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A DÉCADA DE 1990 E AS PROPOSTAS REFORMISTAS – JUVENTUDE ENQUANTO CAPITAL HUMANO

CAPÍTULO II MERCADO DE TRABALHO, ENFOQUES E AÇÕES PARA JUVENTUDE TRABALHADORA BRASILEIRA: NOVA TRÍADE, VELHAS

2.4 A DÉCADA DE 1990 E AS PROPOSTAS REFORMISTAS – JUVENTUDE ENQUANTO CAPITAL HUMANO

O mercado de trabalho brasileiro foi profundamente afetado pelas alterações que ocorreram na economia brasileira ao longo da década de 199073. Os rumos de um novo modelo econômico se consolidam com o processo de abertura política democrática e, especialmente, com as eleições de 1989. De início, o novo governo apresenta sua tendência conservadora e alinhada com os discursos das instituições financeiras multinacionais. A política econômica adotada, a

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partir daí, centrava-se no combate aos altos níveis inflacionários, no controle do déficit público e na redução do papel do Estado, com privatizações de empresas estatais e serviços públicos, assim como a abertura comercial.

Essa nova ordem internacional e a gestão da política macroeconômica incorporada pelo Brasil foi progressivamente desfavorável ao crescimento econômico e ao desempenho do mercado de trabalho. Após uma década de ajuste exportador para o pagamento da dívida externa, nos governo de Collor e de Fernando Henrique Cardoso (FHC) ocorre uma liberalização indiscriminada das importações, sem exigências de contrapartidas dos parceiros comerciais, o que levou, segundo Baltar (2006)74, a um elevado déficit em conta-corrente e a um novo ciclo de endividamento externo da economia brasileira.

A crise econômica provoca um estreitamento do mercado de trabalho na década de 1990, que dificultou fortemente a entrada de jovens na atividade econômica, com idades de 15 a 20 anos; a taxa de participação diminuiu de 71, 7% em 1992, para 60, 9% em 1999. Para aqueles jovens que continuavam insistindo na busca por um emprego remunerado, o desemprego aumentou de 11, 9% para 20,1%, durante essa década, como destacou Baltar (2006)75. Contudo, o autor também reitera que o crescimento da população economicamente ativa continuou intenso, reconfigurando o perfil em termos de idade e sexo, este último em decorrência da participação das mulheres na atividade econômica.

Entretanto, o desempenho da economia não foi capaz de gerar oportunidades de ocupação suficientes para incorporar o crescimento do contingente da população ativa. Apesar de o desemprego afetar todos os segmentos da população, sua ampliação foi mais intensa entre jovens e mulheres adultas76. Em relação aos jovens, “a quantidade de desemprego foi multiplicada por três vezes, a ocupação foi reduzida em 2,9% e a inatividade cresceu 12%”. (POCHMANN, 2007).

Mas, o que pode ser feito com a América Latina para sair da crise, da estagnação econômica, e dos altos índices de desemprego, da inflação, da dívida externa e retomar o crescimento? De uma reunião, em Washington, realizada em 1989 para discutir essa questão, foi elaborado consensualmente um conjunto de propostas de políticas e reformas requeridas para a 74 Baltar et al. 75 Baltar et al. 76

Baltar et al. (2006, p. 29-51) sinalizam que, além dos jovens, as mulheres foram as mais afetadas na década de 1990.

“salvação” latino-americana. A esse documento chamou-se Consenso de Washington, cujo receituário de políticas foi utilizado por organismos internacionais – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, entre outros – como condicionamento para a realização da tão requisitada renegociação da dívida externa dos países da região.

Para tanto, os governos latino-americanos, e o Brasil não foge à regra, tiveram que seguir passo a passo a cartilha do Consenso, transferindo a sua “capacidade de decisão” àquelas entidades internacionais que passaram a ditar as ações políticas necessárias. Nesse contexto, o neoliberalismo começou a ganhar terreno e emergiu como contraponto político, econômico e ideológico à predominância da intervenção estatal77. Seja nos países ricos ou pobres, era/é consenso que o neoliberalismo é um complexo processo de construção hegemônica, configurando-se como uma alternativa de poder extremamente vigorosa, constituída por uma série de estratégias políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a crise capitalista mundial que se inicia ao final dos anos 1960 e se manifesta nas décadas seguintes.

