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Capítulo 2 Fundamentação Teórica

2.3 Cultura no plural

2.3.2 Cultura versus Civilização

Interessa-nos nesta parte observarmos como se estabeleceu a dicotomia entre esses dois conceitos nas ciências sociais que se encontra também presente no ensino de línguas.

Thompson (1995) nos esclarece que cultura designava, em seu significado original, o cultivo ou cuidado com grãos e animais e que adquirindo uma conotação nova, por extensão ou analogia, este termo passou do cultivo de grãos para o da mente; enquanto que civilização era primeiramente usado para caracterizar um processo em direção ao refinamento e à ordem, oposto à barbárie e à selvageria.

A distinção entre os termos cultura e civilização, conforme ainda Thompson (1995) aconteceu na Alemanha, ao contrário do que acontecia na Inglaterra e na França onde cultura e civilização eram usados para aludir ao desenvolvimento humano, ou seja, tornar-se culto ou civilizado. Na Alemanha esta diferença estava associada ao modelo de estratificação social no início da Europa moderna. Aprender as boas maneiras e língua francesas era para a nobreza e a burguesia emergente, símbolo de status e a intelligentsia alemã- que era uma classe que desempenhava atividades artísticas e intelectuais, não pertencia à nobreza e a criticava por imitarem os franceses. Esta classe de intelectuais, então, utilizava o termo Kultur (cultura) para mostrar sua posição e se diferenciarem das classes superiores. E neste sentido, o significado de civilização tomou uma conotação negativa.

Esta conotação negativa também se estabeleceu no ensino de línguas. Nas metodologias tradicionais temos o ensino de civilização, um conteúdo separado da língua, ligado às artes, à erudição (GALISSON, 1995). Barbosa (2005) afirma, outrossim, que o ensino de civilização está ligado ao método estruturalista, ou seja, ao aprendizado de línguas pela repetição de estruturas.

A fim de estabelecermos um melhor entendimento destes dois termos, tomaremos as dimensões de Kramsch (2009) que organiza três relações entre o ensino de línguas e a maneira de tratar a cultura historicamente. São as relações universais, as nacionais e as locais:

 Relações Universais

O aprendizado das línguas clássicas, como o grego e o latim, determinava o de uma cultura universal e era oferecido às elites europeias letradas. Esta ligação entre língua e cultura (com o respaldo da igreja católica que era então incontestada), ditava que este conhecimento transmitia as verdades eternas, as verdades universais. Mais adiante, a escolha dos estudos de línguas nacionais incorporou este pressuposto, a autora cita que na França o alemão era escolhido pelas elites porque era a língua da filosofia. Ademais, as línguas eram ensinadas para se ter acesso a textos literários e clássicos em nome de uma cultura que privilegiava o caráter estético cujos cursos se davam por meio da gramática-tradução.

 Relações Nacionais

Em seguida, Os estudos literários evoluíram para além de estudos filológicos e a linguística torna-se uma disciplina em si, mas separada da cultura. Logo, ensinar uma língua era, por conseguinte, ensinar habilidades, comportamentos verbais automáticos, sem elementos culturais. No entanto, este ensino era propenso a se ter acesso a uma literatura nacional com contribuições culturais, por vezes tendo a pretensão de abordar tanto a cultura universal quanto a nacional, e para esta última, adquirindo interesses nacionalistas. A disciplina Civilisation, por exemplo, na França, Alemanha e Inglaterra era separada do ensino de línguas, a língua constituia somente um “suporte” de transmissão de saberes literários e culturais, em que se fala de monumentos, de feitos históricos, de grandes figuras de um país.

 Relações Locais

Para as relações locais, aconteceu que, por volta dos anos 1970, houve uma demanda por parte dos professores para se trazer a cultura para o nível local, integrando-a à língua, enfatizando os aspectos socioculturais da mesma. Ademais, o acesso mais igualitário às línguas, devido ao maior deslocamento de pessoas com a criação da União Europeia, exigia, então, objetivos mais democráticos que tiveram relação com as necessidades locais de situações de comunicação em contextos precisos. Nesta visão, a cultura no ensino de línguas é concebida como funções linguageiras, ou seja, noções práticas na fala e ações do dia a dia para uma língua. Mesmo assim, estas funções estavam ligadas às necessidades humanas comuns a todos. A autora chama a atenção para a ilusão inicial de se analisar padrões de atos de fala para culturas diferentes e de que este tipo de pedagogia inclinar-se-ia a num modo de se pensar igual para todos.

Pode-se considerar que a cultura erudita e em seu aspecto de civilização, encontra-se nas duas primeiras relações citadas pela autora; e a cultura do cotidiano, em seu aspecto social, pode ser percebida nas relações locais, a qual se associou primeiramente aos atos de fala.

Acreditamos que a teoria dos atos de fala são importantes para estudos da linguagem e para a evolução do ensino de línguas, a maneira de concebê-los é que estabelecerá a prática em sala de aula para além de simples modelos de diálogo, pois como afirma Kramsch (2009), interessar-se pela diversidade cultural implica em reconhecer as variedades na língua do cotidiano. Na maneira de ver de Celce-Murcia (apud ALMEIDA FILHO & FRANCO, 2008) os atos de fala são diferentes de língua para língua. No entanto, pode-se observar em muitos LDs, ou em outros materiais para o ensino de línguas, a ocorrência de modelos de diálogos artificiais que não mostram a diversidade de culturas.

Concordamos com Kramsch (2009) que considera a língua como heterogênea e a realidade cultural que a acompanha também, neste sentido, a língua é prática social. Sendo assim, a diversidade está no centro da maneira como é percebida e representada na realidade. Por isso, a autora diz que não podemos recorrer a simplificações, dizendo, por exemplo, que os franceses falam de uma só maneira. Compactuamos com a mesma opinião da autora e acreditamos também que a consciência do relativismo multicultural poderá tornar menos evidente as relações de força e autoridade que determinam as características culturais.

No que diz respeito também ao tratamento à cultura, Almeida Filho (2002) afirma que a simples curiosidade por fatos culturais traz a atenção ao exotismo, que, por sua vez, toca em estereótipos que prejudicam o desenvolvimento da tolerância e da compreensão. Estes são fatores que propiciariam a integração, etapa que os bons aprendizes de uma língua almejam alcançar. Ainda segundo o referido autor, alcançar esta etapa implica a fusão e o consequente desaparecimento das marcas culturais, entendido como uma língua estrangeira que se “desestrangeiriza”.

Abdalalah- Pretceille (1996) acrescenta sua ideia, ao declarar que o conhecimento simplório de fatos de civilização definem um discurso sobre o outro, descritivo, exterior ao indivíduo; contrariamente ao conhecimento sobre fatos culturais que favorece o encontro com o outro. Pensamos que o tratamento restrito à cultura deve-se ao desconhecimento do que está além da cultura institucionalizada. Assim, dada nossa exposição de cultura no plural e cultura versus civilização, tivemos o intuito de trazer em evidência a importância da cultura em seu

sentido mais amplo, que inclui de acordo com Mendes (2011), a necessidade de o aprendente estar socialmente na língua que aprende. A seguir, discursaremos sobre a relação intrínseca da cultura com a língua.