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ENTRE BAIXAS E ALTAS TAXAS DE CRESCIMENTO ECONÔMICO O ENFOQUE DO CONTROLE SOCIAL SOBRE OS JOVENS

CAPÍTULO II MERCADO DE TRABALHO, ENFOQUES E AÇÕES PARA JUVENTUDE TRABALHADORA BRASILEIRA: NOVA TRÍADE, VELHAS

2.2 ENTRE BAIXAS E ALTAS TAXAS DE CRESCIMENTO ECONÔMICO O ENFOQUE DO CONTROLE SOCIAL SOBRE OS JOVENS

De acordo com Bango (2008), junto à expansão do sistema educacional, os Estados nacionais ofereceram boas oportunidades de tempo “livre” para os jovens, assumindo de forma explícita ou implícita que estes jovens dedicavam parte de seu tempo preparando-se para se tornarem adultos (por meio da educação). Este tempo “livre”, contudo, deveria ser utilizado adequadamente, evitando, assim, que os jovens caíssem em condutas censuradas pelo meio adulto.

É interessante destacar que o Estado, instância de definição unilateral e ator principal na formulação e implementação das políticas, ao definir esse momento de preparação para a

“adultez”, por meio da educação, demarca sua compreensão de juventude como sendo um

período de espera, de transição da inatividade para a inserção produtiva, uma espécie de

moratória social.

Porém, embora as ações do Estado estivessem voltadas para “preservar”/ “afastar” os jovens do perigo do mundo adulto, houve um enorme contingente de jovens excluídos, que permaneciam fora desse tipo de ações, mas que eram atingidos por outras medidas de “controle social”, posto que a sociedade identificava “pobres”como “delinquente” de maneira quase automática.

Em contrapartida, o enfoque do “controle social” se voltou, também, para os filhos da elite e para poucos pobres que foram progressivamente incorporados no sistema educacional, especialmente nos níveis médio e superior. Essa incorporação de jovens no sistema educacional, principalmente no ensino superior, provocou uma forte “[...] mobilização juvenil organizada que rapidamente assumiu postos claramente contestatórios, desafiantes ao sistema político existente e

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em resposta à conflitiva situação pela qual atravessavam as sociedades latino-americanas.” (BANGO, 2008, p. 42).

No Brasil, houve um elevado número de jovens universitários engajados em torno do movimento estudantil64, sobretudo de classes média e alta, mobilizados de forma crescente e que influíram na formação e expansão de agrupamentos políticos de esquerda. Portanto, o “olhar” dominante do Estado65 para a juventude brasileira estava direcionado ao controle dessa mobilização, à supressão e à repressão de qualquer movimento organizado pelos jovens.

A repressão não ocorreu apenas em relação aos jovens, deu-se fortemente aos sindicatos e à Justiça do Trabalho como parte de um contexto em que as empresas tiveram plena liberdade para definir seus esquemas de recrutamento de pessoal, seleção, remuneração e dispensa de funcionários. Os esquemas de contratação, uso do trabalho, remuneração e dispensa dotaram as empresas de uma enorme flexibilidade, o que contribuiu para a predominância, em seus quadros, de um pessoal com menos de três anos de tempo de serviço acumulado com o mesmo empregador66. Para Baltar (2006), o baixo nível dos salários e a pequena acumulação de tempo de serviço com o mesmo empregador fazem parte de uma nova configuração do trabalho, à qual os economistas chamam de segmentação do mercado de trabalho. Havia também um maior fluxo de entrada e saída de trabalhadores da empresa, muitas horas extras. Para os funcionários técnicos e de comando das empresas houve um substancial aumento da remuneração, enquanto o salário dos demais empregados aumentou pouco a partir do nível já alcançado.

A consequência, ainda segundo Baltar (2006, p. 18), foi uma distribuição de renda do trabalho extremamente desigual, em decorrência do fato de grande parte dos postos de trabalho “manuais especializados e não manuais inferiores” proporcionar uma remuneração muito inferior à do pessoal técnico e de comando das empresas. Essa diferenciação entre os trabalhadores e a elevada frequência de ocupações com prestação de serviços pessoais, relativamente mal remuneradas, são, segundo o economista, “as causas principais responsáveis pela enorme

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Para um aprofundamento sobre a juventude e o movimento estudantil no Brasil, consultar os estudos pioneiros de Foracchi, Marialice (1965, 1972, 1982).

