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José, o pai de Jesus (Lc 2,33), é da estirpe de Davi (Mt 1,16) e está diretamente vinculado ao mistério do Verbo encarnado, pois o filho de Maria é também filho de José, em virtude do vínculo matrimonial que os une: “Por motivo daquele matrimonio fiel, ambos mereceram ser chamados pais de Cristo, não apenas a mãe, mas também aquele que era seu pai, do mesmo modo que era cônjuge da mãe, uma e outra coisa por meio da mente e não da carne”.115

Maria, escolhida para ser a mãe do salvador da humanidade sem a participação humana, não é capaz de cumprir, sozinha, o dever de educar e cuidar do filho que está sendo gerado em suas entranhas. O Filho de Deus nasce numa cultura específica e tem a obrigação de seguir os princípios próprios daquela cultura. Jesus é educado no contexto da cultura semita, onde o pai exerce a função de chefe da família sendo o primeiro responsável pela educação dos filhos. A encarnação de Jesus não pode ser compreendida apenas dentro da estreita humanidade, uma vez que há nessa realidade a totalidade da divindade. Jesus não se torna homem apenas por um momento para depois continuar a viver como Deus, mesmo parecendo homem, mas se torna homem para viver como homem, mesmo sendo Deus. A divindade de Jesus não fica anulada em nada na sua totalidade, apenas é silenciada para que seja manifestada na hora certa e no momento oportuno. Nesse sentido, José não faz o papel de um figurante inútil que diz as coisas para Jesus apenas por “educação”, uma vez que Jesus, por ser Deus, já sabia de tudo. A rigor, Jesus se submeteu às leis humanas que o levam a aprender aquilo que é próprio da humanidade. Se Jesus não abrisse mão da manifestação da sua divindade de forma direta, a sua encarnação não seria tão encantadora e extraordinária, ao menos nos moldes de compreensão de que dispomos para entender esse mistério. José, portanto, torna-se essencial para que Jesus seja compreendido em sua personalidade. José foi valorizado para que todos os pais saibam que paternidade responsável é cuidar da vida frágil.

115 S. AGOSTINHO, De Nuptiis et Concupiscentia, I, 11, 12: cf. PL 44, 421; CF, De consensu Evangelistarum, II, 1, 2: PL 34, 1071; Contra Faustum, III, 2: PL 42, 214.

Toda vida é sempre frágil e dependente. Deus Filho, tornando-se homem, não tinha pretensão de divinizar a ação, mas humanizar sua existência.

Para ser pai de Jesus, José deveria estar legalmente casado com uma mulher. A cultura judaica não reconhece como família a união que extrapola o vínculo com a lei, especialmente de Deus, como paradigma a ser seguido. O homem e a mulher deveriam estar legalmente casados para terem o direito de serem pais com a bênção de Deus. Ao inserir-se numa determinada cultura, Jesus acolhe os requisitos da mesma e assume para si essa realidade. Antes de Jesus, precisamos falar de seu Pai. Deus não impôs outra modalidade de vida que fosse estranha ou deslocada da realidade onde Jesus deveria nascer. Foi a partir daquela realidade que Jesus se tornou verdadeiramente encarnado.

2 A HERANÇA DE JOSÉ

Os traços da personalidade de uma pessoa mencionados publicamente podem ser percebidos em sua fisionomia de forma direta ou indireta. Quando não temos informações claras, o melhor é silenciar. No caso de José, as informações fornecidas são aquelas dos Evangelhos. A curiosidade sobre a pessoa de José se justifica, considerando sua missão e seu vínculo com o mistério da encarnação.

José deve ser compreendido não apenas a partir de sua pessoa, mas principalmente por causa da missão que Deus a ele designou. A característica determinante na pessoa de José é a justiça.

José é preeminentemente um homem de fé [...]. Ele espera a realização da promessa. [...] Acredita em Deus e se coloca à sua disposição como um dos instrumentos humildes finais para a prometida realização da salvação. Ele acredita que a gravidez é obra do Espírito Santo e sua reação diante do mistério é de temor reverente. Sua resposta é como aquela de Moisés que tira as sandálias diante da sarça ardente (Ex 3,5), de Isaias aterrorizado diante da aparição da santidade de Deus (Is 6,5), de Isabel diante da mãe do Senhor (Lc 2,43), do centurião a quem Jesus se oferece para visitar (Mt 8,8) e de Pedro que ao ver suas redes cheias exclama: “Afasta-te de mim Senhor, porque sou um homem pecador” (Lc 5,8). José, portanto, “resolveu desvincular-se dela secretamente” (Mt 1,19).116

As outras qualidades podem ser compreendidas a partir do princípio da justiça. Nesse sentido, torna-se fundamental o aprofundamento sobre esse particular em sua vida. Há muitas leituras a respeito da justiça. Stramare aprofunda o tema apoiando-se no paradigma bíblico o qual acolhemos.

José foi escolhido por Deus para ser pai de Jesus. A primeira missão é cuidar de Jesus. Por causa dessa nobre incumbência, alguns planos de ordem pessoal foram refeitos por serem marcados pelo mistério divino. Portanto, deve estar ao lado de Maria. Esse “estar” com Maria como esposo tem uma importância basilar. Maria não podia deixar de dar continuidade ao “Sim” dado ao Senhor por ocasião do anúncio ao anjo (Lc 1,38) e, não obstante, precisava ser compreendida pelos seus sobre essa realidade totalmente nova e única na história. A resposta de José é pessoal e singular, por isso acolhe a vontade de Deus e vai ao seu encontro com sua pobreza e sua riqueza. A pobreza é a sua própria incapacidade de compreender tão grande

mistério que se fez presente em sua história; a riqueza é a sua fé, pois foi por causa dela que Deus se aproximou do carpinteiro de Nazaré para que ele cuidasse de seu Filho como pai.