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Cultura organizacional brasileira

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 42-50)

2. BASE TEÓRICO-EMPÍRICA

2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL

2.1.2 Cultura organizacional brasileira

A cultura brasileira tem sido tema de tentativas de interpretação, e com este objetivo, muitos estudos buscam compreender os traços da cultura brasileira, com base em trabalhos que analisam a formação histórica, cultural, social e econômica do país. (CHU; WOOD, 2008).

Um destes estudos tidos como referência nesta temática, é o de Holanda (1989). Em sua obra Raízes do Brasil, o autor detalha algumas características da cultura brasileira, onde uma forma de caracterizar o brasileiro é definida pelo autor como “o homem cordial”, que tem a informalidade com relação às regras, relações sociais e políticas, como uma característica marcante, que teve sua origem na colonização do Brasil, e dos sistemas dele herdados, como o patriarcalismo e o coronelismo. Para o autor, nestes sistemas a noção de privilégios a favor de pessoas próximas é muito presente, e também a apropriação do bem público como uma extensão da vida privada, onde os favoritismos têm espaço e estão acima do bem maior. Esta intimidade proposta pelo homem cordial, é também caracterizada pelo que o autor chama de “o jeitinho brasileiro”.

Contudo, é preciso deixar claro que o trabalho de Holanda (1989), não abrange todos os traços nacionais brasileiros. Nesse sentido, os estudos de Motta e Caldas (1997), trazem uma importante contribuição para o entendimento dos traços da cultura brasileira mais nitidamente influentes no âmbito organizacional brasileiro.

Para Motta e Caldas (1997), o “jeitinho” estaria próximo da malandragem, mas as duas coisas ainda seriam diferentes. O “jeitinho brasileiro” seria uma prática cordial que implica personalizar relações por meio da descoberta de um time de futebol comum ou de uma cidade natal comum, ou ainda de um interesse comum qualquer. É diferente da arrogância em apelar para um status mais alto de um parente ou de um conhecido importante. Porém, para o autor, as duas coisas são frequentes em nosso país e, por vezes, aparecem habilmente combinadas. Já a malandragem implica a predisposição para tirar vantagem, passar para trás e, eventualmente, enganar, o que o “jeitinho” não tem.

Destaca-se neste trabalho, a contribuição de Freitas, A. B. (1997), que traz para essa análise, as características chaves da cultura brasileira, para a análise organizacional, por meio de cinco traços fundamentais da cultura brasileira:

hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e aventureiro. Estes traços são apresentados conforme o Quadro 4 – TRAÇOS BRASILEIROS E CARACTERÍSTICAS CHAVES, e serão detalhados um a um, a fim de proporcionar maior entendimento sobre a percepção do autor, acerca dessas características da cultura brasileira.

QUADRO 4 – TRAÇOS BRASILEIROS E CARACTERÍSTICAS CHAVES

TRAÇO CARACTERÍSTICAS CHAVES

Hierarquia

Tendência a centralização do poder dentro dos grupos sociais

Distanciamento nas relações entre diferentes grupos sociais

Passividade e aceitação dos grupos inferiores

Personalismo

Sociedade baseada em relações pessoais

Busca de proximidade e afeto nas relações

Paternalismo: domínio moral e econômico Malandragem

Flexibilidade e adaptabilidade como meio de navegação social

Jeitinho

SensualismoGosto pelo sensual e pelo exótico nas relações sociais Aventureiro

Mais sonhador do que disciplinado

Tendência à aversão ao trabalho manual ou metódico

Fonte: FREITAS, A. B. De. Traços brasileiros para uma análise organizacional. In: MOTTA, F. C. P;

CALDAS, M. P. Cultura Organizacional e Cultura Brasileira. São Paulo: Atlas, 1997, p.44.

A hierarquia define as formas de dominação, conferindo a centralização do poder nas mãos dos governantes e a subordinação aos governados. Esse traço da cultura brasileira tem sua origem no sistema escravocrata, que marca o início das primeiras relações sociais do brasileiro, que advém de grupos humanos que se estruturam em classes opostas, que negociam mínimas condições para seu relacionamento, visando atender a suas necessidades, com base no trabalho escravo, ordenado e reprimido, separado e calado, gerando uma estratificação social e rígida hierarquização de seus atores, estabelecendo uma distância quase infinita entre senhores e escravos. Essa mesma relação se estabeleceu no núcleo da família patriarcal, por meio de um poder aristocrático, centralizando o poder na figura do patriarca, a família colonial forneceu a ideia da normalidade do poder, da respeitabilidade e da obediência irrestrita. Esta organização, compacta e única, representante de uma minoria social, fez prevalecer as preferências por laços afetivos, e não deixa de marcar a sociedade e a vida pública brasileira. (FREITAS, A. B, 1997; DAMATTA,1991).

O personalismo, por ser a sociedade brasileira baseada em relações, desenvolve-se nas pessoas, e é caracterizado pela necessidade de tornar seus relacionamentos mais próximos e afetuosos. No entanto, há uma contradição nesta sociedade hierarquizada, que ao mesmo tempo, busca proximidade em suas relações. Isso revela que a unidade básica da cultura brasileira, não está no indivíduo, mas na relação. O que vale aqui não é o cidadão, mas a malha de relações estabelecidas por pessoas, famílias e grupos de pares e amigos. A relação perverte e cria variações da cidadania, hierarquizando e criando níveis de proximidades do centro do poder. O brasileiro sabe, por exemplo, que ao ingressar em uma organização, deve logo arrumar um bom “padrinho”. Por meio de suas relações mais próximas do poder, o “padrinho” representa a trilha rumo à rápida ascensão até o topo da organização. Isso se reflete também na esfera pública, onde muitas vezes, a escolha de pessoas que exercerão funções públicas, faz-se de acordo com critérios de relações pessoais e não de suas capacidades. (FREITAS, A.

B, 1997; HOLANDA, 1989; DAMATTA, 1991). Assim, nesse meio social, marcado pelas desigualdades e múltiplas gradações sociais, surge um modo de navegação social baseado nas relações, em laços de família e de amizade, a malandragem.

Enquanto em outras nações a possibilidade de existir um intermediário entre o certo e o errado é totalmente repudiada pela sociedade e pelas leis, no Brasil, entre o “pode” e o “não pode” busca-se um caminho intermediário no famoso

“jeitinho”. Como um estilo de vida originalmente brasileiro de se relacionar socialmente, o jeitinho é mais que um modo de viver, é uma forma de sobreviver. É agir com sensibilidade, inteligência e simpatia para relacionar o impessoal e o pessoal. Assim, o malandro seria um mestre na arte do “jeitinho”, consegue adaptar-se às mais diversas situações, saindo-adaptar-se quaadaptar-se adaptar-sempre bem das ocasiões difíceis.

(FREITAS, A. B, 1997; DAMATTA, 1991).

O sensualismo, por sua vez, caracteriza as relações afetivas e próximas, que caminham no limite do que seria um sensualismo afetivo, e isso também funciona como modo de navegação social, como maneira de obter o que se deseja mais facilmente. O brasileiro gosta do contato próximo, de pele, das falas carinhosas e dos olhares atravessados. Os bate papos e conversas cotidianas conservam em

suas entrelinhas certo teor de malícia, de sensualismo. Parece que tudo isso dá graça e gosto à vida do brasileiro. (FREITAS, A. B, 1997; FREYRE, 1984).

O aventureiro descreve o brasileiro que busca limitar seu foco às perspectivas de proveito material que deem retorno a curto prazo, respeitando a lei do mínimo esforço, apegando-se gostosamente à ociosidade, preferindo deixar o metódico e o trabalho para depois. Assim já predispostos por um desprezo ao trabalho manual, o sistema escravocrata no Brasil reforçou tendências herdadas de nossos colonizadores. Aqui o trabalho manual era tarefa exclusiva do escravo, daquele que era visto como um animal para servir o senhor. Não é a toa que, no Brasil, o trabalho manual esteve sempre associado a desqualificação social. (FREITAS, A. B, 1997;

FREYRE, 1984; HOLANDA, 1989).

Ainda, baseados nesses trabalhos que analisam a formação histórica da cultura brasileira, alguns autores avançam nos estudos sobre as características da cultura brasileira, no que diz respeito às práticas organizacionais e ao estilo brasileiro de administrar. Entre estes autores, pode-se destacar o trabalho de Barros e Prates, (1996); Motta e Caldas, (1997); e Chu e Wood, (2008).

Barros e Prates (1996), falam da concentração do poder, forma pela qual a sociedade brasileira tem se valido para o estabelecimento e a manutenção da autoridade, criando uma cultura de concentração do poder baseada na hierarquia/subordinação. Para os autores, a combinação deste traço da concentração do poder, e do personalismo, tem como síntese o paternalismo.

O paternalismo traz o reflexo do valor do patriarca, que tudo pode, e aos membros do clã só cabe pedir e obedecer, caso contrário, a rebeldia pode ser premiada com sua exclusão do âmbito das relações. Assim, nas sociedades em que o poder é distribuído de forma desigual, como no Brasil, ocorre um fenômeno psicossocial de dependência continuada nos liderados pelos líderes, aceito por ambos nas condições supostas apresentadas. (BARROS; PRATES, 1996).

Para Barros e Prates (1996), a concentração de poder e o paternalismo induzem a um novo traço da cultura brasileira, que é a sua postura de espectador.

Esse traço tem como característica a baixa consciência crítica do brasileiro, por consequência, de sua baixa iniciativa, pouca capacidade de realização por autodeterminação, e de transferência de responsabilidade das dificuldades para as

lideranças.

A postura de espectador, traz por sua vez, um outro traço da cultura brasileira, chamado de formalismo. O formalismo se traduz nas organizações por meio de comportamentos que buscam por um lado a redução do risco, da ambiguidade e da incerteza e, por outro, o aumento de previsibilidade e controle sobre as ações e comportamentos humanos. Essa busca se dá por meio da criação de grande quantidade de regras, normas e procedimentos que visam garantir segurança. Ou seja, esse traço está presente no apego a leis e regras, e pode provocar discrepâncias entre o que é escrito e o que é realizado, ou entre o que é dito e o que é de fato feito. Na prática, tal condição implica a multiplicação das atividades de controle (CHU; WOOD, 2008; BARROS; PRATES, 1996).

Chu e Wood (2008), trazem um outro traço do gerencialismo brasileiro, a plasticidade, que teve sua origem no gosto brasileiro pela miscigenação, que marcou a colonização do país, visto que o colonizador português se distinguia de outros colonizadores pela ausência do orgulho de raça, por forte atração pelo sensual e pelo exótico, e pelo gosto pela mistura racial. A plasticidade manifesta-se pela assimilação fácil de práticas e costumes estrangeiros, e revela a propensão a mirar modelos e conceitos desenvolvidos em outros contextos de gestão, em detrimento daqueles desenvolvidos localmente. Histórica e tradicionalmente, a adoção de conceitos e referenciais estrangeiros na gestão das organizações no Brasil é feita sem críticas, o que revela o alto grau de permeabilidade da nação àquilo que é desenvolvido lá fora. Entretanto, é necessário ressaltar que tal assimilação pode ocorrer em alguns casos apenas superficialmente, enganando um observador menos atento e indicando um comportamento de fachada (CHU; WOOD, 2008).

Por fim, outro traço marcante da gestão no Brasil é o autoritarismo. As pessoas comportam-se de maneira predominantemente submissa e fazem o que lhes é dito para fazer. Há pouco desafio a ordens e excesso de respeito à autoridade. Ainda segundo os relatos, as decisões no país tendem a caminhar para o consenso, pois há muito medo do confronto, ausência de críticas e pontos de vistas dissidentes, revelando grande tendência à aversão ao conflito. (CHU; WOOD, 2008; BARROS; PRATES, 1996).

Contudo, apesar de convergirem em muitos aspectos, os estudos sobre a

cultura organizacional brasileira não são unânimes em seus resultados. Um fator determinante para isso, segundo Alcadipani e Crubellate (2003), é de que a maioria dos estudos sobre cultura brasileira, desenvolvidos no âmbito da administração, analisa o tema de forma homogênea, não levando em conta a pluralidade, e a heterogeneidade do país e das organizações. Os autores questionam a apresentação da cultura organizacional brasileira como claramente decifrável, com traços facilmente evidenciados, pelo simples fato de estarem dentro das fronteiras geográficas de um mesmo país. Para eles, essa noção de cultura funcionaria como uma “infraestrutura, condicionando todas as organizações, e aceitaria um princípio de causalidade simples”. (ALCADIPANI; CRUBELLATE, 2003, p. 72).

