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Culpabilidade

No documento Antonio Cecilio Moreira Pires (páginas 91-94)

4. O REGIME JURÍDICO SANCIONATÓRIO

4.1. O regime jurídico sancionatório no contexto do regime jurídico administrativo

4.1.7. Culpabilidade

Para se falar em responsabilidade é preciso que se possa imputar o fato que se constitui em infração a uma pessoa, seja ela pessoa jurídica ou física. Nesse mesmo passo, é perfeitamente possível examinar se essa pessoa é “culpada” ou “inocente”.

Como muito bem anota Rafael Munhoz de Mello:

‘Ser culpado’ significa contribuir para a ocorrência da infração administrativa em situações em que era exigível comportamento diverso. De modo singelo, pode-se afirmar que ‘ser culpado’ significa não ser inocente[...] O princípio da culpabilidade veda a imposição de sanção administrativa retributiva a pessoas que não contribuíram de modo algum para a ocorrência da infração administrativa, ou a fizeram a despeito de terem agido licitamente e adotado a diligência exigida no caso concreto142.

141 Nas palavras de Heraldo Garcia Vitta: “Se uma pessoa importa mercadoria sem autorização do órgão sanitário do país importador, e sem efetuar o pagamento do tributo, respondera nas duas ordens administrativas: sanitária e tributária. Há duas infrações administrativas, porque dois deveres foram descumpridos, ocorrendo violação de diferentes normas administrativas.

[...]

Além dessa possibilidade, o ordenamento poderá determinar expressamente, para a mesma conduta, duas ou mais sanções administrativas, por descumprimento de um mesmo dever, ou por afronta à mesma natureza administrativa”. (A sanção no direito administrativo, p. 36).

142 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. p. 184.

Entretanto a discussão é muito maior. Discute-se, em verdade, a questão do dolo ou da culpa nas sanções administrativas. Em linhas gerais, o conceito de dolo encontra-se intimamente ligado com a prática voluntária de um comportamento proibido, enquanto a culpa depende de imprudência, imperícia e negligência.

No direito espanhol, afirmam Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramon Fernández que a sanção administrativa durante muito tempo foi imposta em razão de responsabilidade objetiva, prescindindo, portanto, de dolo ou de culpa. Essa posição, posteriormente, foi condenada pela jurisprudência e depois pela regra de aplicação dos princípios do direito penal ao direito administrativo143.

Certo é dizer que no direito penal, para a configuração do ilícito é necessário muito mais que o evento danoso. É necessário conjugar o comportamento taxado de ilícito com uma conduta subjetiva reprovável144.

No direito privado, parece-nos que a questão do dolo ou culpa é algo pacífico. Com efeito, o art. 186 do Código Civil Brasileiro é bastante claro ao dispor que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Entretanto no direito administrativo sancionador inexiste legislação a dispor sobre a observância do princípio da culpabilidade no exercício do ius puniendi estatal, para nós função sancionadora. Ainda que seja assim, a doutrina pátria tem entendido que a sanção administrativa requer o exame da culpabilidade.145Nesse mesmo passo, muito bem andam as decisões de nossos Tribunais146.

143 ENTERRIA, Eduardo García ; FERNÁNDEZ, Tomás Ramón. Curso de derecho administrativo, p. 1080.

144 WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal – uma introducción a La doctrina de La acción finalista. Reimp., Montevideo/Buenos Aires:Editorial Ibdef, 2001 p. 118

145 Nas palavras de Marçal Justen Filho: “A configuração de infrações pressupõe a reprovabilidade da conduta do particular. Isso significa que a infração se caracterizará pelo descumprimento aos deveres legais ou contratuais, que configure materialização de um posicionamento subjetivo reprovável. Como decorrência, a imposição de qualquer sanção administrativa pressupõe o elemento subjetivo da

culpabilidade” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 853).

