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Capítulo IV O Quarto de Santo

4.2.4 Outras Obrigações

Coloco em separado estas duas porque, a depender da situação (do Orixá de cabeça do filho ou da necessidade), elas podem configurar tanto enquanto uma Obrigação como um serviço. São elas o Serviço de Miolos e o Eribibó (Aribibó).

4.2.4.1 Serviço de Miolos

Não considero tanto o Serviço de Miolos como uma “obrigação”, mas são tratados como tal. Não há corte de nenhum bicho na Tenda. Apenas pega-se amorim branco, mel, uma

vasilha redonda e funda e miolos de boi, que são comprados no açougue. O sacerdote colocará os miolos na vasilha, com mel. Depois ele porá na sua cabeça, cobrirá com o pano e você ficará uma noite apenas no chão, no colchão, perto do Quarto de Santo. Nessa noite, você é um “preso”. Mas apenas pela noite. No outro dia, tirarão os miolos, guardarão no pano e despacharão na praia.

O Serviço de Miolos talvez tenha sido considerado uma obrigação, particularmente, para mim, porque ele é da Iemanjá e do Oxalá (meus pais), além de lidar diretamente com o Ori. Ele geralmente é feito em casos de doenças ou de cabeças “muito avoadas”. Como já comentei, tenho esclerose múltipla, então, o serviço de miolos é exigido para mim, pelo menos, a cada dois anos.

4.2.4.2 Eribibó

Também é chamado de Aribibó. Em algumas Nações, essa obrigação é realizada como “intermediária” entre Amací/Borí ou entre Borí/Quatro-pé. Na primeira casa de Batuque que frequentei e que era de Nação Cambinda, o então Pai de Santo, pouco tempo depois de fazer o Amací em mim, queria fazer essa obrigação, que não necessitaria de duas aves. Depois, ele preferiu fazer o Borí direto. Mas, como comentei, quando marcavam de fazer minha obrigação, sempre dava algo errado. Não era para matar para Xangô na minha cabeça e agradeço muito por não terem feito, pois, não somente minha vida ficaria ainda pior do que estava na época, como também, na atualidade, eu teria que desembolsar mais dinheiro: matando para minha mãe original (Iemanjá), e também para o Xangô, já que ele teria sido agraciado com o sangue.

Na Tenda, entretanto, o Eribibó (ou Aribibó) é realizado caso o (a) filho (a) não tenha como dar o Quatro-pé (por questões financeiras, por exemplo) ou em casos de doenças – se assim for pedido no jogo de búzios. Assim escreveu seu Rubens do Oxalá:

O filho de santo que está há muito tempo com Borí e não pode dar 4 pés, mas seu Orixá está exigindo obrigação aí se faz o eribibó, seu valor varia de 2 a 4 anos ou o mesmo que o Borí só que em cima dos Orixás (Ocutás) de sua cabeça e de sua passagem, ou encostar todos e dar axé de búzios para ir aprendendo a jogar. ESTE FILHO GANHA DELOGUM. (CADERNO DE ANOTAÇÕES DO PAI RUDINEI DO OXALÁ, 2011).

Os bichos para cortar nesta obrigação são apenas aves, mas diferenciam-se do Borí, devido à quantidade, ao compromisso e ao estreitamento de relação entre Filho/Filha de Santo e seu Orixá. As aves são, segundo Pai Rubens de Oxalá:

Bará - 4 ou 7 galos vermelhos + 2 pombas pardas

Exu-Bará - 3 ou 4 galos vermelhos ou pretos + 2 pombas pardas Ogum - 4 galos brancos + 2 pombas brancas

Oyá ou Yansã - 4 galinhas vermelhas + 2 pombas brancas

Xangô - 4 galos amarelos para o moço ou 4 brancos para o Godô +2 pombas brancas Ode – 4 galos pedrês + 2 pombas brancas