Por conseguinte, para Freitas (2006), no Brasil, o tema cultura organizacional é, ainda, tratado de maneira bastante secundária. Concordando com essa visão, Fischer e Mac-Allister (2001), afirmam que os estudos sobre cultura organizacional brasileira estão remetidos à fragmentação e descontinuidade, o que pode resultar em modismos ou estudos superficiais, e que é necessária uma comunidade de discurso interessada nos estudos sobre cultura, voltados para as organizações brasileiras, reconhecendo suas peculiaridades locais e regionais.

Cabe dizer que a intenção desta seção não é esgotar este assunto, e sim, chamar a atenção para a existência de uma cultura característica brasileira, e que a mesma, de diferentes formas, está presente dentro das organizações, e por meio de seus elementos, trabalha na construção da relação do homem e da organização.

Após essa revisão sobre a cultura brasileira e seus traços na cultura organizacional no Brasil, Freitas (2006), traz algumas reflexões sobre o indivíduo dentro do contexto destas organizações. Para a autora, ao assumir que as organizações têm uma estrutura, regras e normas, elas têm também um ideal. Esse ideal organizacional forma-se a partir dos valores que são compatíveis com seus objetivos, com o projeto a realizar, com a missão. E, é dessa forma que a organização toca uma veia sensível do indivíduo, que se refere à realização, que também pode se refletir em gratificações materiais e psicológicas.

Nesta linha de pensamento, Motta e Freitas (2000), revelam a importância da psicanálise para a análise organizacional. Na visão dos autores, a psicanálise pode auxiliar na investigação da natureza da dominação e de outras patologias que

afetam os indivíduos nas organizações. Essas reflexões vão ao encontro dos estudos de Morgan (1998), ao tratar as organizações vistas como prisões psíquicas, onde uma percepção detalhada sobre as ligações entre a organização, o inconsciente e o comportamento dos indivíduos, geralmente são ignoradas pela teoria tradicional da Administração. Para o autor, a metáfora da prisão psíquica alerta sobre as patologias que podem acompanhar a forma de pensar a organização, e deve levar a um questionamento sobre as premissas fundamentais sobre as quais se representam a realidade diária das organizações.

De acordo com a teoria psicanalítica, grande parte da realidade da vida diária, expressa preocupações e problemas que estão abaixo do nível da consciência, e isto coloca o estudo da organização e da administração numa perspectiva interessante, sugerindo que muito do que acontece em um nível superficial deve explicar a estrutura oculta e dinâmica da psique humana. (MORGAN, 1998). Para o autor, as estruturas, regras, comportamentos, crenças e padrões de cultura que definem uma organização não são fenômenos apenas corporativos, estes são também fenômenos pessoais, sendo assim, qualquer tentativa de mudar estes aspectos do mundo organizacional, pode mobilizar todos os tipos de oposições, pois

“cada indivíduo e cada grupo defende o seu status quo numa tentativa de defender seus próprios eus”. (MORGAN, 1998, p. 244).

Essa abordagem vai ao encontro do pensamento de Chanlat (2013), que chama a atenção para a necessidade de se voltar a atenção sobre o fator humano nas organizações, com o objetivo de atingir o sentido que as pessoas dão à sua existência e à sua experiência organizacional. E, para que se possa analisar a relação sujeito e organização, é necessário definir o lugar do trabalho na vida do homem. Na interpretação de Codo, Sampaio e Hitomi (1993, p. 63), “a vida dos homens não se reduz ao trabalho, mas também não pode ser compreendida na sua ausência. Onde quer que estejam as causas do sofrimento dos homens, estarão em suas próprias vidas”.

Ao finalizar o referencial sobre a cultura organizacional, e dar início à temática referente às relações entre homem e trabalho, e como tais relações podem impactar na saúde dos trabalhadores, a abordagem da psicodinâmica do trabalho será apresentada na próxima seção.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 42-50)