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2.3 Gestão da diversidade

2.3.4 Cultura e mudança cultural

Conforme sugerem autores como Thomas Jr. (1991) e Cox (2001), a implementação da gestão da diversidade implica uma mudança cultural na organização. Cox (2001) indica adicionalmente que “organizações que criarem a visão do uso da gestão da diversidade estarão à frente das demais e serão as preferidas para atrair os talentos” e complementa que “(...) não é possível entender o conceito de gestão da diversidade, muito menos a sua implementação, sem apreciar sua conexão com a cultura organizacional” (COX, 2001, p. 13- 15). Postula o autor que o processo de gerenciamento da diversidade inclui:

examinar a cultura organizacional;

identificar os elementos fundamentais da cultura que moldam os comportamentos; determinar quais as raízes culturais suportam o gerenciamento da diversidade (e quais não);

modificar as raízes culturais incompatíveis com a gestão da diversidade.

Cabe aqui uma reflexão sobre cultura organizacional e como alterá-la. Para Schein, um dos autores mais citados neste campo de estudos, a cultura organizacional é entendida como:

O conjunto de pressupostos básicos que um determinado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e de integração interna, e que funcionou bem o bastante para serem considerados válidos e ensinados aos novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas (SCHEIN, 1992, p. 12).

Schein (2007) sugere que as manifestações culturais sejam analisadas em três níveis, de acordo com o grau de visibilidade destas manifestações para os agentes externos. O primeiro nível compreende o dos artefatos, que são os processos visíveis, na própria estrutura da organização, como linguagem, formas de vestir, disposição física, arquitetura, decoração e nas formas de comportamento encenado. Se alguns elementos e condições podem ser observados e apurados à primeira vista, por outro lado, podem ser difíceis de decifrar. O segundo nível trata dos valores casados. A terminologia expressa a necessidade de se adotar algumas justificativas aos funcionários da organização, como forma de esclarecer como a filosofia, estratégias e objetivos implementados pela empresa são expressos e manifestos, a

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fim de se constatar a consonância ou divergência entre as percepções reveladas oralmente e os valores adotados pela instituição. Os valores tornam-se “casados”, quando existe uma coerência entre o que se elegeu como princípio e entre os comportamentos expressos. Quando esses valores tornam-se parte da filosofia da organização, passam a conferir identidade e auxiliar a organização na condução de problemas incontroláveis ou eventos difíceis.

Quando a solução de um problema funciona repetidamente, passa a ser algo intrínseco à organização, tido como verdadeiro e muito difícil de mudar. Trata-se do terceiro nível de cultura, os pressupostos básicos. Esses pressupostos remetem à própria história da organização, seu legado de crenças e valores mais implícitos e inconscientes, já que tais princípios respaldam-se em mitos ou na forma de fundação da instituição e são vistos, portanto, como certezas a serem compartilhadas entre os integrantes da instituição por meio de um processo de aprendizado contínuo. Schein (1992) acredita que a cultura é fortemente transmitida pelos fundadores e líderes; o processo de aprendizado relativo à formação dos pressupostos nada mais é do que uma doutrinação dos novos integrantes da organização, como forma de fortalecer as condutas comportamentais que residem na mente dos líderes e fundadores, as quais, por terem sucesso, são tidas como válidas e corretas.

Os pressupostos básicos são a essência da cultura, suas certezas profundas, que já estão enraizadas entre os membros da organização. Muitas vezes, os membros não manifestam consciência sobre os pressupostos, pois o significado já foi apreendido e se transformado em atitude. Os artefatos e valores de uma organização são mais fáceis de identificar. Já o levantamento dos pressupostos exige um olhar mais crítico e apurado do pesquisador.

A disposição das pessoas em absorver os artefatos, valores e pressupostos é determinante na formação da cultura corporativa. Em consonância com esses conceitos, Aktouf (1994) afirma que nenhuma cultura é expressa sem que aconteça uma identificação dos atores sociais com seus pares, sem o reconhecimento das estratégias de socialização e sem que haja a interiorização nos membros da coletividade. A construção e irradiação dos elementos da cultura se iniciam com a transferência da identidade organizacional idealizada pelo fundador e lideranças.

