• Nenhum resultado encontrado

Currículo e Educação Especial: conexões possíveis a partir da

2 CURRÍCULO E EDUCAÇÃO ESPECIAL EM CONTEXTO: ASPECTOS

2.2 CURRÍCULO: DIÁLOGOS COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL

2.2.3 Currículo e Educação Especial: conexões possíveis a partir da

ensino-aprendizagem de alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação. Temos clareza dos grandes desafios apresentados à escola, quando pensamos o processo de inclusão7 escolar desses sujeitos. Baptista (2003, p. 52) nos traz a ideia de que

7 A ideia de inclusão se fundamenta em uma filosofia que reconhece e aceita a diversidade na vida em sociedade. Isso significa garantia de acesso de todos a todas oportunidades, independentemente das peculiaridades de cada indivíduo ou grupo social (ARANHA, 2001, apud MENDES, 2002, p. 61).

O conceito de inclusão [...] evocaria a necessidade de transformação da escola para permitir o atendimento integrado de todos os alunos no ensino comum. Nesse caso, são defendidas as medidas de profundas alterações na organização do ensino, colocando em discussão a necessidade de análise coletivas sobre o projeto pedagógico da instituição; questionando as alternativas didáticas consideradas ‘tradicionais’ e centradas no professor; propondo a revisão de processos de avaliação (avaliação processual que considere o aluno como parâmetro de si mesmo); construindo dispositivos de apoio complementar ao atendimento no ensino comum, sem excluir o aluno de sua classe de referência; discutindo amplamente a necessidade de formação continuada de professores e demais técnicos que atuam junto às escolas.

Nesse sentido, temos presenciado a entrada desses estudantes na escola, contudo temos encontrado inúmeros professores que se dizem despreparados para com eles atuar. Assim, os alunos estão tendo acesso ao espaço físico, mas ainda precisamos pensar no acesso ao currículo trabalhado em sala de aula comum, pois, na tentativa de incluí-los, acabamos, muitas vezes, excluindo-os do processo, situação denominada por Veiga - Neto (2001) de “incluir para excluir”.

O currículo é na escola um dos elementos centrais no processo de mediação de conhecimento, pois é por meio dele que conteúdos são selecionados para serem ou não trabalhados com os alunos, que as ideologias são veiculadas, que as políticas são implementadas, o saber é distribuído, a ordem é mantida, o poder continua estabelecido. Nesse sentido, esse campo está em constante tensão, uma vez que representa um local de lutas para que, por meio dele, a mudança possa ser construída, e a ordem vigente possa ser questionada, discutida e novas possibilidades surjam como forma de anunciar outras potencialidades de trabalhos.

Diante disso, ao refletirmos sobre os processos de inclusão escolar, o currículo ganha notoriedade, pois a tensão está posta e, na tentativa de construir uma escola para todos, esse elemento acaba muitas vezes por ser uma tensão a ser pensada e discutida para que de fato a escola possa se tornar uma escola para todos, recebendo e garantindo a permanência a todos os alunos que nela chegam e por ela são recebidos acesso não só ao espaço físico, mas aos conhecimentos que lá são construídos. Stainback e Stainback (1999, p. 237) destacam que

[...] o conteúdo do currículo deve levar em conta a natureza dinâmica das necessidades dos alunos para serem bem-sucedidos na vida e no trabalho em uma comunidade (daí o enfoque em aprender a aprender) [...] para a informação ser aprendida, usada e lembrada ela deve ser significativa e fazer sentido para quem está aprendendo (daí o enfoque em se levar em conta as experiências, o interesse e o nível de entendimento do aluno).

Assim, nossa atenção se volta ao currículo, uma vez que, no processo ensino- aprendizagem, o currículo é o fio condutor de nossas ações, pois, por meio das seleções que por ele são estabelecidas, um determinado grupo de alunos têm sido pouco contemplado, o que tem representado uma parcela grande que não consegue aprender pelos mais diferentes motivos, dificuldade de aprendizagem, indisciplina, problemas sociais, afetivos, econômicos, sociais, culturais e pelas deficiências, TGDs e altas habilidades/superdotação. Esse último grupo é o que nos interessa para análise. Todos os outros são importantes, mas, neste momento, queremos compreender os processos educacionais de alunos da modalidade Educação Especial.

Historicamente, o currículo vem se constituindo por concepções padronizadas, processos de mensuração, conhecimentos delineados a priori e sem relação com as necessidades dos estudantes, como listas de conteúdos a serem aprendidos hierarquicamente, criando ideias de que algumas pessoas podem aprender enquanto outras serão excluídas dos processos educativos.

Nos processos de seleção dos conteúdos, considerados como “naturais” no cotidiano, percebemos que as seleções feitas e os conteúdos veiculados não têm garantido o direito à educação desses alunos. Temos presenciado, em nossas escolas, conteúdos desconexos com a realidade do aluno sendo transmitidos e veiculados. O currículo tem sido materializado em algo encaixado e pronto, homogeneizador do cotidiano escolar. Os programas, ações e planos do governo apresentam-se sem possibilidades de contemplar alunos que fogem aos padrões hegemônicos. No cenário apresentado, os alunos que não aprendem, por qualquer fator citado, passam a ser marginalizados no processo ensino-aprendizagem.

Destacamos que essa seleção não é inocente e pura, mas, ao contrário, é um ato carregado de intenções e de ideologias, perpassado por relações de poder e da produção e reprodução da desigualdade social (SILVA, 1996), pois o ato de selecionar os conhecimentos para serem trabalhados nos contextos escolares, invisibiliza diferentes formas de saber existentes no mundo, processos diferenciados de aprendizagem, histórias de vida e necessidades específicas de alguns sujeitos, constituindo a ideia de que a cultura deve estar acessível para alguns grupos enquanto outros são excluídos do processo.

