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II.4 As dimensões do mistério

II.4.2 Mistério do ser

Não há coisa alguma que não possa tornar-ser portadora do mistério do ser e entrar em uma situação revelatória. Os meios de revelação do mistério do ser não se tornam portadores do mistério em função das suas qualidades especiais, eles se tornam portadores ou meio de revelação em função daquilo que os utiliza com o instrumento de revelação.136

Embora nada se tenha tornado portador da revelação em virtude de qualidades extraordinárias, estas qualidades determinam a direção na qual uma coisa ou um evento expressa nossa preocuapção última e nossa relação com o mistério do ser.137

Na verdade todas as coisas possuem potencial para se tornar portadoras da revelação, mas existe uma diferença considerável em relação ao significado e a verdade das revelações mediadas por meio delas. O ser humano possui as qualidades centrais para representar o mistério, contudo em certos momentos é necessário atribuir ao ser humano qualidades dos objetos. Os elementos da natureza também podem representar o mistério. No entanto, eles possuem um número restrito de qualidades que apontam para o fundamento do ser.

A razão cognitiva pode chegar até este ponto. Ela pode desdobrar a pergunta pelo mistério no fundamento da razão. (...) a natureza em

135 TILLICH, 2005, p. 169. 136 Cf. TILLICH, 2005, p. 131. 137 TILLICH, 2005, p. 130.

sessões especiais ou a natureza como um todo pode ser um meio de revelação em uma experiência extática. Mas a natureza não pode ser a base de uma argumentação conclusiva sobre o mistério do ser.138

Existem alguns momentos em que a semelhança entre o mistério do ser e o mistério divino é superada e o mistério se manifesta com a mesma intensidade para ambos os aspectos, assim o mistério do ser e o mistério divino passam a ser o mesmo e as suas características são definidas pelo modo de condução do meio de revelação.

Enquanto a vida cotidiana é uma mescla ambígua do regular e do irregular, nas constelações um ou outro é experimentado em sua forma radical. Se o “extraordinariamente regular” é o meio de revelação, o mistério do ser se manifesta em sua relação com o caráter racional da mente e da realidade; o divino expõe sua qualidade de logos sem deixar de ser o mistério divino. se o “extraordinariamente irregular” é o meio de revelação, o mistério do ser manifesta em sua relação com o caráter pré-racional da mente e da realidade; o divino mostra seu caráter abismal sem deixar de ser mistério divino139.

Quando o mistério do ser aparece na mesma fase que o mistério divino eles não são apenas iguais, mas o mesmo; para compreende-lo o ser humano precisa utilizar tanto a razão técnica quanto a razão ontológica. Pois o divino comunica-se ao ser humano por meio de uma linguagem que não possui fim. Não se trata da linguagem comum, pois ela possui as suas limitações; a linguagem em que o mistério divino ou mistério do ser é recebido pelo ser humano é a linguagem simbólica. Pois, apenas o símbolo é capaz de produzir uma linguagem racional que preceda a si mesma.

Certamente, os símbolos trinitários exprimem o mistério divino assim como todos os outros símbolos que afirmam algo sobre Deus. Este mistério que é o mistério do ser permanece inacessível e impenetrável; ele é idêntico à divindade do divino.140

Por conta da unidade de sua liberdade e destino o mistério esta situado no fundamento do ser, sendo assim ele é a preocupação ultima do ser humano, do contrario ele não apareceria na revelação ao ser humano. O mistério do ser é a preocupação ultima do ser humano porque ele é o objeto de uma entrega total que exige da mesma forma, enquanto o ser humano olha para ele, a entrega total de sua subjetividade. Quando esta diante do

138 TILLICH, 2005, p. 132. 139 TILLICH, 2005, p. 131. 140 TILLICH, 2005, p. 722.

mistério do ser o ser humano preocupa-se “ de forma última por aquilo que determina seu destino ultimo para além de todas necessidades e acidentes preliminares”141

A revelação é a manifestação daquilo que nos diz respeito de forma última. O mistério revelado é nossa preocupação última, porque é o fundamento de nosso ser. (...) só o mistério que é nossa preocupação última para nós aparece na revelação. (...) a revelação como revelação do mistério que é nossa preocupação última, é invariavelmente revelação para alguém numa situação concreta de preocupação.142

Para atingir a preocupação última, ou seja, para ir além de suas necessidades básicas, para transcender todas as suas necessidades preliminares o ser humano precisa mergulhar no profundo êxtase; do contrário, se o ser humano experimentar aquilo que é chamado, na sua forma reduzida, por inspiração ele não será capaz de focar-se na sua preocupação última.

