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3.1 INTERFACES DA REALIDADE NO HORIZONTE DA PATERNIDADE

3.1.1 Uma questão econômica: a sustentabilidade

José foi pai nutrício de Jesus.303 A criança precisava de cuidados especiais e era totalmente dependente de seus pais para sobreviver dignamente. A sustentabilidade, portanto, fez-se necessária. A garantia da sustentabilidade tornou-se possível em virtude do trabalho exercido por José, modelo para os trabalhadores. O justo carpinteiro honrou sua profissão alimentando o Filho de Deus e sua esposa.

301 GIDDENS, A. Mundo em descontrole, p. 71. 302 Ibidem.

303 "Nosso Senhor Jesus Cristo, que perante os homens dignou-se ter sido considerado filho de José, e lhe foi submisso. E Aquele que tantos reis e profetas desejaram ver, José não só viu, mas com Ele conviveu e om paterno afeto abraçou e beijou; e além disso, nutriu cuidadosamente Aquele que o povo fiel comeria como pão descido dos céus para conseguir a vida eterna”. Cf. Quemadmodum Deus, p.3. In. Documentos Pontifícios sobre São José, Apucarana, 2005.

Embora sendo de descendência régia, desposado com a mais excelsa entre as mulheres, e ter sido considerado como o pai do Filho de Deus, passou, todavia a sua vida no trabalho, provendo o necessário para si e para os seus, com a fadiga e a habilidade de suas mãos (QP 4).

Leão XIII afirma que em José “os pais de família encontram o mais alto exemplo de paterna vigilância e providência; os cônjuges, o exemplo mais perfeito de amor, concórdia e fidelidade conjugal; os consagrados a Deus, o modelo e protetor da castidade virginal” (QP 4). O Papa apresenta o quadro completo de José para a perfeita convivência humana nas diferentes realidades. Acreditamos que haverá harmonia no lar quando as pessoas viverem com dignidade. Ainda que a pobreza não possa ser considerada a vilã das desavenças familiares, quando as necessidades básicas não são supridas devidamente pode ocorrer o aniquilamento das potencialidades dos filhos e dos próprios pais.

Por causa da indiferença ética, muitas pessoas estão sendo descartadas e nas famílias predomina o desamor. Nesse sentido, a ética terá grande contribuição no resgate da família. A sustentabilidade precisa de ética para incluir os “desesperados” que não são apenas os desempregados, mas os pais de família que carregam o princípio do amor, sem romper a fronteira da dignidade. Em Morin observamos que é preciso considerar uma ética sem outro fundamento que ela mesma. O autor afirma que não se pode encontrar uma justificação filosófica transcendente que permita integrar a ética em si mesma.304

Destacamos a importância da ética no contexto familiar com base na virtude teologal da fé. Morin “não acredita que exista uma ética sem fé”.305 Porém, essa afirmação, como observa Sung, precisa ser repensada, uma vez que o autor fala de uma “ética sem fundamento que não seja ela mesma”.306 Morin preocupa-se com o sujeito nos três problemas por ele abordado (contradições éticas, incertezas éticas, ‘eu’ em relação a si mesmo).307 Sung, que reflete sobre ética e economia, faz uma crítica a esses imperativos lembrando que “a primeira pergunta ética, ou melhor, a pergunta ética fundamental não deve ser qual é a ação econômica

304 MORIN, E. Ética e Sociedade. In: Pena – Veja, Alfredo; Almeida, Cleide R.S.; Petraglia, Izabel (orgs.). Edgar Morin: Ética, cultura e educação. São Paulo: Cortez, 2001, p.39-45. In. SUNG, J. M. Sujeito e Sociedades complexas, p.149.

305 Ibidem.

306 SUNG, J. M. Sujeito e Sociedades complexas, p.149.

307 Os três problemas de auto-ética para Morin são os seguintes: 1- o primeiro jaz nas contradições éticas, ou seja, no confronto de imperativos categóricos antagônicos; 2- o segundo se situa no nível das incertezas éticas; 3- o terceiro é a problemática do ‘eu’ (do ‘moi’) em relação a si mesmo. Cf. MORIN, Edgar. Ética e Sociedade. In: Pena – Veja, Alfredo; Almeida, Cleide R.S.; Petraglia, Izabel (orgs.). Edgar Morin: Ética, cultura e educação. São Paulo: Cortez, 2001, p.40;

mais de acordo com os valores éticos do sujeito apenas308, mas sim qual é a minha/nossa postura ética frente ao sistema econômico vigente”.309 A paternidade responsável, do ponto de vista econômico, não pode se esquivar desse paradigma da sustentabilidade que, por sua vez, exige uma referência ética que transcenda o sujeito. Diante de nossa preocupação, José, por sua vez, orienta e ensina por ser um

homem trabalhador. O trabalho o marcou de tal forma que caracterizou sua vida social, que a transmitiu a Jesus, por isso foi chamado filius fabri (filho do carpinteiro) (Mt 13, 55; Mc 6, 3). O trabalho humano, em particular o trabalho manual, tem no Evangelho uma acentuação especial. Juntamente com a humanidade do Filho de Deus ele foi acolhido no Mistério da Encarnação, como também foi redimido de maneira particular. João Paulo II evidencia nesta circunstância o mistério salvífico de S. José: graça ao ateliê de trabalho junto do qual exercia seu trabalho com Jesus, José uniu o trabalho humano ao mistério da redenção (RC 22).310

Pretendemos colocar a importância do trabalho na vida dos pais a partir dos parâmetros éticos que levem em consideração, na ordem dos valores, em primeiro lugar as pessoas, depois as coisas e os bens materiais considerando o princípio ético. João Paulo II na Encíclica Laborem Exercens afirma que o homem ao trabalhar “aproveita do trabalho de outrem” (cf. Jo 4,38). O Papa reflete sobre o processo do trabalho humano, guiado tanto pela inteligência quanto pela fé, que vai haurir à luz da Palavra de Deus. “Trata-se de uma visão coerente, teológica e, ao mesmo tempo, humanista. Nela, o homem aparece-nos como o « senhor » das criaturas postas à sua disposição no mundo visível” (LE 13).

No entendimento do Papa, o erro do capitalismo está na inversão de valores onde a pessoa está submetida ao material. A superação radical deste erro será possível quando as mudanças adequadas no campo da teoria e da prática “se deterem na firme convicção do primado da pessoa sobre as coisas e do trabalho do homem sobre o capital, entendido como conjunto dos meios de produção” (LE 13).

308 Grifo nosso

309 SUNG, J. M. Sujeito e Sociedades complexas, p.153. 310 STRAMARE, T. Gesù lo chiamo Padre, p. 66.