Como solução ao problema, foram disseminadas as ideias, defendidas principalmente pelos economistas Friedrich Hayek e Milton Friedman, de competitividade no livre mercado e forte diminuição da influência do Estado sobre a economia. Dessa forma, Friedman (1987), influenciado pelas ideias de Adam Smith, esclarece que o papel do governo seria o de preservar a liberdade, preservar as leis e a ordem, reforçar os contratos privados e promover mercados competitivos. Entretanto, evidencia também a dificuldade em se construir e manter uma sociedade livre, pois a presença do Governo, necessária à preservação da liberdade, constitui-se, ainda, em uma ameaça.

Sabiamente, elucida Gentilli (2001) que, durante a segunda metade do século XX, o neoliberalismo deixou de ser apenas uma simples perspectiva teórica produzida em confrarias intelectuais, para orientar as decisões governamentais em grande parte do mundo capitalista. Uma dessas decisões foi a reforma dos Estados nacionais, uma vez que era preciso uma estrutura mais flexível que pudesse atender às novas demandas do mercado. Desse modo, o neoliberalismo

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As ideias e práticas neoliberais se arrastam por todo o mundo, deixando sequelas por toda a parte. A América Latina, de fato, foi o cenário do primeiro experimento político do neoliberalismo em 1973. Para Anderson (1995), a ditadura de Pinochet foi responsável por forte desregulação, desemprego maciço, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos e privatização dos bens públicos. As vítimas desse ideário não se esgotaram nessa experiência, pois, nos anos seguintes e no contexto das incipientes democracias pós-ditatoriais, o neoliberalismo chegara ao poder, na maioria das nações da região, pela via do voto popular.

produziu um “novo estado” sob o poder das grandes empresas e organismos internacionais que ditam regras, passando-se da minimização do Estado à sua reconstrução para um novo papel de executor das deliberações.

Nesse contexto, o Banco Mundial atua como importante formulador de recomendações políticas para os países da periferia e como disseminador, junto ao FMI, das políticas de cunho neoliberal78. Desde 1997, a cartilha do Banco Mundial já indicava79 aos dirigentes da América Latina, em seus relatórios, uma mudança no papel do Estado, pois era preciso adaptar-se ao mundo que se transformava; desse modo, deveriam procurar aumentar sua eficiência. Isso significaria, segundo o Banco Mundial, que, no contexto atual, o Estado não deveria ser mais o promotor direto do desenvolvimento, mas deixar essa tarefa para os mercados. O Estado deve, portanto, minimizar a sua atuação, de modo a tornar-se um catalisador, facilitador e parceiro dos mercados; deve complementar os mercados e não substitui-los; deve voltar sua ação para a implantação e adaptação de instituições que estimulem um melhor desempenho dos mercados.

Nessa perspectiva, o Estado brasileiro passa pela reforma gerencial do Estado, proposta pelo ex-ministro Bresser Pereira. Os componentes ou processos básicos da reforma do Estado dos anos 1990 foram: (a) a delimitação das funções do Estado, reduzindo seu tamanho principalmente no contingente de pessoal, através de programas de privatização, terceirização e

publicização80; (b) a redução do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário, através de programas de desregulação que aumentem os recursos destinados aos mecanismos de controle via mercado, transformando o Estado em promotor da capacidade de competição do país em âmbito internacional, em vez de protetor da economia nacional contra a competição internacional; (c) o aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decisões do governo, através do ajuste fiscal, que devolve autonomia financeira ao Estado; também por meio da reforma administrativa, rumo a uma administração pública gerencial, e a separação entre a formulação de políticas públicas e a sua execução, dentro do próprio Estado; (d) o aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo, graças à existência de instituições políticas que garantam uma melhor intermediação de interesses e

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Leia-se políticas de combate à pobreza. 79

Leia-se, também, obrigava. 80

A palavra publicização foi criada para distinguir este processo de reforma do de privatização. E para salientar que, além da propriedade privada e da propriedade estatal, existe uma terceira forma de propriedade no capitalismo contemporâneo: a propriedade pública não-estatal. Em sendo pública não-estatal, a transferência de atividades do setor público para aquele se constituiria num processo de publicização.

tornem mais legítimos e democráticos os governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle social ou democracia direta.