146 BRASIL. Decisão proferida pelo STJ: “Processual. Administrativo. Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa. Art. 10, caput, da Lei 8.429/92. Licitação. Participação indireta de servidor vinculado à contratante. Art. 9º, III e § 3º, da Lei 8666/93. Falta suprida antes da fase de habilitação. Súmula 07/STJ. Ausência de dano ao erário. Má-fé. Elemento subjetivo essencial à caracterização da improbidade administrativa.

Em outras palavras, a sanção administrativa só deve ser imposta ao particular quando minimamente configurada a sua culpa.

1. O caráter sancionador da Lei 8.429⁄92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: (a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); (b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); (c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa.

2. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvado pela má-intenção do administrador.

3. A improbidade administrativa está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente público, do que decorre a conclusão de que somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo (artigo 10, da Lei 8.429⁄92). 4. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, sendo certo, ainda,

que a tipificação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8429⁄92) exige a prova de sua ocorrência, mercê da impossibilidade de condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido. Precedentes do STJ: REsp 805.080⁄SP, PRIMEIRA TURMA, DJe 06⁄08⁄2009; REsp 939142⁄RJ, PRIMEIRA TURMA, DJe 10⁄04⁄2008; REsp 678.115⁄RS, PRIMEIRA TURMA, DJ 29⁄11⁄2007; REsp 285.305⁄DF, PRIMEIRA TURMA; DJ 13⁄12⁄2007; e REsp 714.935⁄PR, SEGUNDA TURMA, DJ 08⁄05⁄2006.

5. In casu, a ausência de má-fé dos demandados (elemento subjetivo) coadjuvada pela inexistência de dano ao patrimônio público, assentado no voto condutor do acórdão recorrido, verbis: "consoante se infere da perícia levada a efeito, os serviços contratados foram efetiva e satisfatoriamente prestados, não tendo sido registrado qualquer prejuízo ou perda financeira e⁄ou contábil causado à Administração e, ao revés, reconhecida pelo Tribunal de Contas do Estado a regularidade da licitação (fls. 857⁄861). Na verdade, não restou demonstrado no curso do processo a prática de ato ilícito dos réus que constituísse lesão ao erário público e possibilitasse a indenização pelos prejuízos suportados" (fl. 1458), revela error in judicando a analise do ilícito apenas sob o ângulo objetivo. 6. Ademais, a exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429⁄92, considerada a gravidade das

sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada com ponderação, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além do que o legislador pretendeu.

5. O processo administrativo

É impossível a aplicação de qualquer sanção administrativa sem a instauração de um processo administrativo, com observância do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, necessário se faz o exame desse instituto, ainda que em rápidas pinceladas.

A Constituição de 1988 trouxe uma nova dimensão ao processo administrativo, na medida em que o art. 5.º, inciso LV, a ele se refere de modo expresso147.

Todavia cumpre-nos lembrar que a terminologia “processo” vem, costumeiramente relacionada ao direito processual civil e penal como meio de se dirimir um litígio em sede jurisdicional. Essa ideia de processo, de cunho estritamente jurisdicional, tem raízes históricas, determinadas pelo predomínio de uma concepção essencialmente privatista do processo, ao menos até meados do século XIX.

Além disso, põe-se também que a atividade administrativa poderia ser exercida livremente. Essa pensamento contrapõe-se, logicamente, à ideia de processo, que pressupõe uma atividade regrada, condicionada a determinados parâmetros preestabelecidos148.

De acordo com essa ótica, Eduardo J. Couture compreende o processo dentro de um contexto jurisdicional, correspondendo a uma sucessão de atos direcionados para a obtenção da coisa julgada, que se destina à resolução de conflitos perante órgãos jurisdicionais.149 Nesse sentido, para o autor parece

147 Art. 5º [...]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusado em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente;

148 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 11 - 13.

149 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesual civil. 3. ed., Buenos Aires: Depalma. 1993, p. 123.

No documento Antonio Cecilio Moreira Pires (páginas 91-94)