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A reforma dos cuidados de saúde primários e as Unidades de Saúde Familiar Na sequência da Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2005 foi criado um

grupo técnico de trabalho para a reforma dos cuidados de saúde primários e que defendia que a reforma dos cuidados de saúde primários deveria ter como principal objetivo contribuir para a melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis, adequados, eficientes e próximos dos cidadãos, indo igualmente ao encontro das expectativas destes e dos profissionais. Posteriormente, foi criada a Missão para os Cuidados de Saúde Primários (Resolução do Conselho de Ministros nº 157/2005), entidade responsável por conduzir o “projeto de lançamento, coordenação e acompanhamento da estratégia de reconfiguração dos centros de saúde e implementação das USF”. Em sequência, em Janeiro de 2006, foi publicado por esta entidade o documento “Linhas de Ação Prioritária para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários”, no qual são

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descritas propostas de medidas estratégicas para a reforma, em oito áreas de atuação: Reconfiguração e autonomia dos centros de saúde; Implementação de USF; Reestruturação dos serviços de saúde pública; Outras dimensões da intervenção na comunidade; Implementação de Unidades Locais de Saúde (ULS); Desenvolvimento dos recursos humanos; Desenvolvimento do sistema de informação; e Mudança e desenvolvimento de competências.

A reforma dos cuidados de saúde primários passou então pela reconfiguração dos Centros de Saúde em duas vias, por um lado, a constituição das USF e, por outro, a criação dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES). A reforma dos cuidados de saúde primários de 2005 passou também pela introdução de um novo modelo de gestão, a designada gestão por objetivos, assim como pela instituição de uma governação clínica e pela reorganização dos serviços de suporte e desativação das sub-regiões de saúde (Pisco, 2007). Relativamente às USF, estas são unidades elementares de prestação de cuidados de saúde individuais e familiares, constituídas por uma equipa multiprofissional, com autonomia organizativa, funcional e técnica, integrada em rede com outras unidades funcionais dos centros de saúde (Despacho Normativo n.º 9/2006). A equipa multiprofissional das USF é constituída por médicos de medicina geral e familiar, enfermeiros e secretários clínicos e a adesão ao modelo de USF inicia-se com uma candidatura autoproposta pela equipa à respetiva Administração Regional de Saúde (ARS) da sua área geográfica de atuação. Na apresentação desta candidatura deve ser indicado a constituição da equipa, o coordenador e endereço eletrónico, a área geográfica de atuação, o número de utentes inscritos ou a inscrever distribuídos por idade e género, os compromissos relativos à prestação de cuidados, planos de ação e outros elementos que a equipa considere úteis para a avaliação (Despacho Normativo n.º 9/2006). Assim, a constituição das USF é “um processo voluntário, da base para o topo, com total envolvimento dos profissionais de saúde” (Pisco, 2007, p.64). Quanto à sua missão e responsabilidade, as USF atuam no sentido de manter e melhorar o estado de saúde dos seus utentes, prestando cuidados de saúde gerais de forma personalizada, considerando igualmente o contexto sociofamiliar dos utentes. Cada USF pode abranger entre 4.000 a 18.000 utentes, número que pode ser ultrapassado por motivos de ordem geográfica ou se a disponibilidade de recursos o permitir (Pisco, 2007). Por último, as USF estão totalmente informatizadas, sendo avaliadas mediante um conjunto de indicadores de desempenho (Pisco, 2007).

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No entanto, apesar de todas as USF se regerem pelos mesmos princípios e de oferecerem um conjunto essencial de serviços, a designada carteira básica de serviços, nem todas as USF se situam no mesmo modelo organizacional, existindo três tipos de modelos de USF, nomeadamente, o modelo A, B e C (Despacho nº 24 100/2007). A classificação das USF em cada modelo é determinada essencialmente por três critérios: grau de autonomia organizacional; diferenciação do modelo retributivo e de incentivos; e modelo de financiamento e respetivo estatuto jurídico (Despacho nº 24 100/2007). Assim, o modelo A corresponde a uma fase de aprendizagem e aperfeiçoamento do trabalho em equipa, assim como do desenvolvimento da prática da contratualização interna. As USF deste tipo, correspondem a USF do setor público administrativo, cujas regras e remunerações são definidas pela Administração Pública, e as aplicadas ao setor e às carreiras dos profissionais. O modelo B é adequado para equipas com maior amadurecimento organizacional, onde o trabalho em equipa é uma prática corrente, tendo um nível de contratualização de desempenho mais exigente do que o das USF do modelo anterior. Este modelo B abrange USF do setor público administrativo com um regime retributivo especial para todos os profissionais, que inclui remuneração base, suplementos e compensações pelo seu desempenho. Por último, o modelo C, constitui um modelo experimental a regular-se por diploma próprio, sendo as USF a constituir definidas em função de quotas estabelecidas pelas ARS. Este modelo abrange USF dos setores social, cooperativo e privado, articuladas com o centro de saúde, mas sem qualquer dependência deste (Despacho nº 24 100/2007). Em Portugal, neste momento, apenas existem em funcionamento USF de tipo A e B (Biscaia, 2013).

Relativamente à evolução das USF, segundo Biscaia (2013), as primeiras USF iniciaram as suas funções em Setembro de 2006 e, em 2010, o número de USF em funcionamento ascendia às 244, cobrindo 30% da população portuguesa, ou seja, mais de 3.000.000 de utentes. De acordo com o mesmo autor, até 2010 estas USF envolviam 4876 profissionais, dos quais 1733 eram médicos, 1756 enfermeiros e 1387 secretários clínicos, sendo a zona Norte do país a que concentrava o maior número de USF. A este propósito, referimos o estudo realizado por Vieira (2010) com coordenadores das USF de todo o país, sobre a satisfação destes profissionais relativamente à reforma dos cuidados de saúde primários de 2005, tendo verificado que cerca de 60% dos profissionais se encontravam satisfeitos ou muito satisfeitos com o processo de reforma. No entanto, os profissionais assinalaram várias áreas que poderiam ser melhoradas, tais como existir uma maior

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autonomia funcional e financeira das USF, maior descentralização de competências das ARS para os ACES, melhor articulação entre todas as estruturas dos cuidados de saúde primários, melhores sistemas de informação e maior investimento nas infraestruturas e na governação clínica. Atualmente, e de acordo com dados oficiais da USF-AN, até à data 1 de Julho de 2015 encontravam-se em atividade 421 USF, com 7774 profissionais e abrangendo mais de 5.000.000 de utentes. Todavia, de acordo com o último estudo relativo à reforma dos cuidados de saúde primários (Biscaia & Pereira, 2014), comparativamente ao ano de 2010, parece existir uma estagnação da reforma dos cuidados de saúde primários no que se refere ao número de novas USF, ainda que os profissionais continuem a apresentar candidaturas para a sua abertura. Além disso, os mesmo autores verificam no seu estudo uma insatisfação crescente dos coordenadores das USF para com o momento atual da reforma dos cuidados de saúde primários.