Para a delimitação do tamanho do Estado estão envolvidas as ideias de privatização,

terceirização e publicização. Como evidenciou Pereira, privatização é um processo de venda de

uma empresa estatal que se transformará em privada; publicização se refere à transformação de uma organização estatal em uma organização de direito privado, mas de caráter público não- estatal. “Terceirização é o processo de transferir para o setor privado serviços auxiliares ou de apoio” (PEREIRA, 1997, p. 19). Ele considerava que o Estado do século XXI seria um Estado social-liberal. Explicita o autor:

[...] social porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover o desenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando mais os controles de mercado e menos os controles administrativos, porque realizará seus serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas não-estatais competitivas, porque tornará os mercados de trabalhos mais flexíveis, porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos e de suas empresas para a inovação e a competição internacional (PEREIRA, 1997, p. 18).

Aos poucos foi se reconhecendo que o Estado brasileiro não deveria executar diretamente uma série de tarefas e que reformar o Estado significa, antes de mais nada, definir seu papel, deixando para o setor privado e para o setor público não-estatal as atividades que não lhe são específicas.

Para tanto, era preciso distinguir três áreas de atuação: as atividades exclusivas do Estado, os serviços sociais e científicos do Estado e a produção de bens e serviços para o mercado. Por outro lado, é conveniente distinguir, em cada uma dessas áreas, quais são as atividades principais e quais as auxiliares ou de apoio.

Atividades exclusivas de Estado são as atividades monopolistas em que o Estado exerce o

poder de definir as leis, de impor a justiça, de manter a ordem, de defender o país, de representá- lo no exterior, de policiar, de arrecadar imposto, de regulamentar as atividades econômicas, de fiscalizar o cumprimento das leis. São monopolistas porque não permitem a concorrência. As

atividades na área social e científica são aquelas não exclusivas do Estado. Incluem-se as

escolas, as universidades, os centros de pesquisa científica e tecnológica, as creches, os ambulatórios, os hospitais, as entidades de assistência aos carentes, principalmente aos menores e aos velhos, os museus, as orquestras sinfônicas, as oficinas de arte, as emissoras de rádio e

televisão educativa ou cultural etc. (PEREIRA, 1997). Já a produção de bens e serviços para o

mercado é uma atividade dominada por empresas privadas. No entanto, no século XX, o Estado

interveio fortemente nesta área, principalmente na área monopolista dos serviços públicos, em setores de infra-estrutura e em setores industriais e de mineração com elevadas economias de escala. O motivo fundamental pelo qual o Estado interveio nesta área não foi ideológico, mas prático, de acordo com o autor.

Quanto a estas últimas atividades, os argumentos são:

Se o seu financiamento em grandes proporções é uma atividade exclusiva do Estado – seria difícil garantir educação fundamental gratuita ou saúde

gratuita de forma universal contando com a caridade pública – sua execução

definitivamente não o é. Pelo contrário, estas são atividades competitivas, que podem ser controladas não apenas através da administração pública gerencial, mas também e principalmente através do controle social e da constituição de quase-mercados (grifo nosso) (PEREIRA, 1997, p. 25).

Nesse sentido, para os reformistas, não há razão para que estas atividades permaneçam dentro do Estado, portanto, que sejam monopólio estatal. Mas também não se justifica que sejam privadas, ou seja, voltadas para o lucro e o consumo privado – já que são, frequentemente, atividades fortemente subsidiadas pelo Estado, além de contarem com doações voluntárias da sociedade. Por isso, a reforma do Estado nesta área não implica privatização, mas publicização, isto é, transferência de atribuições para o setor público não-estatal, com controle social através de conselhos constituídos para este fim.

Entra em cena, assim, o setor público não-estatal, constituído por organizações sem fins lucrativos, que passam a responsabilizar-se pela execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas que devem ser subsidiados por ele, como os serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Por meio de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal – o denominado terceiro setor – a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade civil para seu financiamento e controle.

