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O princípio da legalidade

No documento Antonio Cecilio Moreira Pires (páginas 79-82)

4. O REGIME JURÍDICO SANCIONATÓRIO

4.1. O regime jurídico sancionatório no contexto do regime jurídico administrativo

4.1.2. O princípio da legalidade

Não é demais dizer que o princípio da legalidade deve nortear toda a atividade administrativa do Estado. Ruy Cirne Lima já apontava em seu magistério que a “Administração deverá submeter-se ao princípio da legalidade, que constitui a regra básica dos atos administrativos” 112.

De mesmo pensamento, Garcia de Enterria e Tomás-Ramon Fernandez afirmam que

a Administração é uma criação abstrata do direito e não uma emanação pessoal de um soberano e atua submetida necessariamente à legalidade, a qual, de sua vez, é uma legalidade objetiva, que se sobrepõe à Administração e não um mero instrumento ocasional [...]”113.

110 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988, p. 95

111 José Joaquim Gomes Canotilho grafa, em síntese, que alguns princípios devem ser considerados princípios constitucionais estruturantes, que serão densificados por subprincípios. (Direito Constitucional 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999, p.1099).

112 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7ª ed. rev. e reelaborada por Paulo Alberto Pasqualini. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 223.

113 GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramon. Curso de derecho administrativo, p. 470- 471.

A nossa Constituição, seguindo a doutrina pátria e alienígena, tratou da matéria ao dispor, em seu art. 5º, inciso II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Em outro giro, somente se pode impor ao particular a obrigação de fazer ou não fazer determinada coisa, senão em virtude de lei.

No mesmo texto legal, temos ainda, no art. 37, “caput”, a legalidade como um dos vetores da Administração Pública, direta e indireta, de quaisquer uns dos poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de onde se diz que a Administração só pode fazer aquilo que se encontra previsto em Lei.

Disso se pode concluir que a Administração somente poderá agir licitamente em consonância com uma competência expressamente determinada em lei. Disso deflui, em outras palavras, que no silêncio da Lei não poderá a Administração agir. Ainda que tal entendimento ecoe quase que de forma unânime na doutrina, não podemos deixar de registrar as lições de Lúcia Valle Figueiredo:

Todavia, o princípio da legalidade não pode ser compreendido de maneira acanhada, de maneira pobre. E assim seria se o administrador, para prover, para praticar determinado ato administrativo, tivesse sempre que encontrar arrimo expresso em norma específica que dispusesse exatamente para aquele caso concreto.

Ora, assim como o princípio da legalidade é bem mais amplo do que a mera sujeição do administrador à lei, pois aquele, necessariamente, deve estar submetido também ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais, assim também há de se procurar solver a hipótese de a norma ser omissa ou, eventualmente, faltante 114.

No nosso entender, assiste razão à autora, na medida em que o direito se faz não só em razão da mera literalidade da lei, mas antes, em razão da interpretação. Claro está, todavia, que esse pensamento, não pode ser concebido de forma absoluta, sendo relativizado em cada caso.

De qualquer modo, para aquilo que nos interessa, a legalidade representa uma garantia ao administrado, determinando dentre outros, o comportamento que o indivíduo deve ter, sob pena do cometimento de ilícito.

Marçal Justen observa que “tipificar legislativamente a ilicitude e sua sanção equivale a atribui ao particular a possibilidade de escolha entre o lícito e o ilícito”115.

Assim, foi com o objetivo de ofertar uma maior garantia ao indivíduo que o art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal é de lapidar clareza ao dispor que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Em apertada síntese, em matéria penal, está consagrado que somente a lei é capaz de estabelecer as condutas e penas correspondentes (princípio da reserva legal), bem como será essa mesma lei que deve delimitar detalhadamente a conduta punível.

Do mesmo modo, o princípio da legalidade deve ser concebido no âmbito do direito administrativo sancionador. Entretanto, não podemos descartar a existência de lei que venha a estabelecer genericamente uma sanção. Nessa hipótese, há que se perquirir se a aplicação de pena prevista em lei genérica padeceria do vício maior de inconstitucionalidade.

Segundo nosso pensamento, uma vez estabelecido o ilícito e a sanção, ainda que genericamente, nada obsta que essa lacuna seja preenchida pela edição de regulamento próprio. Esse posicionamento, entretanto, não está a supor que o ato em comento possa inovar a ordem jurídica116. Perfeitamente possível será que o

115 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 813.

116 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, com propriedade, aborda a questão do regulamento no ordenamento pátrio: “Assim os regulamentos hão de ter por conteúdo regras orgânicas e processuais destinadas a por em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei, ou para desenvolver os preceitos constantes da lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ela circunscrita, isto é, as diretrizes, em pormenor, por ela determinadas.

Não podem os regulamentos autorizados ou delegados ser elaborados praeter legem, porquanto seu campo de ação ficou restrito à simples execução de lei”. (Princípios gerais de direito administrativo, p. 370).

regulamento disponha sobre a matéria, de forma a propiciar a execução da sanção. No dizer de Régis Fernandes de Oliveira:

Pode ocorrer que a hipótese legal seja bastante ampla e abrangente, de forma a recolher farta possibilidade fática. Imaginemos lei que dispusesse: o regime disciplinar dos estabelecimentos oficiais de ensino será previsto em regimento, podendo ser aplicadas as penas de repreensão, suspensão e expulsão expulsão. Com base em tal dispositivo legal, a autoridade administrativa ira limitar, via normativa regimental, quais as hipóteses de infrações possíveis, fixando, então, de acordo com a gravidade, às sanções respectivas117.

Dessume-se, por conseguinte, que neste caso, a lei contempla competência discricionária, até porque dificilmente o legislador poderia prever todas as hipóteses ou comportamentos possíveis dos administrados. É importante assinalar, portanto, que o regulamento terá por objetivo limitar a margem de discricionariedade do Administrador Público118.

Em suma, o princípio da legalidade sempre deverá ser observado.

No documento Antonio Cecilio Moreira Pires (páginas 79-82)