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ESTRATÉGIAS DE DEFESA DESENVOLVIDAS PELOS DOCENTES

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 132-136)

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.3 ESTRATÉGIAS DE DEFESA DESENVOLVIDAS PELOS DOCENTES

Para Dejours (2007), as estratégias individuais de defesa têm importante papel na adaptação ao sofrimento, visto que os trabalhadores criam estratégias defensivas para se protegerem dos conflitos que lhes causam sofrimento. Para o autor, os conflitos podem produzir graves consequências sobre os indivíduos, provocando-lhes disfunções pessoais e organizacionais, refletindo nos relacionamentos dentro da organização. Segundo o autor, o uso frequente de mecanismos de defesa leva a patologias sociais, classificadas como: patologia de sobrecarga, patologia da servidão voluntária e patologia da violência.

A patologia social de sobrecarga diz respeito a lesões de hiper solicitação, como é o caso da lesão por esforços repetitivos - LER. A patologia da servidão voluntária, por sua vez, diz respeito às necessidades de emprego e conforto na vida.

Nessas condições, as relações com os gestores são pautadas pela submissão sem protestos, pelo conformismo e por uma postura reveladora de que o trabalhador é adaptado, integrado e eficaz. Em síntese, a servidão voluntária caracteriza-se pela submissão consentida e legitimada pela naturalização e banalização do sofrimento e das injustiças, assegurando a produtividade da organização do trabalho.

Já a patologia da violência, ocorre quando as relações subjetivas com o trabalho são degradadas, o trabalho perde o sentido e o sofrimento interfere na vida familiar e social do empregado. Caracteriza-se por práticas agressivas contra a própria pessoa, contra os colegas e contra a organização, como o vandalismo, o assédio moral e até mesmo o suicídio, como forma mais radical de violência. Esse tipo de patologia é vivenciada quando a organização do trabalho impõe situações de estresse, em que o empregado paralisa-se diante da insensibilidade progressiva em

relação a seu sofrimento e ao dos outros. Quanto a esse aspecto, é oportuno lembrar que a violência tem nas suas bases a solidão afetiva e o abandono relacionados ao trabalho. (DEJOURS, 2007; PEREIRA, VIEIRA 2011).

Sobre esses aspectos das estratégias de defesa, algumas falas dos entrevistados são analisadas a seguir.

Eu procuro não me meter muito na parte política, porque eu não gosto. Eu procuro não saber muito. Eu não me estresso com isso. Eu prefiro ficar só nas minhas aulas. Eu não quero me envolver muito não, pra falar a verdade.

Com relação a colegas de outros centros eu não tenho muitos contatos. Eu quase não conheço os outros professores, só com os do meu curso mesmo.

Não sofro com fofocas, intrigas, brigas de ego. Eu não fico prestando atenção nisso. Então eu não sofro também (Débora).

Para Dejours (1992), as estratégias defensivas podem também funcionar como uma armadilha, que insensibiliza contra aquilo que faz sofrer. Isso porque, na concepção do autor, apesar dos trabalhadores vivenciarem o sofrimento, eles não o reconhecem. Mas sem conhecer a forma e o conteúdo desse sofrimento, é difícil lutar eficazmente contra ele. Entre as estratégias de defesa incluem-se o cinismo, a dissimulação, a hiperatividade, a desesperança de reconhecimento, o desprezo e a distorção da comunicação. Essas defesas trazem em sua constituição uma ambiguidade: de um lado, são modos de proteção para os trabalhadores, funcionando como uma “anestesia”, que lhes permite ignorar o sofrimento e negar suas causas; por outro lado, esse processo de negação leva o trabalhador à criação de um obstáculo à sua capacidade de pensar sobre o próprio trabalho e de lutar contra os efeitos negativos que o sofrimento lhes traz para a saúde.

Houve uma avaliação formal a partir do colegiado, eu nem abri a minha.

Nem abri para saber como eu fui avaliado. Eu não sei se eu tenho energia para trabalhar com isso, se eu quero. Pode ser uma certa arrogância, pode ser uma certa defesa, para mim tanto faz nessa altura do campeonato (Bruno).

(…) Não querer saber eu acho assim que é uma forma de defesa. Então para mim esse é um problema também, chegou num ponto que ah se dane não quero nem saber. Considero isso totalmente negativo. Isso vai gerando a indiferença, que eu tanto me incomodo. Tanto que você questiona a indiferença, e aí você acaba agindo da mesma forma. Eu ando muito desanimado com isso. O medo que eu estou tendo e de muitos colegas, é da gente chegar na indiferença mesmo (Bruno).

Segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (2012), as defesas de negação consideram o sofrimento e as injustiças uma coisa natural, e são expressas por atitudes de desconfiança, individualismo, isolamento e banalização das situações desagradáveis do trabalho. Quanto às estratégias de racionalização, estas expressam uma forma de evitar a angústia, o medo e a insegurança no trabalho, buscando justificativas aceitas socialmente para situações dolorosas e desagradáveis, acelerando o ritmo de trabalho, e de produtividade. Por fim, as estratégias de racionalização manifestam-se pela resignação, a apatia, a passividade, o conformismo, o individualismo, e o presenteísmo, como alguns dos exemplos deste tipo de comportamento.

Dejours, Abdoucheli e Jayet (2012) asseveram que essas estratégias, ao minimizarem a percepção do sofrimento, protegem o psiquismo, mas contribuem para facilitar a adaptação às pressões de trabalho patogênicas. Outra forma de lidar com o sofrimento é por meio da mobilização subjetiva, que implica a ressignificação do sofrimento, e não sua negação ou minimização. Neste caso o trabalhador não se aliena, mas procura dar um novo sentido ao seu sofrimento (DEJOURS, 2007).

Eu acho que injustiça tem muito a ver com tua perspectiva, com a tua visão, a gente acha que é injustiça, mas tem que considerar todas as variáveis, eu acho que isso tem muito a ver com o teu ponto de vista pessoal. Para mim, eu tenho algumas ferramentas que me ajudam a tentar passar por todas essas situações, uma é tentar fazer esforço físico, eu sempre ando de bicicleta, tento fazer academia, outro, é do ponto de vista mais religioso da vida, eu tenho minha religião, tento seguir a minha religião, e essa crença ela tem me ajudado muito, ao longo da vida. E baseado nessa crença tanto religiosa, tanto pessoal, tanto política, eu cobro de mim mesmo resultados que não são de parâmetros de comparação com outros colegas, com outras situações dentro da Instituição, para mim eu tenho que dar o melhor, eu tenho colocado isso como objetivo sem muitos parâmetros de comparação.

De certa forma, me permite ser mais feliz. (Fabrício).

Sobre a fala de Fabrício, é importante relatar que no dia seguinte a sua entrevista, Fabrício disse que tinha uma informação nova para contribuir com essa pesquisa. Em uma nova conversa, ele disse ter refletido bastante sobre a entrevista dada, sobre as perguntas que foram feitas, e disse ter lembrado de um fato importante. Segundo Fabrício, a entrevista fez com que ele prestasse atenção ao fato de consumir bebida alcoólica todos os dias. Para Fabrício isso não representa

um vício, mas é interessante para ele perceber como todos os dias, o ato de beber funciona como uma espécie de relaxamento após o dia de trabalho.

Nesse sentido, Dejours (1992), já constatara que algumas estratégias de enfrentamento da realidade do trabalho envolvem saídas individuais severas, como o alcoolismo, os atos de violência antissocial e a loucura propriamente dita. O alcoolismo, por exemplo, conduz, na maior parte das vezes, ao fracasso e à decadência, trazendo consigo mais problemas ainda.

É preciso esclarecer que essa citação de Dejours (1992), trata do contexto de suas pesquisas com trabalhadores em geral. Não se afirma aqui que este seja o caso de Fabrício. Seu relato foi usado apenas para trazer essa informação como contribuição para as análises dessa pesquisa.

Ainda sobre as estratégias de defesa, além das estratégias individuais, existem as estratégias de defesa coletivas, onde o grupo compartilha o sofrimento e encontra conjuntamente soluções para lidar com as situações desmotivadoras (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 2012). Porém, para que isso seja possível, é preciso que haja uma mobilização coletiva entre os docentes em prol de um objetivo comum. Contudo, nos relatos dos entrevistados, o ambiente docente não propicia essa espécie de mobilização, ou união dos trabalhadores.

Eu acho que são mais individualistas. Às vezes ocorre, pequenos grupos, mas não é algo público. Um debate claro dificilmente ocorre (Mário).

Não. Não é só com professor, isso é geral. É por isso que criam-se sociedades, os grupos, criam-se as afinidades, isso é um processo natural (Sérgio).

Não. Cada por si. Tem tantos egos. Para que brigar junto? Os melhores colegas que eu já tive, foram embora, isso é péssimo (Elisa).

Sobre as análises do prazer e sofrimento no trabalho docente, pôde-se perceber como as relações interpessoais influenciam essas vivências dos docentes.

E, além de serem prejudiciais ao trabalho desenvolvido por eles, elas se propagam para além do contexto do trabalho, refletindo também nos aspectos da vida social e familiar dos docentes, e principalmente, tendo impactos na sua saúde física e mental. Nesse sentido, pôde-se perceber que o contexto do trabalho, e as formas de

gestão das instituições pesquisadas também contribuem para esses processos de adoecimento e sofrimento no trabalho. Em vista disso, a próxima seção tratará a questão da cultura organizacional das instituições, dos elementos e traços da cultura que os docentes percebem, e que estão entrelaçados às suas vivências de sofrimento no trabalho.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 132-136)