Otim – 4 galinhas pedrês + 2 pombas brancas Ossanhe – 4 galos pedrês + 2 pombas brancas

Xapanã - 4 ou 7 galos preto e branco ou prateado com preto + 2 pombas brancas Obá - 4 galinhas amarelas + 2 pombas brancas

Oxum Docô e Pandá – 4 galinhas amarelas (pra Docô, pode ser branca também) + 2 pombas brancas

Yemanja -4 galinhas brancas +2 pombas brancas

Moquexe, Orumilá, e Oxalá novo (mas agachado) - 4 galinhas brancas + 2 pombas brancas (Orumilá 4 galinhas brancas e com as penas pretas pintadas)

Oxalá velho (babá) ou mais velho – 4 frangas novas brancas + 2 pombas novas Obs. As pombas têm de ser casal sempre. (CADERNO DE ANOTAÇÕES DO PAI RUDINEI DO OXALÁ, 2011).

Estas são as Obrigações que ocorrem dentro da Tenda de Nação Africana do Pai Oxalá. Uma vez que se mata, com exceção dos filhos que estão no chão, todos os outros vão para a Cozinha da Religião depenar, courear, limpar e cozinhar os bichos. No final, todos comemos – nós e nossos Orixás. Cada obrigação depende muito mais se o seu Orixá pede do que pelo tempo, mas, uma vez realizados, o Borí deve se repetir a cada dois anos e o Quatro- pé a cada quatro anos (a não ser que, em caso de doença, seu Santo peça outro tipo de obrigação).

Desde que entrei na Tenda, fiz um Amací (na Tenda não fazemos “reforço de Amací”), dois Serviços de Miolos e dois Borís. Ainda não tenho Quatro-pé. Mas, se, no meu Amací minha ligação com a Iemanjá eram as guias (que sempre me protegeram), éramos como recém-nascidas em nossa união. Primeiro veio o Serviço de Miolos, por conta da minha doença. O mais “comum” seria esperar dois anos após a data do meu Amací para verificar se haveria necessidade de um Borí. Mas, jogando búzios para o Rudy, Mãe Geny se assustou e viu que eu precisava de obrigação. Não me lembro quantos dias foram entre o jogo de Búzios e minha ida para o chão. Ela comprou todos os bichos e, me avisando “em cima da hora”, corri para comprar minha manteigueira, meus búzios (que ficam no Borí), a quartinha (que errei, como já mencionei, mas ela só matou quando eu consertei e comprei a minha quartinha atual) e o Ecó. Assim, no susto, na pressa, no desespero (até hoje, não sei o que Mãe Geny viu para me colocar tão rapidamente no chão), fui para meu segundo chão e primeiro Borí. O sangue que caiu na minha cabeça demorou pouquíssimo tempo para secar (o que significa que o Orixá estava com fome). Como tinha sido tudo muito “no susto”, voltei às minhas atividades normais, logo após os quatro dias que fiquei na Tenda. E foi uma segunda-feira, na UFPel, com minha mãe comendo ainda na minha cabeça, embaixo da minha boina, que o professor fez aquela violência comigo, que já comentei neste trabalho. Eu aceito que façam comigo, mas não façam com os meus e nem com a minha Orixá.

Após o Quatro-pé, pode ser que você seja aprontado (não é uma regra, depende muito do merecimento da pessoa, na Tenda). Quando você é aprontado, você ganha axé de búzios e axé de faca, novas materialidades vivas importantíssimas: os búzios (quando você ganha esse axé) permitem que você consulte diretamente o sagrado através do jogo. É um serviço à parte, muito importante na feitura do (a) Filho/Filha de Santo. Já o axé de faca permite que você possa cortar, ou, a partir desse dia, ser Pai/Mãe de Santo. Para a Tenda, apenas pessoas prontas podem ser madrinhas e padrinhos.

Entretanto, para fundar uma Casa (um Ilê), você deve assentar o Bará Lodé, como falamos no capítulo anterior.