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4 UM TEATRO-ESCOLA: DIVERTIMENTO E APRENDIZADO AO

4.6 SEXTO ATO: GESTÃO DA ESCOLA

Ao retomarmos o vivido durante a pesquisa, diferentes questões a respeito da gestão escolar nos inquietam: o que é ser gestor na rede estadual de ensino? Qual a identidade desse profissional? Qual formação desse profissional que possibilita que ele possa implementar ações que garantam a escolarização de alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação? Como a gestão escolar democrática é incorporada no fazer dos diretores da rede estadual?

Ao pensarmos a escolarização de alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação, percebemos que a tarefa é complexa, demandando que todos os profissionais da escola estejam envolvidos: professores, pedagogos e diretor. Nessa direção, a gestão da escola é fundamental para pensar e implementar ações que contribuam para a escolarização desses alunos, desde ações administrativas, que envolvem gerenciamento de verbas, garantia de acessibilidade e outros, até o acompanhamento das ações pedagógicas que estão sendo desenvolvidas que possibilitem acesso ao conhecimento por parte de todos os alunos, sendo esse um direito a ser garantido.

Contudo, muitas vezes, o gestor está mergulhado numa infinidade de demandas administrativas que acaba por não acompanhar os processos pedagógicos que são tão relevantes quanto financeiros, ficando, assim, em segundo plano, ações que precisam assumir centralidade na gestão escolar. A fala da gestora explicita as contradições vividas, “[...] há uma sobrecarga de trabalho administrativo e pedagógico. Administrar requer de você muito tempo. Você é muito solicitado [...] Eu preciso dividir o tempo. Fazer de tudo um pouco, nem sempre é fácil” (DIRETORA da escola “Clarice Lispector”, 2010).

A esse respeito, Oliveira et al. (2009, p. 70) comentam “[...] é preciso compreender que a gestão não se resume em ações de ordem administrativa no interior da escola”. Este é o grande desafio da gestão: buscar o equilíbrio entre as demandas.

Gerir uma instituição como a escola não é uma tarefa simples, dadas as diferentes demandas que são apresentadas ao gestor e que requerem uma solução, imediata ou de longo prazo. Nessa direção, o discurso atualmente tem sido a busca por uma gestão escolar democrática, em que todos possam participar com autonomia e ativamente, pensar uma educação pública de qualidade. Concordamos com Oliveira et al. (2009, p. 70) quando explicitam:

A demanda da educação pública, a partir dos anos 80, passou a ter como foco de preocupação a qualidade do ensino oferecido, e neste sentido, compreende-se que essa qualidade está associada ao tipo de gestão realizada no contexto escolar, uma vez que a educação necessária para promover os princípios da cidadania está ligada às diferentes formas de concepção de educação, de homem e de sociedade.

Nesse sentido, a busca pela efetivação dessa perspectiva de gestão tem sido colocada em pauta como uma forma de a escola pública assumir uma outra identidade, primando por práticas, ações e atitudes que garantam a qualidade e o acesso de todos. Nessa mesma direção, para que a gestão democrática escolar seja vivida, o gestor da escola

[...] é uma peça fundamental no processo da democratização do espaço escolar, pois é ele quem primeiro sensibiliza e conscientiza os demais educadores da escola a também promoverem situações em que alunos e seus familiares e pessoas da comunidade sejam

ouvidos, que tenham voz, que sintam prazer em participar de um trabalho coletivo [...] O gestor faz de sua liderança uma oportunidade de compartilhar o espaço escolar com toda a equipe, o que exige aprendizado constante para o aperfeiçoamento de tomar decisões coletivamente (OLIVEIRA etal., 2009, p. 83).

No sentido de tentarmos captar como a gestora da escola “Clarice Lispector” materializava uma gestão democrática, realizamos com ela uma entrevista (APÊNDICE D) para que pudéssemos compreendê-la. Ao ser questionada sobre gestão democrática escolar, ela destacou: “É ser democrática, mas, por exemplo, não posso mudar calendário, feriado. Mas consigo que os funcionários compreendam e aceitem os processos, por conta das informações claras”.

Sua fala mostra as contradições do que tem sido entendido como gestão escolar democrática e também revela a necessidade de entendermos que a

[...] gestão democrática faz parte de um processo coletivo e totalizante, cujo requisito principal é a participação efetiva de todos. É obvio que somente a prática reiterativamente vivenciada no cotidiano demonstrará o conteúdo de uma gestão dessa natureza (FORTUNA, 2001, p. 110).

Diante disso, o cotidiano revelou que raramente as decisões eram tomadas no coletivo. Na maioria das vezes, elas eram apenas informadas, gerando aborrecimento e indignação no coletivo de professores. Isso ficou evidente ao percebermos a falta de momentos coletivos. Não havia momentos em que esse grupo se reunia, nem mesmo no recreio, uma vez que o recreio, no turno matutino, era por série. O discurso entre os professores era de que eles não assumiam uma identidade coletiva, apesar de formarem um grupo, eles não tinham características de grupo.

