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O Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho (Job Demands-Resources Model) Desde a sua primeira formulação (Demerouti, et al., 2001) que o Modelo das

Exigências-Recursos no Trabalho (Job Demands-Resources Model) constitui um dos principais modelos teóricos privilegiados pelos investigadores no âmbito da saúde ocupacional, nomeadamente, na análise do stress profissional (Schaufeli & Taris, 2014). Uma das suas principais premissas reside no facto de considerar que, embora cada profissão possua fatores de risco específicos para o stress, todos estes fatores de qualquer profissão podem ser classificados em duas categorias gerais: as exigências e os recursos. As exigências referem-se aos aspetos físicos, psicológicos, sociais ou organizacionais do trabalho que exigem esforço físico e/ou psicológico (emocional e cognitivo) e estão associadas a determinados custos fisiológicos e psicológicos (Bakker & Demerouti, 2007;

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Bakker, Demerouti & Schaufeli, 2003; Demerouti et al., 2001). Exemplos de exigências são a pressão no trabalho, lidar com clientes emocionalmente exigentes ou um ambiente físico desfavorável (Bakker & Demerouti, 2007; Demerouti et al., 2001). Por sua vez, os recursos referem-se aos aspetos físicos, psicológicos, sociais ou organizacionais que permitem atingir as metas do trabalho, reduzir as exigências do trabalho e os seus custos físicos e psicológicos, bem como estimular o desenvolvimento e a aprendizagem pessoais (Bakker & Demerouti, 2007; Bakker et al., 2003; Demerouti et al., 2001). Exemplos destes recursos são a autonomia, o feedback dos superiores ou o suporte social dos colegas e dos superiores (Demerouti et al., 2001), e neste ponto reside uma das principais diferenças deste modelo que o demarcou em relação a outros dois modelos teóricos dominantes, nomeadamente, o modelo Demand-Control-Support (Karasek, 1979) e o modelo Effort- Reward Imbalance (Siegrist, 1996). De acordo com o modelo Demand-Control-Support (Karasek, 1979), a tensão no trabalho é provocada por elevadas exigências no trabalho e um reduzido controlo sobre as tarefas a realizar no trabalho. Por sua vez, o modelo Effort- Reward Imbalance (Siegrist, 1996) defende que a tensão no trabalho é o resultado de um desequilíbrio entre o esforço para cumprir as exigências do trabalho e a respetiva recompensa (salário, progressão na carreira). Ora, para Bakker e Demerouti (2007) estes modelos são limitados na medida em que se restringem a determinadas variáveis que poderão não ser relevantes para os contextos de trabalho de todas as profissões. Assim, o Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho apresenta uma maior flexibilidade, ao poder ser aplicado a diferentes profissões, pois nas duas categorias gerais inclui qualquer exigência e qualquer recurso do trabalho (Bakker & Demerouti, 2007; Schaufeli & Taris, 2014).

Uma segunda premissa do Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho é a identificação de dois processos psicológicos pelos quais as exigências e os recursos do trabalho podem afetar o bem-estar do profissional (Figura 2). Nomeadamente, um processo de dano para a saúde e um processo motivacional (Bakker & Demerouti, 2007; Bakker et al., 2003). Concretamente, no processo de dano para a saúde, elevadas exigências do trabalho (ou exigências crónicas) esgotam os recursos físicos e psicológicos dos profissionais e conduzem a uma perda de energia/exaustão (e.g. burnout) e problemas de saúde. Por sua vez, no processo motivacional, os recursos do trabalho promovem a motivação no trabalho e conduzem ao engagement, reduzida despersonalização e elevado desempenho profissional. Deste modo, os recursos do trabalho desempenham um papel

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motivacional intrínseco, na medida em que permitem o desenvolvimento e a aprendizagem pessoais, mas também um papel extrínseco ao permitirem atingir as metas do trabalho. Assim, as exigências constituem os principais preditores da exaustão, apresentando uma relação positiva com esta, e os recursos constituem os principais preditores do engagement. (Bakker et al., 2003; Demerouti, et al., 2001), Também nesta premissa o Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho se destaca dos modelos anteriormente referidos, na medida em que integra indicadores negativos e positivos do bem-estar profissional, enquanto que os modelos anteriores privilegiavam apenas indicadores negativos (Bakker & Demerouti, 2007; Schaufeli & Taris, 2014).

Figura 2. Exemplo de dois processos psicológicos subjacentes ao desenvolvimento da exaustão e motivação, segundo o Modelo das Exigências-Recursos do Trabalho JD-R (Fonte: Bakker & Demerouti, 2007, p.313).