Schein (1992) identifica várias possibilidades para a construção desta identidade pelos líderes da organização, como utilização de carisma pessoal do líder, ações formais para disseminação da cultura, discussões sobre o assunto em eventos e reuniões formais, entre outros. O autor entende que a participação do líder é fundamental, tanto na criação, disseminação e transformação da cultura, bem como na maneira de reagir a incidentes críticos

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e às crises organizacionais. Para Schein (1992), um bom líder é aquele que consegue controlar a ansiedade do grupo perante as situações críticas, bem como oferece soluções para problemas que venham a ocorrer durante a operação do negócio.

Conforme menciona Cox (2001), em seu modelo de implementação da diversidade (figura 5), não é possível entender o conceito de gestão da diversidade, muito menos a sua implementação, sem apreciar sua conexão com a cultura organizacional e que o processo de gerenciamento da diversidade inclui determinar quais as raízes culturais suportam o gerenciamento e quais não e buscar modificar as raízes culturais incompatíveis com a gestão da diversidade.

Segundo Van de Ven e Poole (1995), o conceito de mudança é um tipo de evento empiricamente observável quanto à diferença em forma, qualidade ou estado no tempo, em uma organização ou parte dela, seja um trabalho individual, ou de um grupo, um produto, a estratégia da organização ou a organização como um todo. A metáfora da cultura representa os aspectos simbólicos da vida organizacional, a linguagem, os rituais, as histórias e mitos e sua importância na compreensão da criação e manutenção da realidade organizacional (MORGAN, 2005). Qualquer alteração nos símbolos ou referências deve ser conduzida considerando a existência de resistência à mudança.

É papel dos líderes identificar as certezas compartilhadas e determinar se elas continuam válidas quando o ambiente muda. Segundo Schein (1992), o líder tem função- chave no processo de reconhecer a necessidade de intervenção e de produzir “insights” culturais que permitam ao grupo decidir a direção de sua evolução futura. Para que esta análise seja eficaz, é preciso que o líder fique “à margem da sua própria organização” para identificar a necessidade de mudança.

Schein (1992, p. 115) comenta que “a mudança cultural e o papel que a liderança desempenha nesse processo acontecem através de mecanismos diferentes, dependendo do estágio de desenvolvimento de uma organização”. Neste processo, o mais importante é que os líderes de mudança cultural reconheçam quais das certezas organizacionais devem ser preservadas e quais não se adaptam ao ambiente da empresa e precisam ser alteradas. Mudar alguma coisa implica não só aprender algo novo como desaprender algo que já existe e que possivelmente atrapalhará o processo. Uma mudança transformadora é aquela que altera os níveis mais profundos e envolve o desaprender de velhas crenças, atitudes, valores e certezas para o aprender de novas formas. Schein (1992) indica três estágios para uma mudança transformadora:

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Descongelar, que é o passo na criação da motivação para a mudança, promovendo uma desconfirmação das práticas antigas, criando uma ansiedade pela sobrevivência (ou culpa pela situação atual) e criando uma insegurança psicológica que sobrepuje a ansiedade do aprendizado.

Aprendizado dos novos conceitos e significados (substituir velhos conceitos), por meio de imitação e identificação com modelos e a exploração de alternativas de soluções e aprendizados por tentativa e erro.

Recongelar – Internalização dos novos conceitos e significados, incorporação no autoconceito e na identidade e nos relacionamentos em evolução.

Schein (1992) indica que deve haver alguma sensação de ameaça, crise ou insatisfação presente em um sistema maduro em que coisas devam ser desaprendidas antes que novos conceitos possam ser aprendidos. Ameaças podem ser econômica, política, tecnológica, legal ou moral, em função das mudanças ambientais ou ainda de um desconforto motivado por insatisfações internas.

De acordo com Schein (1992), a organização está pronta para avaliar a cultura quando souber com clareza qual é o problema da empresa e a nova maneira de trabalhar decorrente do estado ideal vislumbrado. É fundamental primeiro verificar como a cultura atual pode ajudar a alcançar a nova maneira de se trabalhar e depois identificar elementos culturais que podem atrapalhar a realização do objetivo. Para esses elementos, deve-se elaborar um plano específico de mudança cultural.

Segundo o autor, os líderes de mudança podem ser vistos como aqueles que reforçam a desconfirmação das práticas antigas e aumentam as motivações dos demais membros para o processo de mudança e aprendizagem das novas práticas. Esses profissionais devem ter credibilidade, clareza de visão e capacidade de articulação e comunicação desta visão.

