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1.4 OS PROJETOS PRECURSORES DE “THE AUTHORITARIAN PERSONALITY”

1.4.2 As Pesquisas do Instituto nos Estados Unidos (1936-1951)

1.4.2.2 Projeto de Pesquisa sobre o Antissemitismo

O Research Project on Anti-Semitism (Projeto de Pesquisa sobre o Antissemitismo), publicado originalmente em 1941, pelo Zeitschrift für Sozialforschung (Revista de Pesquisas Sociais) – editado nos Estados Unidos como Studies in Philosophy and Social Science (Estudos em Filosofia e Ciências Sociais) –, já se situava nos planos gerais do Instituto há alguns anos. No prefácio escrito por Horkheimer (1941), é possível notar tanto a presença de tal projeto como parte dos anseios do Instituto, como também a necessidade de seu desenvolvimento em projetos futuros.

O projeto de pesquisa resumido abaixo formula certos problemas que o Instituto de Pesquisas Sociais pretendia investigar há cerca de um ano. As condições mundiais do mundo, no entanto, levaram a outros problemas sociais mais urgentemente ligados aos interesses americanos e nos obrigaram a adiar nossa intenção original. O Instituto planeja, no entanto, retornar a esse projeto no devido tempo. [...] Conforme publicado aqui, o projeto não contém apenas problemas de pesquisa, mas concepções teóricas que, em parte, foram realizadas através de pesquisas anteriores e que, em certa medida, deveriam ser avaliadas através de investigações futuras. Será desnecessário, portanto,

dizer que nenhuma dessas teses será tratada como dogma, uma vez que a pesquisa real seja realizada (HORKHEIMER, 1941, p. 121, tradução nossa). Segundo Wiggershaus (2002), a promessa de realizar um projeto sobre o antissemitismo havia sido realizada desde a fundação do Instituto, ainda sob a direção de Grünberg. Com Horkheimer, a ideia foi, porém, amadurecida e viabilizada desde o seu discurso de posse em 1931. Em passagem do texto Experiências Científicas nos Estados Unidos, Adorno também faz referência ao projeto do antissemitismo como uma recorrente aspiração existente no programa de pesquisa do Instituto:

Ainda no período em que estivemos em Nova Iorque, Horkheimer havia empreendido, em vista dos horríveis acontecimentos ocorridos na Europa, investigações sobre o problema do antissemitismo. Havíamos traçado e publicado em comum com outros membros do nosso Instituto o programa de um projeto de pesquisa, ao qual recorreríamos depois com frequência. Continha, entre outras coisas, uma tipologia de antissemitas que, amplamente modificada, reapareceria nos trabalhos posteriores (ADORNO, 2005a, p. 159).

Para Horkheimer, mais do que delinear um tema, o objetivo era promover um trabalho de caráter crítico e interdisciplinar como diretriz da pesquisa social realizada pelo grupo: “A publicação do projeto na presente edição pode ajudar a esclarecer a concepção de pesquisa social crítica” (HORKHEIMER, 1941, p. 121, tradução nossa). Adorno é mais pontual, no entanto, ao identificar esse problema de pesquisa como dilema atual a toda cultura. Nesse sentido, o projeto sobre o antissemitismo não estaria motivado apenas pelo interesse metodológico, mas também ideológico, uma vez que a sua pesquisa implicaria tratar não só do antissemitismo em si, mas de outras formas intolerâncias e preconceitos: “O objetivo deste projeto é mostrar que o antissemitismo é um dos perigos inerentes a toda a cultura mais recente” (ADORNO, 1941, p. 124, tradução nossa).

De acordo com Antunes (2014), o Research Project on Anti-Semitism foi precursor para as pesquisas dos Studies in Prejudice realizadas entre 1945 a 1947, uma vez que possibilitou, por um lado, o refinamento dos instrumentos metodológicos quantitativos e qualitativos, como também, por outro lado, a gradual mudança de foco, que deixou de se pautar unicamente pelo antissemitismo e passou a trabalhar no exame dos padrões ideológicos do preconceito e sua influência na personalidade dos indivíduos. Por isso a necessidade de se estudar o antissemitismo a partir de suas raízes psicológicas individuais e sociais:

e ineficaz devido à falta de conhecimento de suas raízes psicológicas, tanto individuais como sociais. Apesar de muitas obras excelentes escritas sobre o assunto, o antissemitismo ainda é considerado também de forma casual e visto de forma superficial, mesmo por aqueles que são afetados imediatamente (ADORNO, 1941, p. 124, tradução nossa).