Além destes efeitos independentes, o Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho postula que existe interação entre as exigências e os recursos do trabalho, o que é fundamental na explicação do bem-estar profissional (Bakker & Demerouti, 2007). Especificamente, de acordo com o modelo, os recursos do trabalho podem, por um lado, amortecer o impacto das exigências do trabalho na tensão/burnout (Bakker, Demerouti, & Euwema, 2005), mas, por outro lado, o impacto dos recursos do trabalho na motivação/engagement é maior quando as exigências do trabalho são elevadas (Hakanen, Bakker & Demerouti, 2005). Mais uma vez, também nesta premissa o Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho supera os modelos anteriores, pois considera que

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diferentes recursos do trabalho podem amortecer o efeito de diferentes exigências do trabalho (Bakker & Demerouti, 2007).

Apesar de comprovada a validade do modelo, este não se esgotou na sua primeira formulação. De facto, uma importante extensão do Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho consistiu na integração de recursos pessoais. Especificamente, Xanthopoulou, Bakker, Demerouti & Schaufeli (2007) analisando o papel de três recursos pessoais (e.g. autoeficácia, autoestima e otimismo) no desenvolvimento do burnout e do engagement, concluíram que os recursos pessoais não moderam, isto é, não amortecem o impacto das exigências do trabalho na exaustão emocional. Em contrapartida, verificaram que os recursos pessoais medeiam a relação entre os recursos do trabalho e o engagement, sugerindo que os recursos do trabalho promovem o desenvolvimento dos recursos pessoais, que por sua vez permitem manter o nível de engagement. Além disso, a existência de relações causais inversas foram adicionadas ao modelo. Concretamente, alguns estudos demonstraram que com o decorrer do tempo, a tensão/burnout também pode ter um impacto nas exigências do trabalho, assim como o engagement se revela um preditor dos recursos do trabalho (Bakker & Demerouti, 2013). Por último, foi também integrado no modelo o job crafting, isto é, pequenas alterações que os profissionais realizam nas exigências e recursos do seu trabalho, e que conduzem a maiores níveis de engagement (Bakker & Demerouti, 2013). Assim, de acordo com este modelo, os profissionais atingem o seu melhor desempenho profissional em ambientes de trabalho desafiantes e com recursos, pois favorecem o engagement (Bakker & Demerouti, 2013).

Este modelo tem sido utilizado como referencial teórico em estudos internacionais (Hakanen, Peeters & Perhoniemi, 2011; Hall, Dollard, Tuckey, Winefield & Thompson, 2010) e também verificamos que vários estudos nacionais têm sido conduzidos com base neste modelo, comprovando as suas principais premissas. Por exemplo, Roque (2008), num estudo realizado com bancários, concluiu que elevados níveis de exigências do trabalho e reduzidos recursos do trabalho conduzem a maiores níveis de burnout. Seixas (2013), num estudo realizado com inspetores do trabalho, verificou que os recursos do trabalho predizem significativamente o engagement. E por último, mais recentemente, também Pimenta (2014) confirmou que as exigências do trabalho predizem o burnout e os recursos do trabalho predizem o engagement.

No caso concreto da interação entre o trabalho e a família, também o Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho foi analisado enquanto referencial teórico explicativo do

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impacto do contexto profissional. Concretamente, Bakker, ten Brummelhuis, Prins e van der Heijden (2011), num estudo realizado com médicos holandeses, concluíram que as exigências do trabalho (e.g. sobrecarga de trabalho, exigências emocionais e exigências cognitivas) estavam positivamente relacionadas com a interação trabalho-família negativa. Por sua vez, os recursos do trabalho analisados (e.g. autonomia, participação na tomada de decisões, oportunidades de desenvolvimento, relação com os chefes e feedback quanto à performance) estavam negativamente associados à interação trabalho-família negativa. Além disso, os mesmos autores concluíram que, na sua generalidade, os resultados do estudo suportam a premissa de que elevadas exigências do trabalho, combinadas com reduzidos recursos do trabalho, predizem significativamente a interação trabalho-família negativa. Contudo, os autores verificaram que os recursos do trabalham moderam a relação entre as exigências do trabalho e a interação trabalho-família negativa, com especial destaque para a participação na tomada de decisões que se revelou amortecer o impacto de todas as exigências do trabalho analisadas na interação trabalho-família negativa. Adicionalmente, Hall e colaboradores (2010), num estudo longitudinal realizado com polícias, verificaram igualmente que as exigências do trabalho estão positivamente correlacionadas com a interação trabalho-família negativa.

Também Voydanoff (2004) tinha analisado anteriormente o impacto das exigências e recursos do trabalho não só na interação trabalho-família negativa, mas também na interação trabalho-família positiva, confirmando que as exigências do trabalho são mais relevantes para a interação negativa, enquanto que os recursos são mais significativos para a interação positiva. Concretamente, a autora verificou que as exigências do trabalho têm um impacto positivo maior na interação trabalho-família negativa, explicando 27% da sua variância, e um impacto negativo menor na interação trabalho-família positiva, da qual explicam apenas 0.4%. De igual modo, os recursos do trabalho apresentavam um impacto positivo maior na interação trabalho-família positiva, explicando 14.2% da sua variância, e um impacto negativo menor na interação trabalho-família negativa, explicando apenas 1.5%. Estes resultados têm sido igualmente reforçados por estudos recentes. Por exemplo, Liu e Cheung (2015) num estudo realizado com professores do ensino secundário, concluíram também que as exigências do trabalho (e.g. sobrecarga de trabalho, exigências emocionais) estão positivamente correlacionadas com a interação trabalho-família negativa, e que esta por sua vez conduz ao burnout. Por outro lado, os recursos do trabalho (e.g. controlo, suporte de colegas) estão positivamente correlacionados com a interação

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trabalho-família positiva que, consequentemente, conduz a uma diminuição do burnout. De igual modo, Beham e colaboradores (2011) concluíram que a interação trabalho-família negativa parece ocorrer mais devido a elevadas exigências do trabalho e não devido à inexistência de recursos no trabalho, da mesma forma que a interação trabalho-família positiva parece ocorrer mais pela presença de recursos do trabalho, do que pela ausência de exigências do trabalho.

Perante a utilidade do Modelo das Exigências-Recursos no Trabalho (Bakker & Demerouti, 2007; Demerouti et al., 2001) na explicação do impacto do contexto profissional, também foi analisada a sua aplicação na explicação do impacto do contexto familiar na interação entre o trabalho e a família. Assim, para Demerouti e colaboradores (2012), o domínio familiar também pode ser perspetivado em termos de exigências e recursos, tendo igualmente um processo de dano para a saúde e um processo motivacional, que podem ser transferidos para o domínio profissional. Concretamente, exigências familiares que exigem demasiado esforço (e.g. várias tarefas familiares para cumprir), geram tensão, que pode transpor para o domínio profissional. Por sua vez, a existência de recursos familiares (e.g. suporte conjugal) permite lidar com as exigências familiares, favorece o investimento na realização das tarefas familiares e gera efeitos positivos que podem transpor para o domínio profissional. Assim, as exigências familiares são os aspetos físicos, sociais ou organizacionais da família que exigem esforço físico e/ou psicológico e estão associados a determinados custos físicos e/ou psicológicos (Nel, Koekemoer & Nel, 2012). Já os recursos familiares são os aspetos da família que permitem reduzir as exigências familiares e promovem o desenvolvimento e o bem-estar no domínio familiar (Hakanen et al., 2011). As exigências familiares têm, assim, impacto na interação família- trabalho negativa e os recursos familiares têm impacto na interação família-trabalho positiva (Demerouti et al., 2010).

Concluída a descrição dos principais antecedentes da interação entre o trabalho e a família, apresentamos em seguida as suas principais consequências.

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CAPÍTULO III

CONSEQUÊNCIAS DA INTERAÇÃO TRABALHO-FAMÍLIA

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A importância da investigação da interação entre o trabalho e a família é também explicada pelas suas consequências, verificando-se que afeta não só os profissionais, mas também a família, as organizações e a própria sociedade (Allen et a., 2000; Mcnall et al., 2010). Tal como os seus antecedentes, também as consequências da interação entre o trabalho e a família negativa e positiva têm sido analisadas distribuídas por três categorias relacionadas com: trabalho, família, e saúde e bem-estar individuais (Allen et al., 2000; Amstad, Meier, Fasel, Elfering & Semmer, 2011; Bellavia & Frone, 2005; Crain & Hammer, 2013; Mcnall et al., 2010). Assim, esta será a categorização pela qual neste capítulo iremos apresentar as principais consequências da interação entre o trabalho e família negativa e positiva identificadas na literatura. Iniciamos por uma revisão das consequências relacionadas com o domínio do trabalho e da família, seguindo-se uma descrição das consequências relacionadas com a saúde dos profissionais. Neste último ponto daremos especial ênfase a duas consequências ao nível da saúde psicológica, nomeadamente, o burnout e o engagement, e a uma consequência a nível físico, o cortisol salivar, por constituírem algumas das variáveis que iremos privilegiar no nosso estudo empírico.