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A primeira narrativa do Código Civil de 2002 estabelecia, em seu art. 1.767, as hipóteses em que os maiores incapazes estavam sujeitos ao instituto da curatela. Ali estavam expressos grupos de indivíduos, com as mesmas características específicas, que poderiam sofrer o processo de interdição e, assim, ser considerados interditos.

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir sua vontade; III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V – os pródigos.97

No Código Civil de 1916, os deficientes mentais eram conceituados como “loucos de todo o gênero”. O Código Civil de 2002, por sua vez, optou por utilizar a expressão “não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil”, abrangendo, dessa forma, todos os casos de insanidade mental, permanente e duradoura.98

Carlos Roberto Gonçalves explica que:

A fórmula genérica empregada pelo legislador abrange todos os casos de insanidade mental, provocada por doença ou enfermidade mental congênita ou adquirida, como a oligofrenia e a esquezofrenia, por exemplo, bem como por deficiência mental decorrente de distúrbios psíquicos (doença do pânico, p. ex), desde que em grau suficiente para acarretar a privação do necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil.99

O inciso II do referido artigo trata de outra causa impeditiva de manifestar sua vontade, que não seja uma doença ou enfermidade mental. Tal inciso era aplicado aos portadores de arteriosclerose ou paralisias avançadas e irreversíveis e, também, aos surdos-

97 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 set. 2017.

98 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 691.

99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 692.

mudos que não tenham a aptidão necessária para se comunicar ou qualquer outro tipo de doença que tornasse a pessoa imobilizada, incapacitada de qualquer tipo de comunicação.100

O inciso III volta a citar os deficientes mentais. Para Silvio Venosa:

Incluem-se as pessoas que podem ser interditadas em razão da deficiência mental relativa por fatores congênitos ou adquiridos, como os alcoólatras e os viciados em tóxicos. Como essas pessoas podem ser submetidas a tratamento e voltar à plenitude de suas condutas, os estados mentais descritos são, em princípio, reversíveis.101 Aplica-se, ainda, aos toxicômanos, de maneira plena ou limitada, e aos ébrios habituais, na medida em que estes não podem só ter alucinações.102

Os excepcionais, sem completo desenvolvimento mental, estavam elencados no inciso IV.

O Código Civil de 2002, com o uso de expressão de caráter genérico, considera relativamente incapazes não apenas os portadores da “Síndrome de Down”, mas todos os excepcionais sem completo desenvolvimento mental, ou seja, todos os portadores de alguma deficiência que os aliena do meio ambiente e, consequentemente, os inabilita para a vida civil, sujeitando-os a curatela.103

No mesmo sentido, Arnaldo Rizzaldo esclarece que:

Uma significativa deficiência, uma limitação, um minus da inteligência ou da mente, que incapacita a pessoa da compreensão de situações mais complexas ou difíceis. Praticamente essa deficiência confunde-se, no entanto, com aquela que o inciso III dor art. 1.767 contempla, com a diferença de que a do excepcional tem origem sempre em uma causa congênita, é acompanhada por anormalidades físicas, e consiste no diminuto desenvolvimento mental da pessoa, tanto que se confunde, não raramente, com o infantilismo.104

100 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 693.

101 VENOSA apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 693-694.

102 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 707-708.

103 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 695.

104 RIZZARDO apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 696.

Por fim, o inciso V abrange a prodigalidade, relacionada aos indivíduos que dissipam, desordenadamente, seus bens.105

Pontes de Miranda diferencia os tipos de pródigos:

Entre os pródigos estão os onemaníacos (impulso irresistível a comprar objetos de toda a espécie), os dispômanos (impulso a beber, uma vez com isso dissipem o que possuem), os depravados de qualquer espécie que dilapidam a fortuna ou o patrimônio em diversões, mulheres, luxo, doações, empréstimos etc. 106

O Código Civil enquadrou os pródigos como relativamente incapazes, possibilitando-os, dessa forma, à prática de atos de mera administração. Os atos que comprometam seu patrimônio, entretanto, só poderão ser exercidos por um curador.107