Do ponto de vista metodológico, Horkheimer chama a atenção para o pressuposto dialético e crítico que permeia o desenvolvimento dos conceitos. Ou seja, a formação dos conceitos precisa ser compreendida como um processo histórico, imanente à própria realidade empírica, porém, sem se confundir com a fragmentação dos próprios fatos. O objetivo é encontrar uma maneira de utilizar criticamente a indução65, sem, com isso, recorrer ao método

positivista tradicional, assegurando assim que o processo de formação dos conceitos não recaia nem na totalização hipostasiada, muito menos na fragmentação positivista:

As categorias devem ser formadas através de um processo de indução que é o inverso do método indutivo tradicional, no qual a verificação de suas hipóteses ocorre através da coleta de experiências individuais até atingir o peso das leis universais. A indução na teoria social, ao contrário, deve buscar o universal dentro do particular, não acima ou além dele; e, ao invés de se mudar de um particular para outro e depois para as alturas da abstração, deve aprofundar e aprofundar cada vez mais o particular e descobrir a lei universal nele contida (HORKHEIMER, 1941, p. 122, tradução nossa).

O texto de apresentação do Research Project on Anti-Semitism, de autoria de Adorno, foi dividido em sete seções. Na seção I, intitulada como Teorias atuais sobre o Antissemitismo, o autor apresenta justamente uma análise crítica das principais teorias de época relacionadas ao antissemitismo, divididas, por sua vez, em dois grupos: racionalistas (que mascaram ou racionalizam o antissemitismo como um fenômeno estereotipado pelos próprios judeus) e antissemitas (que se apresentam abertamente como antissemitas). De acordo com Adorno, tais teorias apresentam aspectos lacunares e, por isso, precisam ser analisadas a partir de estruturas psíquicas subjacentes (ADORNO, 1941).

A segunda seção – Antissemitismo e movimento de massa – tinha como objetivo não a apresentação da história do antissemitismo, mas revelar, por meio de eventos históricos selecionados, um conjunto de tendências sociopsicológicas que se apresentam como padrões característicos do antissemitismo como um todo. No entanto, lembra o autor, que tais tendências não seriam necessariamente exclusivas contra judeus – mas até mesmo em atividade realizadas

65 “O conceito geral [universal] não é, portanto, dissolvido em uma multidão de fatos empíricos, mas é concretizado

na análise teórica de uma dada configuração social e relacionada à totalidade do processo histórico, do qual é uma parte indissolúvel. Essa análise é essencialmente crítica” (HORKHEIMER, 1941, p. 122, tradução nossa).

contra grupos não-judeus (ADORNO, 1941). Logo, o interesse não era identificar padrões de comportamentos destrutivos apenas contra judeus, mas presentes de modo implícito em todo e qualquer contexto social – especialmente quando motivados por movimentos de massa: “A recorrência do castigo e destruição em toda a história mais recente levou à luz sobre características do caráter destrutivo que permaneceram latentes em amplos segmentos da população, mesmo durante períodos ‘silenciosos’” (ADORNO, 1941, p. 126, tradução nossa).

Na terceira seção, Antissemitismo e Humanismo Moderno, Adorno levou em consideração que o conteúdo do antissemitismo também pode se fazer presente, de modo implícito e inconsciente, em obras de autores considerados eruditos e humanistas, como Voltaire, Herder, Kant, Fichte, Hegel e Goethe. O reconhecimento da existência destas ambiguidades implícitas em discursos humanistas não tinha função de acusar tais autores de insinceridade, mas em promover uma análise a respeito das origens escondidas e camufladas do antissemitismo (ADORNO, 1941).

Na quarta seção, Tipos de Antissemitas nos dias atuais, Adorno apresenta uma tipologia composta por nove tipos de antissemitas presentes no cotidiano, porém, geralmente imperceptíveis pelas pessoas: “A classificação não pretende distribuir grandes grupos de indivíduos entre esses tipos, mas apenas para formular com precisão teórica várias possibilidades extremas de atitudes antissemitas” (ADORNO, 1941, p. 113, tradução nossa). Derivada de outras tipologias criadas a partir de trabalhos anteriores do Instituto, o propósito do projeto era comprovar a decorrência destes nove tipos de antissemitas mediante a análise dos resultados da pesquisa. São eles:

Tabela 2 – Tipos de Antissemitas

Tipos Características

Antissemita de “nascença”

Não suporta o judeu por conta de seus traços naturais (pés planos, nariz achatado, gesticulação, sotaque etc.). Trata-se de uma rejeição sem qualquer justificativa racional.

