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2. CAPÍTULO 1 REFERENCIAL TEÓRICO

2.2. Educação e currículo

2.2.2 Currículo e escola do campo

A partir da teoria de que o currículo se configura como um dispositivo cultural de significação de subjetividades e ideologias, pensar um currículo para uma educação e uma escola do campo requer que nos debrucemos sobre as singularidades próprias dessa realidade. Se levantamos a bandeira de que o campo é cultura e história, e, assim sendo, seus princípios educativos se baseiam em premissas diferentes das realidades educacionais dos centros urbanos, por exemplo, os formatos de escolas nesses territórios reorganizam-se de modo a atentar para as questões específicas do sujeito do campo.

A primeira grande premissa sobre um currículo para as escolas do campo está na ampliação do conceito de educação e na recusa do preconceito de que para mexer com a enxada e com a terra poucas letras são necessárias. Esse posicionamento é importante exatamente porque

são os coletivos do campo os que foram sempre na nossa cultura não reconhecidos como gente, ou apenas reconhecidos como gente de segunda, de terceira categoria, como gente que não tem identidade. Coletivos não reconhecidos como sujeitos de direito. Essa imagem tão negativa do campo, dos povos do campo fez com que para eles a educação fosse algo desnecessário. Se os vemos como coletivos parados, sem mobilidade, atolados na tradição, sem futuro, não tem sentido uma educação preparatória para a mobilidade, para o futuro (ARROYO, 2005, p.3).

Nessa ótica, reconhecer os povos do campo como gente e sujeitos de direito requer pensar um currículo no qual o diálogo de saberes esteja na ordem do discurso. Ou seja: em concordância com o que Caldart (2009) afirma, é preciso aprofundar os trabalhos metodológico e pedagógico na valorização da experiência dos sujeitos, ajudando, assim, na reapropriação teórica do conhecimento coletivo para que se possa superar a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual. Esse aprofundamento, contudo, não pode (e não deve) figurar apenas ‘na tese’: a escola não pode valer apenas por sua forma e seu conteúdo despolitizados e a-históricos, falsamente neutros. A vida real do campo precisa

ser real também na escola e em seu projeto pedagógico, com a presença no cotidiano escolar de sujeitos concretos que contemplem um currículo articulado com as diferentes dimensões formativas.

As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica Nas Escolas do Campo (Resolução CNE/CEB, n. 1, de 3 de abril de 2002) documentam e oficializam como política pública alguns princípios e procedimentos necessários à construção das escolas do campo. Seus artigos n. 4 e n. 5 afirmam que tais escolas se constituirão como espaços públicos de “investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente sustentável”, que contemplem a diversidade do campo em todos os seus aspectos: “sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia”. Então, de acordo com as Diretrizes, a identidade de uma escola do campo terá como base fundadora:

 princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum;

 princípios políticos dos direitos e deveres da cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à democracia;

 princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade, da qualidade e da diversidade cultural;

 princípio político de explicitar o papel da escola com vistas à construção de um projeto alternativo de desenvolvimento sustentável;

 princípio da interdisciplinaridade, com a construção integrada do conhecimento;

 princípio da preservação ambiental, supondo novas relações entre pessoas e natureza;

 princípio metodológico da pesquisa como uma postura crítica diante da realidade;

 princípio político-pedagógico da construção do conhecimento e da organização escolar tendo como referência o mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura vivida pela população do campo;

 princípio pedagógico da valorização dos diferentes saberes, resgatando-os em sala de aula;

 princípio pedagógico de que os tempos e os espaços de formação não se limitam apenas às paredes das salas de aula, mas se definem na produção, na família, na convivência social, no lazer, nos movimentos sociais;

 princípio político de compromisso com a (re)construção de relações sociais de gênero;

 princípio político do respeito, da valorização e do fortalecimento da identidade étnica e racial dos diferentes povos do campo e

 princípio pedagógico da avaliação entendida como processo que engloba os conhecimentos, as atitudes, os valores e os comportamentos no processo de ensino e aprendizagem.

Assim sendo, os currículos das escolas do campo, segundo a Resolução CNE/CEB, n.1 de 3 de abril de 2002, além de se orientarem pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e a Educação Profissional de Nível Técnico, devem:

 direcionar as atividades curriculares e pedagógicas para um projeto de desenvolvimento sustentável;

 avaliar os impactos da proposta da instituição sobre a qualidade de vida individual e coletiva;

 realizar uma abordagem solidária e coletiva dos problemas do campo, promovendo o estímulo à participação nos processos de elaboração, desenvolvimento e avaliação das propostas pedagógicas;

 promover estudos sobre a diversidade e o protagonismo das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva e

 valorizar, nas propostas pedagógicas, a diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, respeitando a fidelidade aos princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas.