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A hermenêutica do símbolo em Tillich

O aparecimento do símbolo se dá ao ser humano por meio do seu inconsciente, seja de forma individual ou coletiva ele só toma vida a partir do instante em que se erradica no inconsciente do próprio ser do ser humano.197 Tillich possui uma hermenêutica ontológica do símbolo, para ele todas tentativas de aproximação cognitiva da realidade são precedidas pela ontologia198. Quando diferencia o signo de símbolo ele entende como ponto fundamental a incapacidade do signo de participar da realidade para qual ele indica, capacidade que símbolo possui em potencialidade199.

A diferença fundamental entre eles é que os sinais não participam na realidade e no poder daquilo que indicam. Os símbolos embora não sejam iguais ao que simbolizam, participam no seu poder e sentido. A diferença, então, entre o símbolo e o sinal é a participação na realidade simbolizada que caracteriza o primeiro, e a não participação, que caracteriza o segundo.200

Tillich compreende que o signo, assim como o símbolo, também remete o ser humano para algo fora de si; mas, no entanto, possui certa temporalidade em função da sua existência convencional. A luz vermelha do farol e o carro que para, ao acendimento dessa luz, relacionam-se apenas por convenção, e esta relação existirá enquanto essa convenção perdurar. A existência do símbolo está relacionada à condição histórica de determinado grupo, essa condição carrega em si as questões ontológicas. Da mesma forma o símbolo de uma nação representada na imagem de sua bandeira sustentará os seus ideais enquanto as condições que construíram tal nação permanecerem “de pé”. Cada ideal que sustenta tal condição é dotado de intencionalidades, ou seja, de uma consciência ou experiência de algo que constituiu aquela nação. É neste momento que o símbolo age, comportando-se como uma ponte unindo duas histórias, duas realidades.

O último distintivo do símbolo é uma conseqüência do fato de símbolos não poderem ser inventados. Eles surgem e desaparecem

197

Cf. TILLICH, 2002, p. 31.

198

Cf. TILLICH, Paul. Amor, poder e justiça. Trad. Sergio Paulo de Oliveira. São Paulo: Fonte editorial, 2004, p. 31.

199

Cf. TILLICH, 2009, p. 98.

200

como seres vivos. Eles surgem quando uma época estiver madura para eles, e desaparecem quando o tempo os tiver ultrapassado.201

A abertura para essas realidades permaneceria oculta se não existisse a linguagem simbólica. Por meio da busca de sentidos dos símbolos é possível compreender diferentes níveis de realidade. Para expressar essa “abertura de realidade” Tillich propõe uma

abertura de níveis da alma e da realidade interior, entendendo que o símbolo possui uma

abertura de dupla função: a abertura dos níveis mais profundos da realidade e da alma humana em níveis especiais. Deste modo, Tillich conclui que cada símbolo é impar, não pode ser substituído por outra coisa, possui uma função especial própria e por isso não há outro símbolo mais adequando para substituí-lo. O signo, pelo contrário, pode ser substituído sempre que for concluído que existe outro signo mais apropriado.

Um símbolo religioso possui alguma verdade se expressa adequadamente a correlação de revelação em que se encontra uma pessoa. Um símbolo religioso é verdadeiro se expressa adequadamente a correlação de uma pessoa com a revelação final. Um símbolo religioso só pode morrer se morre a correlação da qual ele é uma expressão adequada. Isso ocorre sempre que a situação revelatória muda, e os símbolos anteriores se tornam obsoletos.202

O funcionamento simbólico é o mesmo tanto para os símbolos profanos como para os religiosos. O símbolo é responsável pela abertura de determinados níveis da realidade que de outra forma não seria possível. Tillich o chama “de dimensão mais profunda da realidade, fundamento de todas as demais dimensões e de todas as outras profundidades”.203 A dimensão mais profunda da realidade suprema é a do sagrado, por isso os símbolos religiosos são símbolos sagrados. Embora eles participem do sagrado, não são o sagrado. O verdadeiro incondicional está além de todo condicional, i.e., o transcendente absoluto perpassa todos os símbolos que o representem. A linguagem religiosa é uma linguagem simbólica porque não há outro meio adequado para expressar a fé. Dizer que “não há outro

meio” não significa o mesmo que dizer “apenas ele”. Para Tillich a pessoa que faz tal

consideração não compreende no que o símbolo difere do signo e tão pouco a sua potencialidade.

Quem indaga assim, no entanto, demonstra que lhe é estranha a diferença entre sinal e símbolo. Ele nada sabe do poder da linguagem simbólica, a qual suplanta em profundidade e força as possibilidades

201 Cf. TILLICH, 2001, p. 32. 202 TILLICH, 2005, p. 246. 203 Cf. TILLICH, 2009, p. 102.

de toda linguagem não simbólica. Nunca se deveria dizer “apenas um símbolo”, mas sim: “nada menos que um símbolo”204

Tillich não vê problemas na recusa do símbolo quando ela é causada pelo desconhecimento do seu funcionamento. Para ele o poder investigativo do ser humano o conduzirá a distinção entre a criação imaginativa e os símbolos. A superação decorrente desse processo permitirá ao ser humano o questionamento dos seus mitos, pelo qual ele decidirá se tomará sobre si as incertezas originárias de tal questionamento ou se reprimirá seus questionamentos vivendo, com certa insegurança, sob a certeza de alguma autoridade externa. De acordo com Tillich o perigo real surge no instante em que o ser humano supera a interpretação literal e ingênua dos símbolos e conscientemente busca suprimi-lo.

O inimigo da teologia critica não é , por isso, a compreensão literal ingênua dos símbolos, mas sim aquela que é feita conscientemente, com uma agressiva supressão do pensamento independente.205

Se ao abordar o símbolo o ser humano se atenta a descrição dessa composição ele mergulha em um rio ontológico. Passa a considerar o ser, sua finitude no tempo e no espaço. Da mesma forma, quando ele aborda o símbolo e verifica a constituição dessa composição mergulha em um rio fenomenológico que se preocupa em refletir sobre as coisas como elas se apresentam. Assim, percebemos, portanto, que uma hermenêutica do símbolo necessita dessas “duas águas” pois o símbolo em sua transcendência carrega, concomitantemente, tanto a pergunta sobre a realidade concreta do ser, como a consciência das possibilidades do próprio ser.

Aquilo sobre o que nos interrogamos é a questão do sentido do ser. Contudo, nessa questão, somos conduzidos por aquilo mesmo que é procurado. A teoria do conhecimento é desde o inicio, transformada por uma interrogação que a precede e que versa sobre o modo como um ser encontra o ser, antes mesmo de se opô-lo como um objeto que faça face a um sujeito.206

A dinâmica do símbolo funciona de maneira análoga a dinâmica do mistério, pois o símbolo é o movimento no qual o mistério flui. No campo da experiência religiosa, o não conhecido em si, como é o mistério, é percebido, é experimentado, é intuído na relação

“claro e escuro” do símbolo. Portanto, o mistério não pode ser comunicado de modo

lógico, ele necessita de uma linguagem que dê conta comunicar a sua manifestação considerando todo o cenário no qual o ser humano recebeu o mistério que se manifestou. 204 TILLICH, 2002, p. 33. 205 TILLICH, 2002, p. 38. 206

III.7 A linguagem simbólica do mistério