e indivíduos, e facilita a análise qualitativa dos padrões de respostas individuais. Este método também permite a cobertura de uma área mais ampla de opiniões e atitudes. Finalmente, a técnica Likert de análise de itens foi particularmente adaptada à abordagem teórica geral desta pesquisa (ADORNO; et al., 1969, p. 58-59, tradução nossa).

Os questionários que resultaram na construção das escalas foram aplicados inúmeras vezes, com a intenção de captar aquelas informações primárias a respeito de opiniões, valores e atitudes do indivíduo com relação a judeus e grupos minoritários. De modo geral, tais

75 O método Likert – desenvolvida em 1932 por Rensis Likert (1903-1981) – é um tipo de teste psicométrico que

visa a construção de escalas por meio de respostas geralmente coletadas em questionários de pesquisa de opinião. Cada questão ou afirmação a ser respondida constitui um “item”, para o qual os entrevistados especificam seu nível de concordância/discordância total ou parcial com relação à afirmação que ele apresenta. A construção dos itens segue os critérios correspondentes ao objeto da pesquisa. As respostas para tais itens são geralmente organizadas a partir de 5 níveis: 1) Concordo totalmente; 2) Concordo parcialmente; 3) Indiferente; 4) Discordo parcialmente; 5) Discordo totalmente. Para a conferência dos resultados, ao final do questionário, as respostas podem ser analisadas separadamente ou partir da soma de escores estipulados para cada item – esse valor é, obviamente, atribuído segundo os critérios determinados pelo próprio pesquisador. Por meio dos resultados obtidos e/ou somados torna-se possível, então, a construção das chamadas “escalas”. No entanto, a organização dos itens a partir de 5 níveis não é um consenso entre os pesquisadores, podendo sofrer, nesse caso, pelo menos duas diferenças: 1ª) há pesquisas que optam por uma organização formada por 7 ou até 9 itens, com o intuito de apresentar resultados mais diversificados; 2ª) há pesquisas que preferem não apresentar – para a resposta ao item – a opção “indiferente”, justamente para forçar o entrevistado a escolher uma resposta positiva ou negativa e, com isso, evitar respostas dissimuladas a partir da noção de “neutro”. Neste último caso, a disposição das afirmações- respostas pode ser organizada a partir de 4, 6 ou 8 níveis – uma vez que não consta a presença da opção “indiferente”. Em The Authoritarian Personality foi utilizada uma estrutura formada por 6 níveis de resposta (com uma variação entre -3 e +3), sem a presença da opção neutral “indiferente”.

questionários eram formados por pequenas frases extraídas de textos jornalísticos, literários, escritos técnicos ou simplesmente de falas retiradas do cotidiano das pessoas, como por exemplo: “A perseguição aos judeus seria largamente eliminada se os judeus fizessem esforços realmente sinceros para se livrarem de suas falhas prejudiciais e ofensivas” (ADORNO; et al, 1969, p. 84, tradução nossa); “Há algo inerentemente primitivo e incivilizado no negro, como se mostra em sua música e em sua extrema agressividade” (ADORNO; et al, 1969, p. 105, tradução nossa); “A principal ameaça às instituições básicas americanas durante este século veio da infiltração de ideias, doutrinas e agitadores estrangeiros” (ADORNO; et al, 1969, p. 108, tradução nossa).

Para cada item ou frase eram oferecidos aos indivíduos seis alternativas (ou níveis) de resposta, nas quais continham as opções de acordo ‘leve’, ‘moderado’ ou ‘forte’, bem como os mesmos graus de desacordo, com uma variação entre -3 e +3. A não existência da alternativa mediana ou neutra – como por exemplo ‘indiferente’ – forçava os entrevistados a optar por uma resposta positiva ou negativa, evitando assim a possibilidade de respostas dissimuladas, que nada acrescentariam para a análise dos dados76. Após os questionários, as respostas foram

convertidas em pontos a partir de um critério de pontuação padronizado previamente. Os escores finais seguiam, portanto, a soma de tais pontos, formando assim as suas respectivas escalas77. Tal procedimento foi aplicado para a construção de todas as escalas.

Tabela 3 – Níveis de respostas e critérios de escores das escalas AS, E, CPE e F

Acordo Escore Desacordo Escore

(+1) Leve apoio 5 pontos (-1) Leve oposição 3 pontos (+2) Moderado apoio 6 pontos (-2) Moderada oposição 2 pontos (+3) Forte apoio 7 pontos (-3) Forte oposição 1 ponto

Fonte: ADORNO; et al, 1969, p. 68-72, adaptada

Levando em consideração o alto índice de correlação entre as escalas AS e E, bem como um satisfatório grau de correlação entre as escalas E e CPE – como veremos adiante –,

76 “O procedimento utilizado para todas as escalas na presente pesquisa foi o de oferecer seis alternativas de

resposta para cada item: acordo leve, moderado ou forte, e os mesmos graus de desacordo, sem a opção da categoria média ou neutra. Cada assunto indicou o grau do seu acordo marcando +1, +2 ou +3, ou desacordo em -1, -2 ou - 3” (ADORNO; et al, 1969, p. 71, tradução nossa).

77 “As respostas foram convertidas em pontos por meio um sistema de pontuação uniforme. Uma vez que os escores

mais altos foram planejados para expressar o aumento do antissemitismo, todas as respostas foram classificadas da seguinte forma: -3 = 1 ponto; -2 = 2 pontos; -1 = 3 pontos; +1 = 5 pontos; +2 = 6 pontos; +3 = 7 pontos” (ADORNO; et al, 1969, p. 71-72, tradução nossa).

os autores levaram em consideração a existência de uma quarta escala – Escala F – que não tinha a função de substituir as três primeiras, mas de utilizá-las como instrumento de mensuração de tendências implícitas e não manifestas na personalidade dos indivíduos.

2.2 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS ESCALAS E APLICAÇÃO DOS