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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 DESCENTRALIZAÇÃO DECISÓRIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL

2.1.1 CULTURA POLÍTICA E RELAÇÕES SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS

Somente no século XVII, em contraposição ao absolutismo monárquico, a sociedade burguesa estabelece a divisão entre o que é do Estado (público) e o que é da sociedade Civil (privado), passando a assumir o domínio político exclusivo do Estado moderno. Neste cenário, surge o Estado de Direito burguês. De acordo com Habermas (1984), a esfera pública burguesa corresponde ao conjunto de pessoas privadas que reivindicam diante da autoridade estatal as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social. Segundo o modelo habermasiano de esfera pública burguesa, as relações entre o sistema político e as demandas da sociedade, deverão ser intermediadas pelo povo, já que, de acordo com o referido modelo, todos podem desenvolver capacidades críticas, formar opinião pública e, assim, intervir na administração do Estado. Entretanto, as barreiras colocadas pela segregação classista acabam por impedir a consolidação da esfera pública acessível a todos.

No século XIX, ocorre, concomitantemente, ao intervencionismo estatal na esfera social a penetração da massa trabalhadora no cenário político. As intervenções do estado, como a aplicação de Direitos Fundamentais e a inclusão dos Direitos Sociais, têm como objetivo maior manter o sistema capitalista e impedir a revolta proletária.

Após a revolução francesa, a opinião pública passa a ser vista como importante influência para as decisões políticas, os estados gerais adotam o princípio de publicidade dos atos administrativos. Não obstante o avanço da publicidade crítica, essencial aos processos democráticos, a penetração dos setores privados no âmbito da imprensa transformou a publicidade em instrumento de persuasão e manipulação das massas em favor dos anseios das elites, dessa forma, paulatinamente, a causa pública foi sendo substituída pela causa privada, dificultando a construção e consolidação de uma esfera pública democrática.

O processo de ascensão da burguesia e de urbanização ocorre concomitantemente e, assim, a cidade passa a ocupar um lugar de destaque na sociedade, tanto do ponto de vista econômico quanto do cultural e político. A análise do papel e da natureza da esfera pública passa por duas correntes teóricas distintas: uma que defende o papel funcional da esfera pública e, portanto, atribui à mesma a capacidade de recriar identidades a partir discussões públicas e racionais que fluem com baixo grau de interferência do Estado e, outra que compreende a esfera pública como o espaço de contestação dos paradoxos da modernidade - emancipação e controle (Gideens, 1991); racionalização e subjetivação (Touraine, 1994); razão universal e individualismo (Harvey, 1993); subjetividade, cidadania/regulação e emancipação (SANTOS, 1995).

Na esfera pública, supera-se a questão da relação conflitiva entre os modelos elitistas de participação republicanos e democráticos, através da argumentação política crítica sobre questões públicas relevantes para a vida em sociedade, o que deve, em tese, promover a opinião pública crítica e contribuir com a melhoria da relação Estado-sociedade a partir do controle público das ações do governo. Neste sentido, Fraser (1993) caracteriza a esfera pública como um mecanismo institucional que busca racionalizar a dominação política do Estado em relação aos cidadãos, tendo como base a discussão racional de assuntos públicos por cidadãos iguais.

No século XX, os princípios liberais que se dispunham a combater os abusos do Estado em países europeus, tornaram-se, nos países latino-americanos, retórica das elites que lideravam a política econômica desenvolvimentista. Oriunda de ideais estatais, a esfera pública, nesses países, apresenta distorções e características típicas da cultura dominante.

Sendo assim, a igualdade dos cidadãos no interior da esfera pública, foi promovida à custa de milhares de excluídos (AVRITZER, 2002).

No caso específico do Brasil, pode-se afirmar que a constituição da esfera pública, a princípio, não significa o amadurecimento da articulação estatal com as demandas da sociedade, devido, principalmente, ao fato desta ter como condutor principal o Estado, o que a impede de apresentar um sentido propriamente cívico e de afirmação civil da cidadania. Além do referido obstáculo, a situação se agrava diante da desigualdade econômica, herdada do período colonial e refletida na miséria e exclusão da maioria do povo brasileiro, entre outras consequências tal situação tem impedido o exercício da cidadania ativa nos espaços públicos.

Holanda (1971) ratifica o entendimento exposto ao declarar que o passado colonial e o tipo de colonização dele decorrente são determinantes da formação social do Brasil moderno. O referido autor compreende que o caráter híbrido do espaço público no Brasil reporta-se à adaptação do país à modernidade desde uma ótica formal, sem, no entanto, abrir mão das práticas tradicionais na vida cotidiana dos indivíduos, o que tem dificultado a consolidação de uma esfera pública contestativa e emancipatória e, ao mesmo tempo em que esvazia as formas de cooperação social e leva à retração da esfera pública.

A liberdade e a pluralidade são condições básicas para que esfera pública, vista como

lócus da política, abra espaço para que as reivindicações dos excluídos da sociedade possam

fazer parte da agenda pública oficial. Portanto, é necessário fazer uma articulação legítima dos interesses do Estado e das demandas da sociedade, para transpor os obstáculos próprios à realidade dos países emergentes e, quiçá, tornar a sociedade civil fonte de democratização de poder (VIEIRA, 2005). Neste sentido, a consolidação de um espaço público emancipador nos países de democracia tardia, dentre muitos desafios, exige esforços para reativar atitudes cívicas e formas de cooperação social, cada vez mais escassas diante da mensagem subliminar do sistema capitalista.

Historicamente o Brasil apresenta uma sequência de modelo de gestão pública que reforçam o caráter centralizador, autoritário e excludente do Estado em relação à sociedade civil. As distorções provocadas por essa forma de se fazer política têm estimulado movimentos sociais que reivindicam o direito de participar da ação do Estado. Neste sentido, desde o início da década de 90 a criação e institucionalização de espaços públicos vêm crescendo em ritmo acelerado, principalmente na esfera local, fato que aponta para a democratização da gestão e das apolíticas públicas (FARAH, 2006).

Apesar do reconhecimento do potencial desses espaços públicos enquanto lócus de aprofundamento democrático, a consolidação dessa nova lógica de tomada de decisão, na

prática, enfrenta obstáculos próprios do contexto político e social brasileiro. Na subseção que se segue, explora-se o tema institucionalização da participação à luz da Constituição Cidadã e da herança política e social do Brasil.