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Os Evangelhos não trazem informações precisas sobre o sustento e a educação de Jesus. Lucas afirma que o crescimento de Jesus ocorreu no âmbito da Sagrada Família “em sabedoria, em estatura e em graça” (Lc 2,52). A função do pai em relação ao filho era insubstituível. João Paulo II cita Paulo VI na Redemptoris Custos por estabelecer o tipo de paternidade que José exerceu.

A sua paternidade expressou-se concretamente «em ter feito da sua vida um serviço, um sacrifício, ao mistério da encarnação e à missão redentora com o mesmo inseparavelmente ligada; em ter usado da autoridade legal, que lhe competia em relação à Sagrada Família, para lhe fazer o dom total de si mesmo, da sua vida e do seu trabalho; e em ter convertido a sua vocação humana para o amor familiar na sobre-humana oblação de si, do seu coração e de todas as capacidades, no amor que empregou ao serviço do Messias germinado na sua casa (RC 8).

Os deveres que a lei estabelecia ao pai obrigavam-no a cuidar do filho dando-lhe alimentação, vestimentas, instrução na lei e ensino de uma profissão. A respeito do sustento de Jesus a Igreja faz questão de lembrar “Aquele que os fiéis deviam comer como Pão de vida eterna” (QD 2).

O vínculo de Jesus com seus pais é permanente. Não há motivos para Jesus desonrar as ordens provindas de seus genitores por haver comunhão entre a vontade de Deus e as ordens recebidas de seus pais. Jesus “era-lhes submisso” (Lc 2,51), correspondendo com respeito às atenções dos seus “pais”. Dessa forma, “quis santificar os deveres da família e do trabalho, que ele próprio executava ao lado de José” (RC 16).

179 “Por isso, naquele que segundo o Evangelho chamei de matrimônio, eu disse (*) estarem presentes todos três bens das núpcias: a fidelidade, pois não houve adultério; a prole, o mesmo Cristo Senhor; e o sacramento, pois não houve divórcio. Cf. Contra Iulianum Pelagianum, 5, 46; ML 44, 810. (*) De nuptiis et concupiscentia, 1.13; ML 44, 421.

As obrigações próprias de José são lembradas pela Liturgia.180 Confia-se à solícita guarda de São José, na aurora dos novos tempos, os mistérios da salvação.181 Esclarece, ainda, que ele “foi constituído por Deus chefe da sua Família, para que, servo fiel e prudente, guardasse com paterna solicitude o seu Filho unigênito”.182 Em José, Deus encontra plena confiança para poder oferecer ao Filho o que lhe é de direito. Vale lembrar que José sempre foi o chefe da família. É a partir desse título que ele tem o poder de exercer a sua função de esposo e pai. O Papa Leão XIII realça a sublimidade desta missão:

Ele, entre todos, impõe-se pela sua sublime dignidade, dado que, por disposição divina, foi guardião e, na opinião dos homens, pai do Filho de Deus. Daí se seguia, portanto, que o Verbo de Deus fosse submisso a José, lhe obedecesse e lhe prestasse aquela honra e aquela reverência, que os filhos devem aos próprios pais (QP 3).

A missão de José não foi a construção de um projeto pessoal, mas a aceitação de um projeto divino. O fato de Jesus ser obediente e submisso a José garante a veracidade de sua missão vocacionada.

A paternidade de José deve ser compreendida no contexto de sua missão, pois, de acordo com as exigências da missão, se requer as qualidades necessárias. José teve para com Jesus um sentimento verdadeiramente paterno. Pio XII na mensagem radiofônica aos estudantes das escolas católicas dos EUA afirmava que “por especial dom do Céu, todo aquele amor natural e toda aquela solicitude afetuosa que o coração de um pai possa experimentar José também experimentou para com Jesus” (RC 8).

A autoridade paterna de José sobre Jesus deve ser compreendida na ótica do Pai. O amor de José para com Jesus corresponde ao amor do Pai, pois a fonte do amor de José é o Pai “do qual toda a paternidade, nos céus e na terra, toma o nome” (Ef 3, 15). Nesse sentido podemos dizer que o amor de José não é diferente daquele do Pai. A obediência que Jesus tinha para com José se justifica pelo fato de José estar apresentando a Jesus a vontade do Pai e não a sua. Não havia contradição entre a vontade do Pai e a de José.

180 Cf. NEGRO, M. São José na Liturgia, p. 160-209.

181 Cf. MISSAL ROMANO, Coleta da Solenidade de São José (19 de março). 182 Cf. Idem. Prefácio da Solenidade de São José (A missão de São José).

O múnus paterno de José para com Jesus é facilmente encontrado nos Evangelhos, uma vez que Deus quis que Maria e Jesus fossem dependentes dele. Os relatos a respeito da sagrada família devem ser lidos na ótica da salvação. A humanidade de Jesus tem um intuito: apresentar aos homens a salvação. Nessa perspectiva os gestos quotidianos da vida familiar não poderão ser ignorados. Contudo, é preciso respeitar “aquela condescendência que é inerente à economia da encarnação” (RC 8). Em outras palavras, não se exige da humanidade aquilo que ela não pode oferecer.183

Ao ler os Evangelhos, percebemos que nenhum fato da vida de Jesus foi deixado ao acaso. Deus cuidou para que todas as realidades humanas diretamente ligadas a seu Filho fossem conduzidas de acordo com um plano divinamente preestabelecido. Quando se diz nos textos do Novo Testamento que “aconteceu assim, para que se cumprissem...”, lembramos de alguma passagem descrita pelo Antigo Testamento. A intenção é acentuar a unidade e a continuidade do projeto, que em Cristo tem o seu “cumprimento”.

Destacamos a importância da encarnação. As “promessas” e as “figuras” do Antigo Testamento deixam de ser o “futuro” para se tornarem “realidade” com a vinda de Jesus. De acordo com as ordens divinas, percebemos que há um entrelaçamento entre lugares, pessoas, acontecimentos e ritos. O ministério dos anjos foi o de transmitir essas ordens às pessoas que seriam receptivas aos planos de Deus. João Paulo II faz questão de acentuar que Maria é a humilde serva do Senhor, preparada desde toda a eternidade para a missão de ser Mãe de Deus; e José é aquele que Deus escolheu para ser o “coordenador do nascimento do Senhor”184, aquele que tem o encargo de prover o inserimento “ordenado” do Filho de Deus no mundo, mantendo o respeito pelas disposições divinas e leis humanas. Jesus tornou-se “homem feito” sob os cuidados de José. A vida “oculta” de Jesus deve ser compreendida dentro do contexto da família, sob a guarda de seu pai, José (RC 8).

183 “Economia da salvação é uma expressão técnica da teologia e da liturgia, assumida também na linguagem oficial das Igrejas para significar o processo histórico, em suas várias fases, pelo qual Deus vai entrando progressivamente na vida humana e na história, realizando uma aliança e oferecendo sua graça e salvação. São José ocupa um ponto altíssimo nesse processo, porque através dele Jesus entra na família humana como uma pessoa normal. O primeiro a ver explicitamente essa inclusão de São José na economia da salvação foi São João Crisóstomo (+ 407); depois Santo Agostinho (+ 453) e, por fim Jean Gerson (+ 1428)”. In. BOFF, L. São José a personificação do Pai, p. 133-134.