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Analisando a palavra em sua origem, a arqueologia se refere ao estudo daquilo que é antigo. Entretanto, esse conceito pode causar diversas contradições na tentativa de se estabelecer a arqueologia enquanto ciência e, principalmente, na definição de seu objeto de estudo. Epistemologicamente faz-se necessário que a arqueologia possua seu próprio objeto de estudo, um objeto específico que a diferencie de outras ciências. Autores como Bruneau e Balut (1997, p. 220-22) estão de acordo que o objeto específico de estudo da arqueologia é a produção humana, a técnica. Apesar de que os limites evidentes para que essa produção humana se inclua no conceito de arqueologicidade se diferencie entre os diversos teóricos da arqueologia, a ciência tem como seu principal objeto de estudo os vestígios materiais. Ainda para Bruneau e Balut (1997, p. 220-22), o objeto epistemológico da arqueologia seria a arte (enquanto técnica, o “saber-fazer”), aquilo que os humanos produziram, independentemente de sua temporalidade. Para abranger toda a técnica se inclui o “projeto” na análise arqueológica, não somente o aspecto físico de um objeto, mas também sua idealização e planejamento.

É evidente que, ao analisar um objeto, numa perspectiva moderno-ocidental humanista, sua forma de produção, seu planejamento e sua realização tornam difícil questionar

quem produziu tal arte. Em geral, afirma-se que não se trata de uma análise individualista, mas

do modo de pensar em uma rede social, como tal sociedade se relacionava, pensava, sentia e, por fim, fabricava (BRUNEAU; BALUT, 1997, p. 213-219). A arqueologia vem, nos últimos anos, alargando seu campo de ação para o estudo da cultura material de qualquer época, passada ou presente. (FUNARI, 2003).

Bruneau e Balut (1997, p. 213-219) afirmam que o imaterial também está presente no objeto de estudo arqueológico a partir do momento em que considera que o fictício poderia ser fabricado, logo o imaterial também possui finalidades industriais. Aquilo que foi destruído, sem vestígios, é também componente do estudo arqueológico, assim como “a obra em perfeita integridade”, por entrarem no conceito de obra.

Os artefatos nos auxiliam, segundo esta abordagem, a materializar o ser, seja na demonstração de poder próprio e lugar na hierarquia social, como pelo fornecimento de envolvimento no presente, lembranças pretéritas e indicações para metas futuras, ou ainda como

evidência concreta de lugares em redes sociais como símbolos de relacionamentos valiosos (LUBAR; KINGERY, 1993. p. 1-5).

A autora Tânia Andrade Lima afirma que a arqueologia histórica tem condições de “atingir aspectos não conscientes das estruturas tecno-econômicas, sócio-políticas, ideológicas, etc., que não aparecem nos registros escritos, se for desenvolvida a partir de uma perspectiva antropológica e nela buscando seus fundamentos teóricos” (LIMA, 1985, p. 1-16).

Nos fins da década de 1970 e 1980, as transições de ditaduras da América Latina, concatenando-se com a chamada “nova ordem mundial”, repercutiram na arqueologia, originando o chamado pós-processualismo. Se, no processualismo, o conservadorismo, a técnica de documentação e fatores ambientais prevaleciam na análise, no pós-processualismo, os significados da cultura material codificariam ideias e símbolos que estariam estruturados dentro dos vestígios materiais. Ideias e símbolos estes necessariamente dependentes da mente

humana. (TRIGGER, 2004, p. 325-361).

O mal-estar causado com a relação de materialidade e utilidade imediata, criada somente para atender às necessidades humanas ao meio ambiente tornou, no pós- processualismo, o humano protagonista e a materialidade – sendo objeto epistemológico da disciplina – um produto humano fundamental de análise. Desta maneira, as particularidades

culturais das sociedades ganham ênfase. A “cultura material”, dentro da corrente pós-

processual, vai além de um mero reflexo das necessidades humanas, como era na corrente processual (TRIGGER, 2004, p. 325-361).

Afirmam Francovich e Manacorda que a aparição da arqueologia pós-processual foi a transição de um pensamento que privilegiava grandes tendências e movimentos de massa a outro movimento que realça as variantes individuais e as categorias primordiais da sociedade. “Nesse sentindo, se trata de corrigir o preconceito que desfavorece as classes subordinadas, as mulheres, as minorias e os marginalizados” (FRANCOVICH; MANACORDA, 2001, p. 290- 293).

O pós-processualismo, indica Johnson, reafirma a importância das crenças das

pessoas e seu poder de simbolização e não apenas a análise da cultura unicamente por términos

de adaptação ao meio ambiente. Dessa maneira, a “cultura material”, dentro da corrente pós- processual, não era simplesmente um reflexo passivo de um conjunto de normas, mas sim um

meio na interpretação das diversas sociedades. (JOHNSON, 2000, p. 131-150).

A Cultura Material, dentro dessa perspectiva, seria, primordialmente, símbolo, um texto a ser lido e interpretado, ainda que subjetivamente. Na corrente pós-processualista, as perguntas são celebradas e mais entendidas do que as respostas imediatas e universalistas. Os

distintos pontos de vista teóricos não são vistos como problemas e sim como enriquecedores acerca da interpretação dos vestígios materiais, e a cultura material humana seria a materialização das vivências e práticas cotidianas e individuais (TRIGGER, 2004, p. 325-361).

As experiências multissensoriais passam a ser propostas e a cultura material constitui-se, segundo essa linha de pensamento, como ativa para afirmar identidades e demonstrar questões culturais muito mais profundas que apenas a olho nu pouco se observa. Nesta mesma linha de pensamento, a crença e os símbolos das pessoas são de suma importância, e o indivíduo passa ser o agente de suas construções e interpretações acerca da materialidade que o rodeia, tornando de suma importância os significados que atribuímos aos objetos e os símbolos que deles observamos e sentimos.

Tentei, aqui, dar um panorama da arqueologia, a partir da perspectiva pós- processual, citando brevemente a corrente processual, à qual a primeira se opunha. Eu parto desse histórico porque, a princípio, meu contato com “religiosidades” e culturas de matrizes africanas (na época, Umbanda), também partiram dele. E muito deste texto “brota” de minha autoria, na época, da monografia de conclusão de curso.

Entretanto, não apenas o olhei novamente, o marquei, o questionei, como ocorre no próximo tópico, no qual me debruçarei naquilo que me fez transitar de uma corrente pós- processual a uma Arqueologia Simétrica e a uma crítica à colonialidade do saber. Entretanto, algo que restou em mim da corrente pós-processual é, principalmente, a celebração dos questionamentos e não das respostas prontas.