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2. O teatro de Sam Shepard e o drama americano moderno

2.5 A cultura do sucesso masculino

Os pais de Long Day’s Journey into the Night e Death of a Salesman estão profundamente emaranhados na cultura do sucesso masculino tão incorporado à cultura americana do século vinte. Os Estados Unidos foram de muitas maneiras fundados sobre a crença em trabalho árduo, e o desejo de esforçar-se e ter sucesso são inerentes à psique americana, como as afirmações de Willy ilustram: “A man can’t go out the way he came in [...] a man has got to add up to something” (p. 125). Ironicamente, Dodge em Buried Child também parece agarrar-se a uma visão estereotipada de masculinidade: “There’s nothing a man can’t do. You dream it up and he can do it. Anything” (p. 110). Nos Estados Unidos, sucesso é sinônimo de respeito e prestígio; mais importante, ele representa a ideia de mobilidade social. Tanto Long Day’s Journey into the Night

quanto Death of a Salesman são caracterizadas por uma fome de sucesso financeiro. Os pais nessas peças estão determinados em se conformar às normas sociais e viver pelo código de uma sociedade capitalista e patriarcal. Tyrone e Willy incorporam a ideia que “capitalism influences a man’s ideologies in defining his masculinity” (WAKEFIELD, 2003, p. 23).

Tyrone e Willy têm uma forte ética de trabalho e grande orgulho de suas profissões; na verdade, eles são definidos em relação a suas carreiras profissionais. Miller introduz seu protagonista masculino com as seguintes palavras: “From the right, Willy Loman, the Salesman, enters” (p. 12, grifo do autor). A descrição de Tyrone feita por O’Neill é similar: “The stamp of his profession is unmistakably on him. (…) the actor shows in all his unconscious habits of speech, movement and gesture” (p. 13). Parece que Tyrone e Willy identificam-se em primeiro lugar com seus papéis na sociedade, não com os papéis privados como maridos e pais. Eles são homens ambiciosos que se dedicam a esfera pública, e o pico das suas vidas está relacionado com suas carreiras profissionais. Tyrone agarra-se ao elogio que recebeu: “As I look back on it now, that night was the high spot in my career (...) I made the manager put down his exact words in writing. I kept it in my wallet for years.” (p. 153, 155). Death of a Salesman está infestada com referências a um tempo em que as realizações de Willy eram supostamente grandiosas: “in 1928 I had a big year, I averaged a hundred and seventy dollars a week in commissions” (p. 82).

Acima de tudo, Tyrone e Willy consideram-se homens de negócio importantes ativamente participando do sistema capitalista dos Estados Unidos. Eles adotam a obsessão da cultura americana com a riqueza material, como bem percebemos através do passatempo que Tyrone adota de investir em propriedade e a preocupação de Willy com posses materiais. Eles escolhem adaptar-se a uma sociedade na qual homens são em primeiro lugar valorizados de acordo com as suas realizações públicas e o tamanho das suas contas bancárias. O medo de Tyrone da pobreza e suas afetações aristocráticas podem ser comparados às lutas de Willy por prosperidade financeira e sua preocupação com os homens de sucesso. Tyrone e Willy acabam incapazes de negociar entre seus papéis públicos e privados, o que os impele a negligenciar suas famílias. No caso desses homens, a busca por sucesso material mostra-se irreconciliável com a expectativa de que eles sejam bem sucedidos como esposos e pais. Na sua fervorosa busca por riqueza e status – a definição americana de sucesso – suas famílias sempre vêm em segundo lugar. Wakefield observa sobre essa sobreposição dos papéis: “America’s twentieth century capitalistic society thwarts American fathers attempting to fulfill traditional paternalistic roles” (p. 24). Na verdade, Willy e Tyrone também projetam seu papel público na arena do lar.