Desse modo, o Estado abandonou o papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se no papel de regulador e provedor ou promotor, principalmente dos serviços sociais,

como educação e saúde, essenciais para o desenvolvimento concebido como investimento em capital humano81.

Já para o mercado, as orientações, seja do “reformado” Estado brasileiro e/ou das organizações financeiras multinacionais, eram de que as empresas deveriam buscar um padrão de desenvolvimento integrado à nova economia globalizada, era preciso implementar novos mecanismos e formas de acumulação, capazes de oferecer respostas ao quadro crítico que se desenhava. Precisava-se a experimentação daquilo que o cientista social e geográfico norte americano, David Harvey, chamou de “acumulação flexível”.

Para dar conta desse novo modelo econômico, novos discursos/debates ganham centralidade, especialmente da reestruturação produtiva – compreendida aqui como o conjunto de inovações tecnológicas e organizacionais – e flexibilização da produção e das relações de trabalho, em contraponto à produção fordista, uma vez que a empresa taylorista e fordista já tinham cumprido suas trajetórias. Utilizando os princípios da flexibilização, as empresas passam a se modernizar, investindo em mudanças organizacionais e novas formas de gestão do trabalho.

Assim, os processos de reestruturação produtiva, a globalização e a aplicação das políticas de estabilização econômica, para atender os interesses do capital internacional, redesenharam completamente os processos de organização e gestão do trabalho, introduzindo novas tecnologias, flexibilizando jornadas de trabalho e o emprego, provocando uma política de enxugamento do quadro das empresas, levando a economia do país a uma séria crise de desemprego estrutural. Para Druck (2000), além disso, com a desregulamentação do mercado de trabalho e a flexibilização de suas relações, aumentam as modalidades de inserção na produção que estão ligadas diretamente a modelos de produção não formais, como o trabalho clandestino, trabalho em domicílio, terceirização, quarteirização, comércio de rua, trabalhadores por conta própria e outros.

A consequência da crise do fordismo e a implementação do processo de reestruturação produtiva pode ser observado pelos dados apresentados por Antunes (2008): No Brasil, em meados dos anos 1980, havia cerca de 850 mil bancários. Em 2006, eram pouco menos de 400 mil. O ABC82, nesse mesmo período, tinha cerca de 400 mil trabalhadores metalúrgicos, hoje tem

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Preserva-se o termo capital humano, posto que é adotado durante todo o denso documento da Reforma do Estado (PEREIRA, 1997).

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ABC Paulista, Região do Grande ABC, ABC ou ainda ABCD é uma região tradicionalmente industrial do Estado de São Paulo, parte da Região Metropolitana de São Paulo, porém com identidade própria. A sigla vem das

menos de 100 mil. A região de Campinas, São Paulo, teve 70 mil, em 2006 tinha aproximadamente 40 mil. Obsevando esse processo na Região Metropolitana de Salvador, a partir do parque industrial de Camaçari, Druck (2000) pontua um aumento muito rápido do desemprego e uma acentuada redução dos ocupados com vínculos empregatícios estabilizados na indústria e nos serviços; neste último é onde se encontra a maioria das “terceiras” e o aumento dos assalariados “sem carteira” e do trabalho “por conta própria”, formas de inserção bastante recorrentes no segmento do mercado dominado pelas “terceiras” (contratos de prestação de serviços e contratos de experiência não formalizados).

Contudo, o impacto desse processo extrapola os exemplos elencados de São Paulo e Região Metropolitana de Salvador; o resultado está em toda parte, como destacou Antunes:

Desemprego explosivo, precarização ilimitada, rebaixamento salarial, perda de direitos, etc. Esse é o desenho do admirável mundo do capital. Verifica-se a expansão daquilo que Juan Castillo cunhou como liofilização organizacional. É um processo no qual substâncias vivas são eliminadas – trata-se do trabalho vivo – que é substituído pelo maquinário tecnocientífico, pelo trabalho morto. A liofilização organizacional não é outra coisa senão o processo de ‘enxugamento’ das empresas. (ANTUNES, 2008, p. 44).

