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4. CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO CORPUS

4.3 Observações de aulas

4.3.1 Observações de aulas – Professora A

4.3.1.2 Procedimentos didáticos

Para tentarmos compreender as concepções subjacentes aos posicionamentos pedagógicos da professora A em relação ao ensino e à língua, nos atentamos também para os seus procedimentos didáticos.

Nos dois momentos de ensino observados, percebemos que a docente realizou atividades com dois eixos de ensino da língua: a gramática e a leitura. Podemos, a partir de suas escolhas didáticas e metodológicas, das aulas 1 e 2, concordar com Geraldi (2009), quando diz que

as atividades de ensino dos conteúdos gramaticais não constituem, na prática escolar, a desejável, continuidade dessas ‘reflexões epilinguísticas’, mas se apresentam, ao contrário, como a verdadeira e única reflexão sobre os recursos expressivos de uma língua. E, ainda pior, as análises resultantes das teorias gramaticais que inspiram os conteúdos ensinados são respostas dadas a perguntas que os alunos (enquanto falantes da língua) sequer formularam. Em consequência, tais respostas nada lhes dizem e os estudos gramaticais passam a ser “o que se tem para estudar”, sem saber bem para que aprendê-los (p. 122).

Em concordância com as palavras do autor, observamos que a professora A, em sua aula sobre grau do aumentativo, utilizou-se de procedimentos didáticos mais direcionados ao tratamento metalinguístico de questões gramaticais: a docente enumera, no quadro, uma lista de palavras em suas formas aumentativas, solicita que os alunos as copiem e lê, junto com a turma, cada um dos termos expostos, evidenciando a importância de os alunos saberem pronunciar e reconhecer as palavras e seus devidos aumentativos. Sua prática voltada para a identificação e memorização de formas do aumentativo e do diminutivo, sem maiores problematizações sobre o tema, faz crer que as aulas de língua portuguesa se mantêm apegadas a teorias insuficientes e esgotadas por sua ineficácia na compreensão da língua enquanto prática social, política, cultural e humana. O enfoque discursivo desse tópico linguístico é suprimido diante da proposta explanativa realizada pela professora.

Geralmente, o ensino da gramática na escola se faz a partir do posicionamento uno em relação à língua. E, implícita nessa postura linguística e educativa, está a noção de que “ensinar língua é a mesma coisa de que ensinar gramática” (POSSENTI, 2000, p. 60). Assim sendo, para o ensino de gramática apenas duas atividades seriam possíveis: “o estudo de regras mais ou menos explícitas de construção de estruturas”, por exemplo, atividades sobre o estudo das regras ortográficas, das regras de concordância, de regência; e “a análise mais ou menos explícita de determinadas construções”, como, por exemplo, a distinção entre vogal e consoante, a análise sintática da oração, o grau do substantivo.

Ensinar gramática, na escola, sob essa perspectiva, parece ser algo cultural, intrínseco à tradição do ensino do português nas escolas. Mesmo que tal ensino não promova nenhuma reflexão sobre o uso da língua, é quase inconcebível pensar uma aula

de português sem o estudo das regras gramaticais, simplesmente porque essa metodologia de ensino tem historicamente um grande prestígio social. O problema em si não se encontra no estudo sistemático e estrutural da língua. Ele se fixa, na verdade, à ideia de que o estudo sobre a língua é apenas o estudo de sua estrutura e de seu sistema de códigos.

Percebendo a professora A como um sujeito institucional, em primeira análise, ela estaria em diálogo com o posto pelo discurso de ordem do MST, visto que é educadora de uma escola vinculada ao movimento. Essa análise, contudo, não representa de fato a institucionalidade da docente A. Sua posição enquanto sujeito muito mais dialoga e repercute os discursos legitimados pela escola tradicional do que por uma escola que se propõe não hegemônica.

No que diz respeito às aulas 3, 4 e 5, nas quais a docente trabalha, com os alunos, o texto A causa da chuva, de Millôr Fernandes, evidencia-se, a partir de seu posicionamento diante do texto, que a leitura, nesse momento, não é vista como uma forma de interação com outros discursos e práticas linguísticas. Dessa forma, o texto é mais um pretexto, não para o estudo gramatical, mas para a realização de leitura oralizada. Ou seja, o texto trabalhado pela professora não vem para a sala de aula com o intuito de suscitar reflexões sobre língua e discurso, ou sobre as dimensões do real. Ele protagoniza o momento de treinamento da leitura fluente dos alunos, no qual a professora corrige e reitera suas entonações, suas derrapadas nas pontuações. Ora, se a leitura

de um lado incide sobre ‘o que se tem a dizer’, pela compreensão responsiva que possibilita, na contrapalavra do leitor à palavra do texto que se lê; de outro lado, incide sobre as ‘estratégias do dizer’ de vez que, em sendo um texto, supõe um locutor/autor e este se constitui como tal (GERALDI, 2009, p. 166).

Ainda sobre as aulas 3, 4 e 5, e sobre o texto de Millôr Fernandes, a professora leva o texto incompleto para os alunos, faltando o final e a moral da história. Realizar a leitura de uma fábula sem problematizar sua moral descaracteriza o gênero textual e modifica o sentido do texto. Além disso, de nenhuma forma o texto é problematizado em sala por sua temática ou por suas características linguísticas. Nessa atividade, a leitura perde sua função social, sendo realizada apenas como pretexto para uma atividade interpretativa8 também superficial e pouco problematizada pela professora.

4.3.1.3 Articulação entre as metodologias utilizadas em sala com as propostas nos documentos curriculares do MST

De acordo com os documentos analisados, o ensino de língua deve ter como fundamentos a expressão oral e escrita, a leitura de textos e o estudo da literatura. Dentre esses eixos para o ensino de língua prescrito no dossiê do MST, em relação à leitura, especificamente, são estabelecidas as seguintes competências: a fluência, a entonação e o ritmo na leitura oral.

Em primeira análise, podemos afirmar que a professora A está em perfeita sintonia com os documentos do MST, mesmo não tendo conhecimento deles. Acreditamos que isso se dá pelo fato de ser consensual a importância dada à leitura oral em sala de aula. Essa observação dialoga com o fato de que há princípios escolares que se enraízam nos alunos, nos professores e mesmo em propostas educativas ditas alternativas. A docente, então, representa, em seu discurso e em suas práticas, a institucionalidade da escola tradicional e de suas características.

Sobre o estudo da literatura, não conseguimos dados que comprovassem a realização desse estudo por parte da professora A. Os dados obtidos durante a realização desta pesquisa, especialmente os coletados a partir da entrevista semiestruturada, somente nos mostram que os textos lidos e trabalhados em sala de aula giram em torno do narrar e do informar, principalmente.

No tocante à relação dos conteúdos trabalhados em sala com a realidade dos sujeitos e do assentamento, observamos, na pequena amostra de dados obtida, que ela não acontece. Na atividade de leitura da fábula de Millôr Fernandes, percebe-se que mesmo havendo a possibilidade de trabalho com um tema próximo à realidade dos alunos (a chuva – a escola se situa no sertão), isso não acontece.

As considerações que podemos construir diante desses fatos é a de que a tradição escolar ainda está muito presente em todo o universo educacional. E mesmo uma escola vinculada a um movimento social organizado, com uma proposta de educação que se pretende transformadora não está a salvo da cultura escolar enraizada nos sujeitos.