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O Cristo, o mistério divino, manifesto no ser de Jesus não é o único símbolo revelado em sua vida. A cruz é o símbolo mais central de Jesus como o Cristo. Ela não relata um evento particular da vida de Jesus, mas o sentido e a direção de toda a existência de Jesus como o Cristo, ela apresenta a sujeição de Jesus às negatividades últimas da existência e o fracasso dessas negatividades em tentar separá-lo de sua união com Deus. O símbolo da cruz resume todos as descrições da sujeição de Jesus às condições da existência, ele resume a sujeição contida em todos os relatos que potencializam a sua fintude.

O símbolo da cruz ganha força a partir de toda historia da existência de Jesus; desde seu nascimento virginal até sua prisão no jardim do Getsemani ao longo da vida de Jesus os seus efeitos que revelam ora sua dignidade messiânica e ora sua humildade confirma e ratificam o símbolo da cruz.

A cruz não deveria ser separada destes traços, assim como eles deveriam ser interpretados em sua totalidade como expressões da sujeição daquele em quem o Novo Ser está presente nas condições da alienação existencial. No contexto da imagem bíblica, estas

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expressões, sejam míticas, lendárias, históricas ou uma mescla de tudo isto, como ocorre no símbolo da cruz a que servem de suporte, carecem de importância em si mesmas.218

O símbolo da cruz é a coroação de um momento histórico para a humanidade. Ele é o ápice de todos os eventos cuja evolução dá sentido à figura do Cristo na vida pessoal de Jesus. Os elementos que confirmam a figura do Cristo em Jesus tornam-se símbolo porque participaram potencialmente da realidade para qual apontavam eles só possuem sentido quando são vistos e compreendidos como símbolo.

O ponto fundamental era que os símbolos cristológicos constituem o meio pelo qual o fato histórico chamado Jesus de Nazaré foi recebido por aqueles que o consideravam o Cristo. Estes símbolos devem ser entendidos como símbolo e perdem o seu sentido se os interpretarmos literalmente.219

O símbolo da cruz revela um mistério porque correlaciona a finitude de Jesus e a sua superação da finitude, ou seja, a sua morte e sua ressurreição; é um símbolo que proclama a vitória daquele que venceu a alienação da existência por meio do esvaziamento da sua auto- doação.

O Cristo preexistente abandona sua forma divina, torna – se um servo e sofre a morte de um escravo. Preexistência e auto – entrega combinam neste simbolismo, que corrobora o símbolo central da cruz, mas não pode ser tomado literalmente como um evento que ocorreu em certa ocasião em algum lugar celeste.220

As inúmeras descrições, que incluem a tensão entre a dignidade messiânica de Jesus e as condições humildes de sua existência, indicam o caráter de “sujeição” de Jesus à existência. A prisão de Jesus, sua morte e sepultamento são traços capazes de corroborar com o símbolo da cruz. O símbolo da cruz coaduna com o símbolo do Cristo e crescem exponencialmente em sentido. Ambos os símbolos são interdependentes, tanto o símbolo da cruz do Cristo quanto o símbolo da ressurreição de Cristo não pode existir separado um do outro, pois ambos os símbolos perderiam o seu sentido caso fossem interpretados de maneira isolada.

Todas as outras relações dependem direta ou indiretamente destas duas, cada uma das quais se expressa em um símbolo central. A sujeição à existência está expressa no símbolo da “cruz de Cristo”; a

218 TILLICH, 2005, p. 444. 219 TILLICH, 2005, p. 438. 220 TILLICH, 2005, p. 444.

vitoria sobre a existência está expressa no símbolo da “ressurreição do Cristo”.221

A certeza da ressurreição do Cristo só é possível por causa da certeza da sua vitória sobre a morte da alienação existencial; fora dessa relação não há certeza alguma, o que existe são apenas probabilidades, mas não certezas.

Se a cruz e a ressurreição são interdependentes, devem ser tanto realidade como símbolo. Em ambos os casos, algo aconteceu dentro da existência. Do contrario, o Cristo não teria entrado na existência e não teria podido vencê-la.222

Embora estejam inter-relacionados o símbolo da cruz e o símbolo da ressurreição possuem uma diferença quantitativa. O primeiro remete a um evento factível e que ocorreu a vista de todos tornando-se um evento histórico; o símbolo da ressurreição, no entanto, coloca sobre o evento um véu de profundo mistério.

III.8 Conclusão do capítulo

Tudo que toca o ser humano de forma incondicional torna-se sagrado, pois o ser humano faz de tudo aquilo que lhe toca de maneira incondicional um Deus. Para Tillich a única forma adequada para falar sobre o incondicional é por meio da linguagem simbólica, pois as demais linguagens não são capazes de alcançar a realidade a qual o símbolo remete. Isto é fato, pois o símbolo é a representação de uma ausência, ele obrigar o ser humano a pensar sobre o seu sentido, pois o símbolo “diz sempre mais do que diz”.

O simbolismo implica uma função social de comunicação e, antes de tudo, concomitantemente em uma vivência. A experiência do mistério é essencialmente efetiva e, sendo assim, participativa; não há como viver essas experiência de forma individual e isolada. Por isso, há necessidade de comunicá-la visto que, o seu poder revelador está sujeito há correlação entre um grupo e um individuo.

Quando recorre ao uso do símbolo Tillich amplia a sua função até as raízes ontológicas, para ele todas tentativas de aproximação cognitiva da realidade são precedidas pela ontologia. É por isso que ele diferencia essas raízes entre angústia essencial e angústia ontológica. Quando ele afirma que o símbolo participa da realidade significada, ele se refere

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TILLICH, 2005, p. 439.

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a um laço ontológico de sentido que é responsável pela interpretação “para algo além” do sentido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização desta pesquisa cumpre o desafio em explorar o sentido do mistério na forma em que é descrito por Paul Tillich nas diferentes dimensões em que ele aparece em sua Teologia Sistemática. A descoberta do sentido do mistério contribui aos estudos religiosos porque abre novas possibilidades para as discussões a respeito do sagrado. Para a comunidade religiosa a contribuição desta pesquisa é a proposta de transformação, pois a revelação do mistério comunica ao ser humano a consciência de sua condição existencial e o impele a uma posição de confronto às forças demoníacas que clamam para o ser humano o caráter último.

O verdadeiro mistério é aquele que preserva o seu caráter misterioso mesmo após ser revelado. Aquilo que torna-se conhecido após a sua revelação e que possui a sua revelação esgotada não é um mistério. A revelação do mistério é inexaurível. Esse é o problema da sua manifestação, pois para falar do mistério o ser humano necessita utilizar palavras e elas são finitas ao ponto que aquele que se revela para o ser humano na manifestação do mistério é infinito.

A revelação do mistério não é algo desprovida de sentido, ela surge para o ser humano dentro de uma situação concreta de preocupação, ou seja, ela aponta para o ser humano o caráter existencial da experiência religiosa. Daí a necessidade de verificar o sentido do mistério, pois a experiência religiosa para Tillich significa o meio pelo qual as fontes “falam” ao ser humano e por meio do qual o ser humano pode recebê. Por isso, ao buscar o sentido do mistério na Teologia Sistemática descrevemos algumas etapas cuja relevância

consideramos impreterível; primeiro porque descobrimos que a revelação do mistério é algo que precede a razão, segundo porque tornou-se evidente que a revelação final do mistério apresenta ao ser humano infinitas dimensões do mistério e terceiro porque descobrimos que existe apenas uma linguagem adequada para comunicar o mistério ao ser humano visto que, ela não esgota o seu significado e que por transcender a realidade participar potencialmente da realidade para qual ela se projeta.

Porque a manifestação do mistério é uma questão de experiência, que em geral é de finitude, nos sentimos impelidos a verificar a existência dos pressupostos racionais presentes na elaboração da pergunta pela sua revelação. Pois, a pergunta pela revelação do mistério é uma pergunta existencial cuja resposta só pode ser alcançada se estiver em correlação à mensagem de fé. Essa correlação revela algo tanto sobre o objeto quanto sobre o sujeito da relação; ela revela o caráter existencial e transcendente do fundamento dos objetos no tempo e no espaço. Por isso, no momento em que o mistério se manifesta ao ser humano ele participa dessa experiência na totalidade de sua vida pessoal; significando que a razão está presente tanto estrutural quanto emocionalmente, e que não há conflito entre esses dois elementos. A razão se relaciona com o mistério na sua forma ontológica e técnica, ela atua no conhecimento da revelação tanto subjetiva como objetivamente e revela a sua própria profundidade.

Quando descobrimos, no segundo capítulo, que o mistério possui diferentes dimensões nós percebemos a necessidade de analisar os conflitos existentes entre os elementos estruturais da razão no momento em que é feita a pergunta pela revelação do mis- tério. Isto porque tanto o conhecimento da realidade quanto o da própria relação com o mistério são questões da experiência e, portanto são elementos cognitivos que devem ser compreendidos na totalidade da existência. Além do mais, durante o evento revelatório a pessoa receptora da revelação do mistério é tomada por uma variedade de percepções que fazem parte da constituição do seu próprio ser. O resultado desse conjunto de percepções é que ao ser tomado pela revelação do mistério o ser humano não é capaz de olhar para tal manifestação como ela se faz presente; pois, ele é tomado por um pré-conceito religioso que sintetiza toda a sua história como homo religiosus. Esse “estar tomado” por um resumo de constituição religiosa não significa que o ser humano está sujeito a essas percepções, isso significa que quando está diante da manifestação do mistério o ser humano precisa auto- afirmar-se como um eu centrado, um eu que não pode ser dividido.

Quando percebemos que a partir da revelação do mistério o ser humano toma co- nhecimento das suas diferentes dimensões, também percebemos que a única linguagem a- propriada para comunicar o mistério ao ser humano é a linguagem simbólica; visto que o símbolo é responsável pela abertura de determinados níveis da realidade que de outra forma não seria possível. O símbolo é a linguagem da experiência religiosa, a partir dele todas as demais linguagens são alimentadas; ele é a representação de uma ausência, ele obrigar o ser humano a pensar sobre o seu sentido, pois o símbolo “diz sempre mais do que diz”. Mas, o funcionamento simbólico é o mesmo tanto para os símbolos profanos como para os religiosos. Ao considerarmos aquilo que toca o ser humano de forma incondicional perce- bemos que ele faz de tudo aquilo que lhe toca de maneira incondicional um deus. No entan- to, mesmo que esse deus não tenha caráter de preocupação última, ainda assim só é possível falar dele por meio da linguagem simbólica.

Ao tematizar o mistério na principal obra de Paul Tillich, descobrimos que ele não é apenas uma marca da revelação. O mistério é manifestação do sagrado que flui em direção ao ser humano a fim de lhe revelar a alienação existencial em que o ser humano se encontra. Quer seja a manifestação do mistério recebida pelo ser humano num quadro extático ou quer seja recebida por meio do milagre, ele sempre se manifestará para unir o ser humano ao sa- grado, essa união se dá por meio do conhecimento. Não apenas por meio do conhecimento técnico, mas também por meio do conhecimento ontológico.

No entanto, um trabalho como este demanda uma reflexão voltada para a profundidade do tema do mistério. Desta forma, a conclusão não pode apenas retomar os pontos principais da pesquisa, mas também abrir horizontes e trazer algumas novidades que possam inspirar novas pesquisas, como por exemplo, a influência da manifestação do misté- rio atitude existencial. Há uma relação concreta entre esses elementos; quando Tillich des- creve a construção de sua fronteira social, na sua infância, é perceptível que a sua situação concreta de preocupação determinou a sua oposição à classe social mais elevada que con- centrava seus esforços em negar a existência dos seus amigos de escola.

Outra contribuição da investigação do sentido mistério está na correlação entre a sua manifestação e a transição do ser humano da essência para a existência. O despertar da consciência do ser humano da sua condição finita bem como a sua liberdade torna-o respon- sável pelo seu destino. Contudo, a manifestação do fundamento e abismo do mistério amplia essa responsabilidade para o destino universal. De uma forma mais simples; A manifestação

do mistério comunica ao ser humano a sua finitude e esperança e, por isso o ser humano é desafiado a participar do destino universal.

Toda pesquisa, por mais neutra que se esforce em ser, possui uma pequena participa- ção do pesquisador na construção da conclusão. Esta pesquisa não é diferente, é muito pro- vável que a “voz” da totalidade da minha existência participe desta conclusão. A revelação do mistério não é uma revelação dos acontecimentos da natureza, ela é a manifestação do divino que comunica para o humano aquilo que Deus pretende que ele seja. Não há como o ser humano receber a manifestação do mistério sem se entregar à sua profundidade e se tor- nar uma forte resistência à negação do ser.

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