Schein (1992) entende que do pronto de vista cultural “(...) a essência do trabalho do líder não é criar uma cultura organizacional, mas administrar a diversidade de forças subculturais já operantes, isto é, integrar e desenvolver uma organização altamente diferenciada, acentuar os elementos da cultura coerentes com as novas realidades ambientais e, ao mesmo tempo, mudar aqueles não-funcionais”.

A organização, entretanto, não possui uma cultura única. Subculturas emergem quando grupos de colaboradores desafiam, modificam ou substituem a cultura oficial (MARTIN, 1992). Várias subculturas podem coexistir sem que uma se torne dominante. Em relação à diversidade, seria natural esperar a existência de subculturas de grupos não

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dominantes, formados, por exemplo, por pessoas com deficiências, mulheres, negros ou estrangeiros. O inter-relacionamento entre estas subculturas pode ser explicado pelo trabalho de Martin (1992).

A autora, a partir da análise da revisão bibliográfica de diversos pesquisadores de cultura organizacional, bem como da pesquisa em algumas empresas, descreveu três perspectivas teóricas, que têm tido destaque nos estudos sobre o tema: perspectiva da integração, da diferenciação e da fragmentação. Para definir este conceito, Martin (1992) apresenta uma análise da complementaridade das perspectivas de acordo com três dimensões, conforme demonstrado no Quadro 7.

Quadro 7: Complementaridade das perspectivas culturais

Fonte: Martin (1992), adaptado pelo autor

A perspectiva da integração enfatiza a harmonia e a ausência de conflito. O consenso e a transparência são valores preponderantes e as empresas que se encontram nesse grupo são vistas da mesma maneira pela maioria dos empregados. Estudos de integração não rejeitam a existência de desvios sobre a cultura compartilhada nem tampouco pregam unanimidade (MARTIN, 1992), mas buscam consistência e um amplo consenso dentro da organização. A perspectiva da diferenciação, ao contrário, é aquela que aceita a existência do conflito e as diferenças entre as subculturas organizacionais. Martin (1992) explica que uma grande variedade de subculturas pode existir em uma organização, e que a diferenciação acontece devido a vários aspectos, como características demográficas e histórias pessoais, responsabilidade na tarefa e rede de relacionamentos, ou seja, pela diversidade dos grupos sociais. A relação entre as subculturas pode ser harmônica, como também permeada de conflitos. Finalmente, a perspectiva da fragmentação é aquela que enfatiza a ambiguidade. A cultura organizacional é vista como algo inconsistente, imprevisível e complexa. Os relacionamentos entre as manifestações são vistos como parcialmente congruentes, parcialmente incongruentes, as conexões são soltas, enfatizando o caráter dinâmico das

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culturas.

Dentro deste cenário, o estudo da cultura organizacional torna-se um dos aspectos mais importantes para a organização no direcionamento das suas atividades, pois orienta as decisões de gestão em todos os níveis da estrutura organizacional. A organização é moldada pelas crenças e valores dos executivos ou fundadores do negócio. Os valores determinam os produtos e serviços que a mesma produzirá, os critérios de desempenho que servirão para julgar seu sucesso e os níveis de eficiência e eficácia que procurará atingir. Portanto, constituem a base do modo de operação da organização, determinando os instrumentos de gestão e os princípios de ação empresarial. Neste sentido, as empresas procuram desenvolver um sistema próprio de valores, ou seja, desenvolvem sua própria cultura.

A gestão da diversidade tem como resultado a criação de uma cultura que não somente valoriza as diferenças, como também reconhece que a organização pode ser melhorada por estimular uma cultura que reconhece as diferenças como um ativo (HANASHIRO, 2004, p. 67).

Uma organização em processo de adoção de práticas que valorizam sua força de trabalho diversa e que busca adotar um gerenciamento da diversidade como uma estratégia de diferenciação está em processo de mudança cultural (COX, 2001). Segundo Cox (2001, p. 52), grandes organizações deveriam planejar a implementação da gestão da diversidade em um ciclo de ações de três anos de duração. O primeiro ciclo seria o processo de mudança organizacional, o segundo o estabelecimento da diversidade como parte do dia a dia do trabalho e a institucionalização da competência em diversidade e o terceiro ciclo seria de ajustes e de fortalecimento das práticas de diversidade. De acordo com Thomas Jr. (1991, p. 40), o gerenciamento da diversidade irá requer vários anos para sua completa implementação e, durante este tempo, ações afirmativas e valorização da diversidade devem coexistir. Com o passar do tempo, todas estas ações irão convergir para um modelo maduro capaz de maximizar o potencial de todos os empregados.

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