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Croquer, parti, Beux-Arts

No documento À mão livre : croquis na era pós-digital (páginas 45-50)

1.2. Precedentes dos croquis

1.2.2. Croquer, parti, Beux-Arts

A tradição francesa da Escola de Belas Artes (Ècole des Beaux-Arts) espalhou-se pelo mundo ocidental difundindo um método muito próprio de projetar, que iniciava com o lançamento de ideias por meio do velho “parti” 43 (OLIVEIRA, 2015, p. 22) e que ocupou importante espaço nas práticas projetuais pré-modernas. No método Beaux-

Arts, o aluno do ateliê tinha que desenvolver seus projetos lançando o partido, ou seja,

estudos, esboços, croquis, essência, conceitos gerais, a totalidade da obra até a

apresentação final tinha que obedecer rigorosamente aos arranjos compositivos primordiais. O resultado era uma espécie de caminho ou percurso do todo às partes.

Edson Mahfuz em seu Ensaio sobre a razão compositiva, garante que “o primeiro passo no método Beaux-Arts é o desenvolvimento de um parti, que vem a ser a concepção mais básica de um edifício. (MAHFUZ, 1995, p. 16). Desde essa prática de expressão gráfica o croqui se fez presente, já que o domínio do desenho à mão era premissa para a atividade de projeto. A exploração do partido por meio de croquis elencava alternativas a serem empreendidas no processo de criação, que passava desde a escolha dos arranjos compositivos, pela seleção de elementos estilísticos até a solução final do projeto arquitetônico.

A Escola de Belas Artes de Paris influenciou a produção arquitetônica em todo o mundo. No Brasil, um exemplo do início do século XX é o Theatro Municipal do Rio de Janeiro (figura 23a), projeto de Francisco de Oliveira Passos (filho do então prefeito Francisco Pereira Passos), que contou com a colaboração do francês Albert Guilbert, o que pode explicar sua semelhança com a Ópera de Paris (1875), de Charles Garnier (figura 23b).

a b

Figura 23 - a. Elevação do Theatro Municipal, Rio de Janeiro (1904).44 b. Elevação da Ópera de Paris (1875), de Charles Garnier 45

A escola Beaux-Arts, entre os muitos estilos ensinados, também trouxe referências greco-romanas com ideias renascentistas, culminando com a exacerbação dos ornamentos gerados pelo ecletismo. Foi amplamente utilizado em prédios públicos e perdurou das últimas décadas do século XIX até a década de 1920.

44 Fonte: Disponível em: http://www.theatromunicipal.rj.gov.br/sobre/historia/, acesso 04/12/2019.

Mesmo diante dos cânones estabelecidos pelo academicismo e seus manuais de construção e composição da Ècole des Beaux-Arts, tal como o Précis des leçons

d'architecture, de Jean-Nicolas-Louis Duran (1760-1834) ou Élements et théories de l’architeture, de Julien Guadet (1834-1908), os avanços tecnológicos da revolução

industrial abriram espaço nas academias para a busca de uma nova lógica de projetos em que havia necessidade de construções mais racionalizadas, com maior controle modular e compositivo para as novas demandas. O final do século XIX, período de avanços da engenharia e de invenções técnicas, possibilitou a construir verdadeiros “gigantes de ferro e virgens de vidro” (GÖSSEL, LEUTHÄUSER, 1996, p. 17).

a b c

Figura 24 - Joseph Paxton. Palácio de Cristal, Londres (1851). a. croqui. b. perspectiva. c. obra Fonte: Disponível em < https://goo.gl/ctqUbd >, acesso em 17/03/19.

Na imagem anterior (figura 24a), vê-se à esquerda um croqui em corte esquemático e elevação do Palácio de Cristal, de Joseph Paxton (1803-1865), onde é possível observar as preocupações do projetista com a modulação e a racionalização da estrutura metálica, muito utilizadas em estufas e jardins de inverno da época. Enquanto a arquitetura buscava um novo estilo para a era da máquina, os avanços da engenharia civil deram grande clareza às construções, jamais alcançadas anteriormente. Talvez por suas múltiplas atividades de naturalista, ilustrador e jardineiro, algum resquício do homem do Renascimento, o arquiteto autodidata inglês transpôs soluções utilizadas inicialmente na construção de estufas para novos usos.