3.5 CURADORIAS ESPECIAIS

Instituídas temporariamente para a prática de determinados atos, as curadorias especiais são exercidas pelos membros do Ministério Público ou por um advogado nomeado pelo juízo, também conhecidos como curadores ad hoc.108

Para Maria Helena Diniz, “as curadorias especiais ou oficiais distinguem-se pela sua finalidade específica, que é a administração dos bens e da defesa de interesses e não a regência de pessoas; uma vez exauridas, esgota, automaticamente, a função do curador”.109

A seguir, apresentam-se alguns exemplos de curadorias especiais:

Dentre as curadorias especiais podem ser mencionadas: a) a instituída pelo testador para os bens deixados a herdeiro ou legatário menor (CC, art. 1.733, §2º); b) a que se dá à herança jacente (CC, art. 1.819); c) a que se dá ao filho, sempre que no exercício do poder familiar colidirem os interesses do pai com os daquele (CC, art. 1.692; Lei n. 8.069/90, arts. 142, parágrafo único, e 148, parágrafo único, f); d) a dada ao incapaz que não tiver representante legal ou, se o tiver, seus interesses conflitarem com os

105 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 708.

106 MIRANDA, 2000 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 696.

107 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 708.

108 LUZ, Valdemar P. da. Manual de direito de família. 1. ed. São Paulo: Manole, 2009. p. 341. Disponível em: <https://goo.gl/bE4yi4>. Acesso em: 20 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

109 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 711.

daquele; e) a conferida ao réu preso; f) a que se dá ao revel citado por edital ou com hora certa, que se fizer revel (curadoria in litem, CPC, art. 9º, I e II).110

Trata-se de um instituto sui generis, também chamado de “curatela-mandato”, no qual o curador tem apenas a gerência dos bens do curatelado, na premissa de que, por uma enfermidade ou deficiência física, não pode este fazê-lo. Portanto, não há o que se falar em gerência da pessoa do curatelado, mas de uma curatela ad negotia, na qual o curatelado se encontra em pleno gozo das suas faculdades mentais, inexistindo, apenas, aptidão física para cuidar de seus negócios.111

Maria Helena Diniz aduz que:

O magistrado deverá averiguar se essa curatela é mesmo conveniente para o enfermo ou até mesmo a idoso com dificuldade de locomoção, p. ex., ante a possibilidade de ocorrência de má-fé de algum parente que tenha o intentio de, aproveitando-se dele, obter para si, na administração negocial, alguma vantagem econômica. Só deverá ser deferida com a anuência do curatelado, que poderá até mesmo impugnar pedido feito por cônjuge ou parente seu.112

Nas curadorias especiais está instituído o princípio da igualdade no processo, segundo o qual, como o próprio nome traduz, as partes devem ser tratadas com igualdade. Logo, como meio de equilíbrio no contraditório processual, o juiz poderá nomear um curador especial em favor dos considerados vulneráveis pela lei (CPC, art. 72).113

Nesse sentido, o curador especial é um representante processual ad hoc para suprimento de uma incapacidade processual, não guardando nenhuma relação com o direito material em disputa, e suas funções são protetivas, eminentemente defensivas, não lhe cabendo o ajuizamento de reconvenção, nem transigir, renunciar ou reconhecer a procedência do pedido.114

110 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 689.

111 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 712.

112 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 712.

113 CABRAL, Antonio do Passo Cabral; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 23. Disponível em: < https://goo.gl/Jqz1bk>. Acesso em: 22 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

114 MIRANDA, 2001 apud CABRAL, Antonio do Passo Cabral; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 125. Disponível em: <https://goo.gl/Jqz1bk>. Acesso em: 22 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

Em síntese, o curador especial não é parte no processo, apenas atua como representante processual, em busca do equilíbrio no contraditório. Sua função resume-se em oferecer contestação, produzir provas e interpor recursos.115