Um aspecto que nos chamou a atenção foi o fato de que, na rede estadual de ensino, não há eleição de diretores. Eles são indicados pela Sedu, para ocupar a função. Desse modo, a diretora da escola “Clarice Lispector” está nessa função há 12 anos, ou seja, desde a fundação da escola. Entendemos que seja interessante uma continuidade de trabalho, mas a sensação que temos é que esse tipo de prática acaba por naturalizar aspectos que não deveriam ser naturalizados. A escola

assume o perfil desse gestor, uma vez que este acaba sendo o profissional que permanece por mais tempo na escola, pois há uma rotatividade grande dos professores que, em sua maioria, trabalham em regime de designação temporária (DT).

Diante disso, se quisermos viver um processo de gestão democrática na rede estadual de ensino, precisamos compreender a necessidade de a comunidade escolar se expressar via o exercício do ato de escolher. Ao escolher o candidato que tem chance de representar e efetivar os sonhos de cada eleitor, concordamos com Fortuna (2001, p. 120) ao afirmar:

Toda essa lógica reforça, a meu ver, a hipótese de que o preenchimento do cargo de dirigentes das escolas públicas, pelo critério eleitoral, fortalece essa convergência de escolha objetal em torno do diretor eleito, que na realidade começa a se formar desde o momento da organização da chapa, propagando-se durante a campanha eleitoral e finalmente consagrando-se no grande dia da eleição, da escolha pública do grupo, depositam nele a possibilidade de realizar sua ilusão, no caso, a gestão democrática, que a cada eleição renasce dos limites de realização daquele que o antecedeu.

No exercício da democracia, temos a oportunidade de sermos ouvidos em nossos sonhos, e o nosso representante é legitimado e reconhecido via processo eleitoral. Assim, o fato de não haver eleição para a função de diretor já é um primeiro indício de negação da democracia na realidade escolar. Essa também é uma forma muitas vezes de silenciamento de vozes no cotidiano escolar.

A organização de um sistema que tem por prática a indicação de um gestor, sem a participação efetiva da comunidade escolar, ocasiona uma falta de negociação e, pelo fato de não haver eleição, a comunidade escolar acaba sendo silenciada por “não ter poder de fala”. Esse tipo de organização cria insatisfações no cotidiano da escola, gerando um ambiente muitas vezes tenso, sem autonomia, e as ações do gestor nem sempre são reconhecidas, uma vez que não são gestadas no coletivo; são ações caracterizadas pelo individualismo, não assumindo uma identidade grupal e escolar. Não sendo assumida muitas vezes pelo grupo, dificulta o próprio ato de gerir essa comunidade.

Nesse sentido, a realidade da rede estadual está um pouco distante do que tem sido discutido em relação à gestão democrática escolar, que pressupõe que “[...] educar para a cidadania requer criar condições para que os sujeitos da educação possam participar ativamente do processo de gestão da escola. É preciso, portanto, que a escola conceda autonomia para todos os segmentos envolvidos” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 69).

Os estudos que discutem os processos de escolarização dos sujeitos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação têm apontado que as experiências bem-sucedidas têm surgido em um contexto coletivo que busca pensar suas demandas em lócus na tentativa de propor soluções, não esperando que “receitas prontas surjam e solucionam os problemas”, de modo que essa dinâmica seja vivida de forma potente pela via da negociação constante e do exercício da democracia.

A gestão escolar na rede estadual tem tido a tarefa de regular as ações escolares, atendendo às determinações colocadas pelo sistema. Ter um bom desempenho nessa tarefa significa a continuidade de sua função. A fala da gestora da escola explicita essa prática, “[...] tenho buscado atender o sistema, por que tem que andar conforme a lei, atendendo às demandas. Procuro fazer os professores entender o sistema e o que precisa ser cumprido”. A fala nos revela um caráter de gestão meramente executora de um sistema.

Em contrapartida, a professora Mariana analisa a situação com outro olhar, angustiada e com desejo de “poder falar”, expressar e problematizar e, assim, construir um coletivo que possa negociar entre os seus componentes. Ela destaca: “O Estado quer isso, um gestor indicado, pois este é o seu vigia para que as coisas aconteçam. Esse gestor controla e tudo fica bem. O professor não pode questionar, pois não volta ano que vem, já que é DT. Assim, o sistema fica fácil de ser gerido”.

Nossa discussão tem sido no sentido de compreender que há uma organização que precisa ser seguida e cumprida, mas, como educadores, não podemos cumprir “a tarefa” sem problematizá-la. Há necessidade de sermos críticos e reflexivos, se

quisermos garantir uma educação pública de qualidade, pois é no ato de refletir que encontramos novos percursos a serem percorridos, aí o nosso grande dilema.

5 FECHANDO AS CORTINAS: OS ATORES AINDA PRECISAM ENCENAR MAIS