A profissão de Willy requer que ele constantemente interprete o papel do talentoso e confiante vendedor. Willy confia na sua habilidade de encenar e ganhar a convicção de outras pessoas. Seu sentido de auto-estima depende da aprovação de outros, e como resultado, ele preocupa-se com sua reputação dentro do mundo público. Na conduta de Willy ecoa a filosofia de negócio de Dale Carnegie: a ideia de conquistar o mundo através do charme e da personalidade. Willy acredita que o sucesso pode ser atingido através da atratividade pessoal, de ser estimado pelos outros: “personality always wins the day” (p. 65) e “be liked and you will never want” (p. 33). Claramente, de acordo com Willy ser popular é sinônimo de ser bem sucedido. Ele constantemente aplica sua filosofia dos negócios com sua família e cria seus filhos à sombra dessa ideologia. Ele diz para Biff e Happy: “America is full of beautiful towns and fine, upstanding people. And they know me, boys, they know me up and down New England (…) I can park my car in any street in New England, and the cops protect it like their own” (p. 31). O vendedor tornou-se uma parte inseparável da identidade de Willy. No decorrer da peça nunca ficamos sabendo que tipo de produto Willy vende. Podemos argumentar que Willy vende a si mesmo. Ele se permite tornar uma mera mercadoria no sistema capitalista. Sua preocupação com o valor de Biff no mundo dos negócios sugere um desejo de vendê-lo no mercado capitalista. Ao fazê-lo, Willly mercantiliza Billy em termos de cultura de consumo na qual os Estados Unidos do século XX é fundado, e ele parece incapaz de olhar além do valor de mercado de Billy. De acordo com Steven R. Centola, Willy “has deceived himself into thinking that the values of the family he cherishes are inextricably linked with the values of the business world in which he works” (p. 27). Willy interpreta o papel de homem de negócios até o derradeiro final; onde ele vende sua vida pelo lucro.

Como ator profissional, Tyrone sabe quando entrar no papel, e ele é repetidamente visto encenando para ele mesmo assim como para outros. A peça é permeada por alusões literárias, em inúmeras ocasiões Tyrone e seus filhos citam filósofos e autores conhecidos. Tyrone é visto “putting on a fake heartiness” (p.68) em frente a Edmund, e mais tarde ele “forces his face into a pleasantly paternal expression” antes de abordar seu filho “with an actor’s heartiness” (p. 91). Em várias ocasiões Mary menciona a tendência do marido de trazer sua profissão para casa junto com ele: “He isn’t a great

actor for nothing, is he? (...) I can tell when you’re acting!” (p. 124). Ela também afirma que ele sempre “makes such a show of himself” (p. 44). Tyrone confia em suas habilidades teatrais para conseguir lucrativas barganhas vestindo sua máscara de confiança masculina. De acordo com Jamie: “Tyrone puts on an act for every damned fool that comes along” (p. 57). Ele também parece valorizar os filhos em termos capitalistas o que fica evidente quando ele menciona que Jamie não vale o próprio salário (p. 32). Jamie chama a atenção para maneira de seu pai valorizar tudo até mesmo os próprios filhos em termos monetários: “If Edmund was a lousy acre of land you wanted, the sky would be the limit” (p. 31). Wakefield comenta: “In the twentieth century American society, family members do not value each other through intrinsic standards but rather are objectified and commodified by economic standards” (p. 2). Essa afirmação aplica-se tanto a Long Day’s Journey into the Night quanto a Death of a

Salesman.

A natureza performativa da masculinidade serve para caracterizar relações familiares em Buried Child também, retratada através dos personagens Dodge e Bradley. É importante observar que as máscaras de representação teatral desses homens diferem das de Tyrone e Willy, que vestem as máscaras do sucesso masculino. Entretanto nas quatro peças as máscaras originam-se de um sentimento de inadequação masculina e podem ser vistas como tentativas de ganhar dominação masculina. O pai e o filho de

Buried Child estão completamente conscientes da obsessão da cultura americana com a

“importance in a man” (p. 105), como Bradley a coloca. Incapaz de atender às expectativas da sociedade em relação ao sucesso, eles parecem recorrer a um comportamento agressivo para poder provar sua masculinidade. De acordo com Shepard, “there’s some hidden, deeply rooted thing in the Anglo-male American that has to do with inferiority, that has to do with not being a man, and always, continually having to act out some idea of manhood that is violent” (em MCDONOUGH, 1997, p. 35). Por exemplo, a linguagem usada por Dodge e Bradley pode ser caracterizada como extremamente agressiva. Logo de início, o pai ameaça matar o filho (p. 67) e é impressionante testemunhar que a grande maioria de suas falas termina com pontos de exclamação, o que serve para enfatizar a conduta agressiva de Dodge. Bradley também tenta compensar sua falta de poder masculino através da sua atitude violenta, a qual é demonstrada na sua entrada na peça: “Sonuvabitch! Sonuvagoddamnbitch!” (p. 81). Sua aparência física imponente pode ser vista como uma tentativa de provar sua dominação masculina e compensar por sua perna amputada: “His arms and shoulders are extremely powerful and muscular” (p. 82). Quase no final do Ato II, Bradley enfia seus dedos brutalmente na boca de Shelly – um estupro simbólico – numa demonstração da sua superioridade masculina. Entretanto, como Ann C. Hall (1993, p. 99) argumenta: “Bradley’s patriarchal power is questioned at the very moment He is trying to prove his potency”.