Antissemita

Filosófico-religioso Rejeita o judeu por conta de sua religião hostil – o judaísmo –, responsável pela crucificação de Cristo e por se manter impenitente por milhares de anos. Antissemita Sectário

O mundo imaginário do antissemita sectário é dominado pela noção da conspiração. Por conta disso, a sua rejeição aos judeus decorre por acreditar que o mundo será dominado por eles algum dia.

Antissemita Competidor Derrotado

Por pertencer a classes sociais mais baixas – que normalmente são obrigadas a comprar e dever para os judeus –, seu ódio não decorre de características naturais ou ideológicas, mas da dependência de certas relações econômicas impostas pelo judeu.

Antissemita de “boa família”

Por se colocarem numa situação de superioridade, próprio da classe alta burguesa, rejeitam os judeus por acharem que são barulhentos, mal-educados, ranzinzas, intrusivos e interesseiros.

Antissemita “Condottiere”

Formado tanto pela massa de desempregados pós-guerra, como também por aventureiros ou profissionais que exercem tarefas de “risco” ou “perigo”. Os primeiros estão inclinados a odiar os judeus porque estão suscetíveis a seguir qualquer líder; os segundos porque racionalizam a perseguição antissemita como um ideal heroico.

Antissemita Instigador do judeu

São potencialmente sádicos e fazem uso do antissemitismo como pretexto para sua fúria reprimida. Por isso, tendem a odiar qualquer tipo de humanitarismo, compreendido como apologia à fraqueza.

Antissemita político- fascista

Frio e calculista, planeja a perseguição de forma organizada. Não só persegue, mas também cria o ambiente ideológico para a perseguição. Goebbels é a encarnação do antissemita político-fascista.

Antissemita amante do judeu

Trata-se de um antissemitismo camuflado, que é decorrente de uma compensação psicológica do ódio por meio de uma adoração exagerada ou amigável ao judeu. Sente a necessidade de expressar uma relação amigável como resultado de uma rejeição mal resolvida.

Fonte: ADORNO, 1941, p. 134-137, adaptada, tradução nossa.

Essa tipologia foi considerada, de acordo com Adorno, tanto do ponto de vista psicológico como social, com a função de formular com precisão um número razoável de possibilidades relativas ao comportamento antissemita, que se colocavam aqui como possibilidades ideais – e jamais como classificações reais –, passíveis de serem combinadas em uma mesma pessoa, seja declaradamente antissemita ou não (ADORNO, 1941).

Na quinta seção, Os judeus na sociedade, o autor sente a necessidade de procurar uma explicação para as causas de determinados traços do caráter judeu, aos quais os antissemitas reagem de modo negativo. Por isso, essa seção preocupou-se em analisar e conhecer o papel do próprio judeu na sociedade. Segundo Adorno, de modo geral: “essas causas encontram suas raízes na vida econômica dos judeus, em sua função particular na sociedade e nas consequências de sua atividade econômica” (ADORNO, 1941, p. 137, tradução nossa). A partir dessa noção geral, Adorno apresenta especificamente de que modo o judeu passou a ser visto a partir de algumas de suas funções desempenhadas, obviamente, estereotipadas de modo negativo, como:  Aquele que se especializa no trabalho sujo: pelo fato da atividade econômica dos judeus estar amplamente restrita ao comércio e às finanças – até mesmo por conta de sua exclusão das ocupações imediatamente produtivas –, o judeu passou a ser interpretado pela massa como aquele que vive como uma espécie de “parasita”, isto é, às custas da exploração de outros (ADORNO, 1941, p. 137).

 Aquele que se empenha para a realização de um capital não produtivo: se por um lado, inúmeras pessoas ganham a vida pelo trabalho e pelo comércio legal (capital produtivo), o judeu é aquele que se enriquece por meio do empréstimo, isto é, de uma função não produtiva para a sociedade (ADORNO, 1941, p. 137-138).

 Aquele que representa e faz valer a lei racional do credor: nesse caso, em vista de suas inúmeras funções como banqueiros e mercadores, a massa passou a enxergar no judeu a figura daquele algoz da lei, que pune o devedor para salvaguardar a propriedade do credor; com isso, o ressentimento popular contra do credor judeu faz compreendê-lo como uma figura social negativa (ADORNO, 1941, p. 138).