É obvio que a inspiração, se com esse nome se designa a qualidade da experiência extática, não pode mediar o conhecimento de objetos ou relações finitas. Ela nada acrescenta ao complexo de conhecimento que é determinado pela estrutura sujeito-objeto da razão. A inspiração abre uma nova dimensão de conhecimento, a dimensão de compreensão em relação com nossa preocupação última e com o mistério do ser.143

Dizer que a inspiração abre uma nova dimensão de conhecimento significa o mesmo que dizer que a inspiração unifica. Pois para Tillich este é o significado do conhecimento144; o conhecimento é a abertura, é a disposição de receber aquilo com a qual o ser humano se une. É claro que essa união pode ser equivocada se o objeto com o qual o ser humano se uniu for uma distorção da realidade.

Assim, o mistério do ser unifica-se com o ser humano porque o conhecimento revelado a ele não é um conhecimento sobre a natureza e sim um conhecimento onde o ser humano apreende o mistério; adapta-se a si mesmo e, ao mesmo tempo, adapta-se ao mistério do ser. Este conhecimento só pode ser recebido pelo ser humano se ele for tomado pelo mistério e por isto recebê-lo na subjetividade do êxtase e se a realidade na qual o mistério se revelou ao ser humano apoderar-se dele de forma objetiva.

a revelação é a manifestação do mistério do ser para a função cognitiva da razão humana. Ela medeia um conhecimento. Tal conhecimento, no entanto, só pode ser recebido em uma situação

141 Cf. TILLICH, 2005, p. 32. 142 TILLICH, 2005, p. 123. 143 TILLICH, 2005, p. 127. 144 Cf. TILLICH, 2005, p. 108.

revelatória, através do êxtase e do milagre. (...) o conhecimento da revelação é um conhecimento sobre a revelação que nos é feita do mistério do ser, não uma informação sobre a natureza dos seres e suas relações mútuas. portanto, o conhecimento da revelação só pode ser recebido na situação de revelação e só pode ser comunicado – em contraste com o conhecimento comum – àqueles que participam desta situação.145

O conhecimento do mistério do ser promovido pela experiência extática e pelo evento sinal que modificou a realidade racional do ser humano produz uma nova forma de salvação; não é uma salvação temporal que esta sujeita aos elementos históricos. Trata-se de uma salvação última que não pode ser subtraída em hipótese alguma. É uma salvação que representa a união, fruto do conhecimento, com o fundamento do ser.

A identidade de revelação e salvação nos conduz a uma nova consideração. a salvação e a revelação são ambíguas no processo do tempo e da história. Portanto, a mensagem cristã aponta para uma salvação última que não pode ser perdida, porque é a reunião com o fundamento do ser. (...) O mistério do ser está presente sem o paradoxa de toda revelação no tempo e no espaço para além de tudo que é fragmentário e preliminar. isso não se refere ao individuo isoladamente. A plenitude é universal.146

Portanto, se há uma salvação plena é possível firmar que o ser humano recebe a revelação do mistério do ser na totalidade do seu ser, ou seja, o ser humano recebe a revelação do mistério do ser de forma integral; acumulando junto ao seu conhecimento pessoal uma gama de informações rica em polaridade que só ganha sentido se forem observadas juntas e atribuídas ao fundamento do ser.

quando o mistério do ser aparece em uma experiência revelatória, a totalidade da vida pessoal participa do mistério. isso significa que a razão está presente tanto estrutural como emocionalmente, e que não há conflito entre esses dois elementos. o que constitui o mistério do ser e sentido é, ao mesmo tempo, o fundamento de sua estrutura racional e o poder de nossa participação emocional nele.147

A mesma experiência revelatória que desperta o ser humano para a dimensão do mistério e que o projeta para dimensão do mistério do ser, também conduz o à dimensão correlata do mistério do ser; ela conduz o ser humano à dimensão do mistério do não – ser. É impossível contemplar a dimensão do mistério do ser sem admitir a negação da total potencialidade contida no não-ser.148

145 TILLICH, 2005, p. 140 e 141. 146 TILLICH, 2005, p. 156. 147 TILLICH, 2005, p. 163. 148 Cf. TILLICH, 2005, p. 198.