Essa discussão nos mostra o quanto a distribuição de conhecimento vem se dando de forma desigual, pois temos ofertado maior acesso aos bens culturais àqueles considerados “mais capazes”, enquanto essas possibilidades de participação se fecham para os subjetivados como “mais fracos”. Tal situação não é um ato puro e de responsabilidade apenas da escola, mas, de algum modo, ela o reproduz e sustenta as suas práticas.

[...] abordam-se os problemas ‘prévios’ à escola, à técnica pedagógica: como, quem e por que se decide o conteúdo da educação, como se selecionam e ordenam esses conteúdos, como e quem apresenta aos professores/as [...]. O que a escola faz é uma interpretação de uma partitura que se escreve fora dela, não pelos atores que atuam em seu seio (SACRISTÁN, 1998, p. 144).

Ao ofertar acesso a determinados conhecimentos aos alunos ditos “normais” e suprimir a participação dos estudantes com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação a lógicas de socialização, esse ato demonstra alguns atravessamentos presentes nos currículos escolares, ou seja, o aluno é alguém menos capaz ou em condições inferiores de aprendizagem, não tendo, portanto, condições de entender o que é ensinado.

Focalizam-se, no processo, as ausências e as limitações do sujeito em detrimento de suas possibilidades e necessidades. Com esse olhar de ausência, a inclusão desse indivíduo não se efetiva. Ela passa a ser remendos para ações de exclusão produzidas nos documentos e nas políticas curriculares a serem reproduzidas nas escolas, pois desconsidera que os alunos com indicativos para a Educação Especial

precisam ter garantido acesso aos conhecimentos comuns, ofertados a todos os estudantes, e aos específicos, dadas as suas condições de existência nesse mundo.

Corroborando esse pensamento, Santomé (2009, p. 176) também salienta: “[...] A instituição escolar deve ser entendida não apenas como o lugar onde ser realiza a reconstrução do conhecimento, mas, além disso, como um lugar onde se reflete criticamente acerca das implicações políticas desse conhecimento”.

Então, nossa perspectiva de trabalho precisa centrar-se em práticas pedagógicas diferenciadas e em ferramentas que possibilitem acesso aos conhecimentos disponíveis a todos que frequentam a escola. O educador precisa distanciar-se das apostas que o leva a pensar na oferta de currículos mais ricos em possibilidades de conhecimento para alguns alunos enquanto aqueles com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação ficam à margem do processo, pois esse contexto caracterizaria uma exclusão produzida dentro do próprio processo de inclusão e não favoreceria o movimento em prol de garantia de direitos a todos os alunos.

As escolas comuns têm-se desafiado a buscar possibilidades e caminhos que possibilitem a construção de uma escola capaz de acolher a diversidade existente no contexto social e promover o acesso ao conhecimento por parte de todos os alunos. Essas tentativas vêm se esbarrando em currículos, estruturas físicas e organizacionais, práticas pedagógicas, perspectivas de formação docentes, processos de avaliações que, infelizmente, não contemplam a heterogeneidade presente nas escolas.

Desse modo, ao pensarmos a tensão entre o currículo e a inclusão de alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação, temos que trabalhar com uma perspectiva de currículo que nos permita considerar os diferentes percursos de aprendizagem dos alunos. Um currículo capaz de acolher a diferença humana para que todos possam ter direito à educação, garantindo, para tanto, diferentes possibilidades de participação nos processos educativos. Um currículo capaz de ser organizado a partir da heterogeneidade e não da homogeneidade. Nessa direção, Mittler (2003, p. 158) aposta que um “[...] currículo escolar acessível proporciona para todos os alunos, sem exceção, oportunidades para participar totalmente das

atividades e para experenciar o sucesso, sendo um fundamento essencial da inclusão”.

Os currículos de escolas que dialogam com os processos de inclusão precisam ser problematizados permanentemente pela comunidade escolar para que todos possam estar atentos aos processos de seleção de conteúdos. Isso é necessário, pois essa seleção não é uma tarefa desprovida de intenções e está carregada de processos excludentes. Provocar a problematização do currículo é uma aposta na formação continuada dos educadores, pois eles poderão refletir sobre algumas questões que atravessam a relação existente entre o acesso ao conhecimento e a pessoa com deficiência, ou seja: como o poder está posto nos currículos escolares? Por que naturalizamos o fato de termos grupos excluídos dos processos educativos? Como temos praticado o currículo escolar diante da diferença humana? Esses processos formativos podem ser uma possibilidade de subverter a ordem vigente e trilhar novos caminhos diferenciados diante da necessidade de constituir propostas curriculares comprometidas com o desenvolvimento de todas as pessoas. No entanto, precisamos colocá-las em pauta e não simplesmente implementá-las como já vem prescrito pelos livros didáticos ou documentos legais. “Se o currículo é aquilo que fazemos com os materiais recebidos, então apesar de todos os vínculos desses materiais com relações de poder, ao agir sobre eles, podemos desviá-los, refratá-los, subvertê-los, parodiá-los, carnavalizá-los, contestá-los” (SILVA, 2009, p. 194).

Sendo assim, nós, que atuamos nas escolas e praticamos o currículo, podemos provocar “pequenas revoluções” para fazer contemplar as necessidades de todos os alunos nos currículos escolares. Para tanto, tomaremos como pressuposto básico o direito à educação. Contudo, não podemos ser ingênuos e ter a consciência de que o currículo é campo de lutas, portanto precisamos “[...] compreender o currículo como parte de uma luta mais ampla entre discursos dominantes e subordinados, o que tem implicações práticas para o modo pelo qual os/as professores/as acolhem as experiências e as vozes dos estudantes” (MOREIRA, 2001, p. 11).