 Aquele que possui uma mentalidade calculista e fria: ou seja, não importa o que se negocia ou quem faz o negócio; o importante são as questões relativas ao valor e ao lucro, elemento que cria uma noção abstrata de ser humano a partir da lógica economicista. O judeu é aquele que, no julgamento popular, não se preocupa com o ser humano, mas com o dinheiro (ADORNO, 1941, p. 138-139).

 Aquele que representa uma raça afeita às características perversas destacadas acima. Ou melhor, na visão do antissemita, o judeu não é aquele que apenas ‘aprendeu’ a ser perverso financeiramente, mas que herdou tal perversidade por conta de um fator racial e genético. Essa visão naturaliza o judeu como figura socialmente negativa (ADORNO, 1941, p. 139).

A sexta seção, Alicerces do Antissemitismo no Nacional Socialismo, tinha o objetivo de compreender o ambiente político-ideológico que possibilitou o antissemitismo nazista, a partir de três aspectos: a) os antecedentes históricos no Nacional Socialismo; b) a mudança da função do dinheiro; c) a importância da propaganda do antissemitismo.

a) Com relação aos antecedentes do Nacional-Socialismo, Adorno traçou, portanto, aqueles aspectos da política alemã que levaram à decadência da República de Weimer66 e a

escolha do projeto da classe radical trabalhadora como política de renovação da Alemanha. Com isso, os próprios alemães escolheram uma ditadura sem uma ideia clara do que estava por vir, ou seja, entre os extremos da antiga classe dominante e o setor radical dos trabalhadores, preferiram optar em favor do segundo, sem, porém, estarem aptos a construir uma política forte (ADORNO, 1941, p. 140).

66 Adorno afirma que a queda da República de Weimer pode ser sintetizada a partir de dois motivos centrais: a)

pela impossibilidade de um parlamento voltado para os ideais da classe trabalhadora: segundo Adorno (1941, p. 140, tradução nossa), “os comunistas, Socialdemocratas e Nacional-socialistas, juntos somavam 55,9% dos de todos os votos em dezembro de 1930”. Isso quer dizer que, a bancada democrata, que já tinha se vendido para industriários (que expropriavam o povo), bem como para a própria prática antidemocrática das sanções executivas de “gabinete” – sem o aval do legislativo –, já não representava a maioria do parlamento. b) Pelas políticas de tolerância entre os poderes dos partidos democratas e os junkers prussianos. Os junkers prussianos eram os assim chamados membros da nobreza, geralmente constituída por grandes proprietários de terras nos estados alemães, num período anterior e durante o Segundo Reich (1871-1918). Obviamente que, tal aliança não representava os ideais de nenhum dos três partidos com maioria no parlamento (comunista, socialdemocrata ou nacional- socialista).

b) No que diz respeito à mudança do dinheiro, Adorno explica: a partir da tomada desta opção política, outras também foram realizadas no campo da economia. Ou seja, com a planificação da economia – que substituiu a economia de mercado pela economia administrada pela burocracia estatal do Nacional-Socialismo –, as regras dos bancos e dos investidores privados foram modificadas, o que promoveu um ataque maior da política do Terceiro Reich aos judeus (ADORNO, 1941, p. 140).

c) No entanto, a sistemática perseguição contra os judeus só foi possível por conta das inúmeras propagandas antissemitas: tais discursos não atacavam diretamente o judeu, mas incentivavam a massa a reconhecer nele a possibilidade da saída do estado de exploração para o de emancipação (ADORNO, 1941, p. 141-142).

Enfim, o Research Project on Anti-Semitism termina com a Seção experimental, que tinha como proposta analisar o antissemitismo a partir de procedimentos experimentais, de modo a desenvolver a tipologia criada anteriormente, como também captar comportamentos espontâneos que elucidassem as motivações psicológicas e sociais do antissemitismo. A proposta era coletar um grupo quantitativamente razoável de pessoas – de diversas regiões e classes sociais – e apresentar um determinado filme que tratasse direta ou indiretamente desta temática. O registro da pesquisa era justamente captar as inúmeras e diversas reações das pessoas às cenas apresentadas e, posteriormente, confrontá-las com as impressões pessoais relatadas nas entrevistas.

Um filme será feito, mostrando garotos entre 12 e 15 em cena. Uma discussão e uma luta acontecem. [...] A cena termina, no entanto, com um menino sendo espancado pelo outro. Serão feitas duas versões do filme. Em uma, o menino espancado será encenado por um gentio [não judeu], em outra por um judeu. Outra variação será introduzida, mostrando cada uma dessas versões com dois personagens diferentes. Em uma versão, o menino golpeado terá um nome judeu e, na outra, um nome de cristão. Assim, o filme será mostrado em quatro combinações diferentes (ADORNO, 1941, p. 142, tradução nossa).