Desse modo, esses dois processos – informalidade e desemprego – passam a configurar o resultado mais penoso da reestruturação produtiva, gerando um profundo processo de precarização das condições de vida dos trabalhadores. Nesse percurso, processos complementares se estruturam. A informalidade acaba absorvendo parte dos desempregados demitidos do setor formal via processos de enxugamento dos quadros; o setor formal, principalmente indústrias e serviços, cria e desenvolve as mais precárias formas de contratação, conseguindo, através da informalização ou flexibilização dos seus contratos, a garantia da contenção de custos e a formação de “exércitos de reservas”.

Além desses processos a reestruturação produtiva, segundo Krein (2006, p. 57), também fragilizou a capacidade de organização coletiva dos trabalhadores, especialmente com a proliferação da terceirização. Os trabalhadores, segundo o autor, foram os mais penalizados pelos ajustes realizados na economia, “através da elevação do desemprego, da queda do seu rendimento, do aumento da precarização e de uma certa fragilização do poder sindical. No três cidades, que originalmente formavam a região, sendo: Santo André (A), São Bernardo do Campo (B) e São Caetano do Sul (C) - Diadema (D) é às vezes incluída na sigla . Também é comum encontrarmos ABCDM o qual inclui o município de Mauá.

contexto de crise, praticamente todas as iniciativas políticas, assim como o ajuste econômico, conspiram contra o trabalhador”.

Esta reconfiguração do mercado de trabalho provocou expressivas taxas de desemprego no país, no fim dos anos 1990. Em 1999, o país ocupava o terceiro lugar no ranking mundial do desemprego, perdendo apenas para a Índia, Indonésia e Rússia. Em 1986, segundo Pochmann (1999), o Brasil ocupava o décimo terceiro lugar. Vivia-se a epidemia do desemprego e da informalidade, “de cada dez empregos criados, dois eram assalariados, porém sem registro formal”. Segundo o autor, um dos motivos desse crescente desemprego em massa se deve a uma menor evolução dos postos de trabalho diante da expansão da PEA. Da ocupação total que ingressou no mercado de trabalho nesse período, 62% conseguiu encontrar uma vaga, diferentemente dos 96,1% dos trabalhadores dos anos 1980. Ainda para o autor, a expansão do desemprego foi ocasionada tanto pela entrada de jovens no mercado de trabalho quanto pelo movimento de redução da criação de vagas. De 1989 a 1998 houve uma queda de 22,8% do emprego assalariado juvenil. (POCHMANN, 2007).

Nesse contexto, palavras como empregabilidade, competências83 e autogestão passaram a fazer parte do léxico de todos para ocultar as verdadeiras causas do desemprego. O discurso da vez era que o trabalhador, naquele momento, precisava se lançar ao mercado para lutar por um emprego, sabendo que, de antemão, alguns triunfariam e outros estariam condenados ao fracasso do desemprego, como no jogo de bacará do qual nos falava Friedman (1987).

Mas, para os “incapazes” de integrarem-se aos mercados, caberia ao Estado o seu cuidado, por meio de suas políticas sociais residuais e focalizadas. Uma das estratégias de redução da pobreza, segundo o Banco Mundial (1990), seria identificar políticas que estimulem a criação de novas oportunidades econômicas para que os pobres pudessem obter rendimentos. Assim, com mais renda, o indivíduo poderia ultrapassar a “fronteira” da pobreza e, dessa forma, ser considerado um não-pobre84. Para tanto, era preciso que as políticas de atenção aos pobres desempregados investissem no “capital humano” dos indivíduos.

Desde a década de 1970, a teoria do capital humano é deslocada para os processos formativos, mas é a partir da década de 1990 que ela ganha mais força; quando o conhecimento é

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Para um estudo mais aprofundado sobre competências, consultar Ropé e Tanguy (2002). 84

tido como definidor quanto às possibilidades de crescimento econômico, a tarefa de formação dos recursos humanos passa a ser prioritária.

O pressuposto central que assenta a teoria é a de que o capital humano é sempre algo produzido, ou seja, algo que é produto de decisões deliberadas de investimento em educação. Para os defensores da teoria, em todas as economias modernas, o grau de educação possuído por um indivíduo correlaciona-se positivamente com os rendimentos pessoais. A teoria do capital humano afirma que “uma educação adicional elevará os rendimentos futuros, e, neste sentido, a