3.6 A CURADORIA INSTITUÍDA PELO TESTADOR

Uma das maneiras de sucessão reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro é a sucessão testamentária, expressa nos arts. 1.857 e seguintes do Código Civil.116 Trata-se da manifestação da última vontade, em testamento, do autor da herança de dispor o seu patrimônio, podendo alterar a ordem da vocação hereditária prevista em lei, desde que respeitados os direitos dos herdeiros necessários.117

A vocação para suceder a herança pode ocorrer por lei ou testamento. Os herdeiros testamentários, classificados ou não como herdeiros ou não, são comtemplados com bens pelo autor da herança. Podem ser pessoas físicas, jurídicas, nascidas ou, ainda, por nascer.118

Quando os bens são deixados a um menor herdeiro pelo testador, poderá ele nomear um curador especial para regência dos bens até o alcance de sua maioridade, conforme disposto no art. 1.733 do Código Civil:

Art. 1.733. Aos irmãos órfãos dar-se-á um só tutor.

§ 1º No caso de ser nomeado mais de um tutor por disposição testamentaria sem indicação de precedência, entende-se que a tutela foi cometida ao primeiro, e que os outros lhe sucederão pela ordem de nomeação, se ocorrer morte, incapacidade, escusa ou qualquer outro impedimento.

§ 2º Quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe curador especial para os bens deixados, ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela.119

115 CABRAL, Antonio do Passo Cabral; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 125. Disponível em: <https://goo.gl/Jqz1bk>. Acesso em: 22 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

116 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 22 set. 2017.

117 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 229. Disponível em: <https://goo.gl/a3L92F >. Acesso em: 22 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

118 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. 9. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/FmPXBB>. Acesso em: 23 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca. 119 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:

A regra do art. 1.733 é a nomeação de um único tutor aos irmãos órfãos e, excepcionalmente, diante do caso concreto, pode ser nomeado um tutor para cada filho. Entretanto, o que interessa é a redação inserida no §2º do dispositivo, que não dispõe nenhuma relação com o caput.120

A curadoria instituída pelo testador busca prevalecer o ato de última vontade do autor da herança. Permite-se a nomeação de um curador, pessoa de sua confiança, para gerir e zelar pelo interesses do destinatário dos bens determinados, deixados por herança ou legado, até alcançar a sua maioridade.121

Os exemplos a seguir retratam a hipótese contida no dispositivo, conferindo maior clareza a ele. No primeiro exemplo, A, afortunada, não pretende deixar parte de seus bens para seu filho B, toxicômano, mas para seu neto ainda menor, C, filho dele. Como B ficaria encarregado de gerir os bens do filho em sua menoridade, a fim de que isso não ocorra, A, por disposição de ultima vontade, indica pessoa para servir de curador especial para os bens deixados a C. Nesse caso, como se vê, o beneficiário ainda se encontra sob o poder familiar. No segundo exemplo, A, pretendendo deixar o controle acionário de uma de suas empresas para o seu sobrinho B, menor tutelado por seu tio C, nomeia curador especial D, atual funcionário graduado da empresa, para administrar o legado deixado a B. Nessa hipótese, o beneficiário B se encontra sob a tutela de alguém (C).122

Diante disso, Flávio Tartuce explica que é possível nomear um curador ao menor, herdeiro ou legatário, através de testamento ou legado de nomeação. Assim sendo, “caberá ainda a nomeação de um curador especial para os bens deixados, ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou mesmo sob tutela”.123

120BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 23 set. 2017.

121 PELUSO, Cezar. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 10. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2016. p. 1973. Disponível em: <https://goo.gl/5o7YGS>. Acesso em: 23 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

122 PELUSO, Cezar. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 10. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2016. p. 1973. Disponível em: <https://goo.gl/5o7YGS>. Acesso em: 24 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

123 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família. 12. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 672. Disponível em: <https://goo.gl/tfx2NC>. Acesso em 24 set. 2017. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

Enfim, a curadoria instituída pelo testador é limitada aos bens adquiridos pelo menor com herdeiro ou legatário da herança, sendo inteiramente distinta do poder familiar ou de divisão da tutela, exercida pelo tutor. 124

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