O procedimento da pesquisa era que cada grupo tivesse acesso a apenas uma das quatro versões67, para assim, no final da sessão, coletar separadamente os resultados relacionados à

culpa da briga ou ao comportamento do agressor. A ideia era identificar a variação da discriminação antissemita segundo cada versão apresentada, confrontando os resultados

67 Segundo o projeto, as quatro versões seriam: 1ª) menino não judeu espancado por um menino judeu; 2ª) menino

judeu espancado por um menino não judeu; 3ª) menino cristão espancado por um menino judeu; 4ª) menino judeu espancado por um menino cristão. Infelizmente, essa parte do projeto experimental foi cortada por falta de orçamento.

coletados em cada um dos grupos. O propósito da pesquisa experimental não era somente compreender os mecanismos de distribuição do antissemitismo nos Estados Unidos, mas também identificar, por meio de questões indiretas, aqueles desejos secretos que influenciam inconscientemente o padrão dos julgamentos (ADORNO, 1941).

Deve-se observar que, apesar dos Estados Unidos serem rivais da Alemanha nazista, não significava uma ampla abertura de suas fronteiras aos judeus. Wiggershaus (2002), por exemplo, fala que o sistema de cotas americano, do final da década de 30, previa a entrada de 27.230 pessoas vindas da Alemanha e da Áustria por ano – número esse que, na prática, nunca era atingido por conta de rígidas leis burocráticas e restrições administrativas para a imigração68. Não somente isso, mas também o silêncio do massacre nazista na sociedade

estadunidense era um sinal do crescimento velado do antissemitismo na democracia americana (ANTUNES, 2014).

Esse aspecto acima, aliado aos baixos recursos da sociedade em tempos de guerra, também influenciou as políticas de financiamento do Research Project on Anti-Semitism, que só pôde se concretizar efetivamente em 1943, com o apoio do American Jewish Commitee (AJC), aceitando financiar o projeto em vista de algumas exigências, como por exemplo: a pesquisa deveria ser coordenada por Horkheimer na Costa Oeste dos Estados Unidos, com o auxílio de Adorno; a experiência do filme foi cortada por questões financeiras; e a parte que tratava das causas econômicas e sociais do antissemitismo deveria ser implementada em Nova York (WIGGERSHAUS, 2002; ANTUNES, 2014)69.

Segundo Wiggershaus (2002), a parte psicológica, que ficou sob os cuidados de Horkheimer e Adorno, desenvolveu-se em três conjuntos de trabalhos:

a) No estudo de uma literatura especializada quanto aos aspectos psicológicos relacionadas às tendências destrutivas que fundamentavam o antissemitismo – parte essa, encomendada pela AJC, que recebeu duras críticas de Horkheimer70.

68 Para cada imigrante adulto era necessário a garantia ou caução de dois cidadãos americanos: um para assegurar

que imigrante potencial tinha condições financeiras para manter a si e sua família; outro para garantir a sua idoneidade moral (WIGGERSHAUS, 2002, p. 381).

69 Foi justamente nesse período que Horkheimer e Adorno iniciaram a redação da Dialética do Esclarecimento,

em Pacific Palisades, distrito de Los Angeles (Califórnia). Horkheimer tinha se mudado para esse local por recomendações médicas já no início de 1941, sendo acompanhado por Adorno.

70 Em carta de Horkheimer a Marcuse, de 17 de julho de 1943, escreve o seguinte: “Desde que decidimos que a

parte psicológica do projeto seria tratada aqui em Los Angeles, eu esquadrinhei a literatura a esse respeito. Não preciso lhe dizer que não acredito na psicologia como meio de resolver um problema tão sério. Não mudei em nada meu ceticismo para com essa disciplina. Portanto, emprego, no projeto, o termo psicologia para designar a antropologia, e antropologia no sentido da teoria do homem tal como ele se formou no contexto de uma sociedade antagonista. [...] Se nós conseguirmos descrever os processos pelos quais a dominação exerce sua influência até nos domínios mais afastados do espírito, teremos feito um belo trabalho. Mas, para isso, é preciso estudar uma

b) Na análise do conteúdo dos discursos e dos artigos de agitadores fascistas que se encontravam, principalmente, no sudoeste dos Estados Unidos a partir dos anos 30, com o intuito de descobrir quais motivações funcionavam como apelo às massas71.