Desse período de transitoriedade ampliou-se o espaço para novas especulações formais para arquitetos e construtores (figura 25). As possibilidades construtivas engendraram novas concepções formais e proposições espaciais, trouxeram especulações inovadoras para a arquitetura, transpondo soluções da engenharia, que havia atingido sua maturidade técnica na construção de pontes e torres, para a arquitetura de edificações em ferro e vidro. (GÖSSEL, LEUTHÄUSER, 1996, p. 18).

Figura 25 - Friedrich Gilly, esboço de um salão com pilares, 1798. Fonte: CURTIS, 2008, p. 142

Os manuais da época traziam especificações para construções de várias categorias, como monumentos, vias e edifícios públicos, praças etc. Em Élements et

théories de l’architeture, 1863, nota-se a preocupação de Julien Guadet (1834-1908)46

em ensinar seus alunos a fazerem esboços sem nenhum suporte de desenho técnico. [...] O croqui é o meio mais rápido para progredir em sua arte, porque se não pode fazer um esboço de uma coisa sem examiná-lo cuidadosamente, penetrando-a em todos os sentidos... nem compasso, nem medidor, apenas o olho como o único instrumento de medição e avaliação proporcional. (grifos nossos) (GUADET, apud LAPUERTA, 1997, p. 15).

Figura 26 - Vista do templo da vitória ateniense, Atenas, Grécia. Fonte: GUADET, 1909, p. 228

Nesse ínterim, arquitetos como Eugène Emannuel Viollet-le-Duc (1814-1879), grande conhecedor da arquitetura clássica, inseriu ferro em elementos estruturais tentando conciliá-lo com as formas históricas (figura 27 b). Por sua vez, à medida que o

racionalismo estrutural foi ganhando espaço para novas soluções, as peças gráficas produzidas para a representação da arquitetura de transição também foram se transformando em busca de linguagens que se adequassem ao novo contexto. Teórico, Viollet-le-Duc escreveu “Entretiens sur l’architecture”, em 1863, propondo o uso apropriado dos materiais e a obediência das suas propriedades inerentes, como o ferro e o vidro, sob formas concordantes com o raciocínio das propriedades resistentes e não como substitutos de materiais tradicionais. Apesar disso, Villet-Le-Duc permaneceu sempre fiel à cultura historicista, trabalhando posteriormente no restauro da Catedral de Notre Dame-París, em 1857, a pedido de Napoleão Bonaparte. (GÖSSEL; LEUTHÄUSER, 1996, p 11).

a b

Figura 27 - Viollet-le-Duc: a. Heliogravura do jardim da casa Messire Gautier, Paris; b. Projeto não construído “Iron Column Loggia” Entretiens sur l’architecture, 1863.47

Mesmo diante dos manuais e do arcabouço técnico-decorativo que a École des

Beux-Arts de Paris disseminou pelo mundo, a arquitetura eclética culminaria com a

exacerbação de elementos decorativos, a saturação de estilos, possibilitando que gradativamente as vanguardas arquitetônicas do final do século XIX e início do XX emergissem.

[...] não era mais a tradição que estava sendo jogada fora, mas uma adesão servil, superficial e irrelevante a ela. O vilão em todos esses aspectos era frequentemente (e muitas vezes erroneamente) identificado como a École des

Beux-Arts de Paris, que era satirizada como o símbolo de tudo aquilo que era

ultrapassado e retrógrado. (CURTIS, 2008, p. 31)

Assim, os croquis do período Beaux-Artes foram dando espaço a novas investigações para o projeto, assumindo um papel fundamental no lançamento das ideias que posteriormente culminariam nas novas respostas e especulações formais impressas pelo modernismo, dando lugar à subjetividade, liberdade, abstração e síntese do novo movimento.

No documento À mão livre : croquis na era pós-digital (páginas 45-50)