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A União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937, com o golpe militar de 1964, que leva o país para uma longa ditadura, é colocada na clandestinidade. Mesmo sob forte repressão, o movimento estudantil se intensifica e centenas de estudantes são presos e/ou mortos. Com a decretação do Ato Institucional número 5, que cassou os direitos políticos dos cidadãos, os movimentos estudantis sofrem reduções significativas, alguns até desaparecem. Só a partir do final da década de 1970, esses movimentos voltam a aparecer. A UNE volta à legalidade em 1985, quando também ressurgem grêmios e centros estudantis.

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assimetria da distribuição de renda do trabalho, em que 3/4 dos trabalhadores ganham menos que a média e o rendimento de 10% mais ricos tem um nível completamente deslocado ao rendimento dos demais trabalhadores.”.

De todo modo, é impossível negar que muitos trabalhadores subalternos experimentaram uma ascensão social, ao se livrarem da miséria rural e/ou saírem da construção civil para a indústria. Assim, viram-se “livres” dos trabalhos “pesados”, típicos da condição operária, e incorporaram, uns mais que outros, os padrões de consumo e o estilo de vida moderna, da sociedade salarial.

Porém, uma parcela significativa dos trabalhadores ainda permanecia imersa na pobreza absoluta. Nas regiões de maior dinamismo econômico, bastava qualquer alteração no mercado para que a vulnerabilidade decorrente dos baixos salários e/ou da baixa renda se traduzisse, especialmente, em insuficiência alimentar e em precariedade habitacional. Já nas cidades onde se verificava pouco ou quase nenhum dinamismo econômico, foi se acumulando um grande contingente de pobreza estrutural.

Os problemas começaram a surgir com a crise do petróleo, em 1974 e, em seguida, com todos os distúrbios monetários e financeiros internacionais subsequentes. Tal crise impulsionou uma profunda reformulação do capitalismo no mundo, alterando a tecnologia, a forma de organizar a produção e disputar o mercado e a maneira de os capitalistas manterem a riqueza (BALTAR, 2006). Diante desse quadro de grande incerteza, o governo brasileiro optou por atuar no sentido de manter o intenso crescimento do PIB e, para tanto, recorreu às facilidades do endividamento externo.

Dessa forma, houve um processo de expansão “da missão civilizatória do capital”67 extremamente dinâmico. Entre os anos de 1967 e 1979, as altas taxas de crescimento econômico, que levaram o Brasil à posição de oitava economia capitalista do mundo68. O Brasil combinou concentração de riqueza e mobilidade social, concentração de renda e incorporação rápida dos padrões de consumo moderno, pobreza e péssimas condições materiais de existência. Uma sociedade estratificada, fraturada em três mundos:

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Termo usado por MARX, Karl. Grundrisse. São Paulo: Boitempo editorial, 2011. Título original da obra:

Karl Marx Ökonomische Manuskripte 1857/58: Manuscritos econômicos de 1857-1858: Esboços da crítica da economia política.

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O ‘primeiro mundo’ dos magnatas, dos ricos e privilegiados, em que as características do verdadeiro Primeiro Mundo aparecem exacerbadas, especialmente na renda e na riqueza do pequeno empresário, nos ganhos da ‘nova clientela’ de profissionais que lidam com os problemas materiais e ‘espirituais’ dos enriquecidos, na remuneração do pessoal de direção de empresa privada e do setor público; o ‘segundo mundo’ da nova classe média e, na verdade, um simulacro do ‘primeiro’, povoado de serviços mal remunerados, que garantem um padrão de vida muito superior ao desfrutado por seus congêneres do verdadeiro mundo Primeiro Mundo; finalmente, o ‘terceiro mundo’, dos pobres e dos miseráveis, esses, sim, mantidos à distância das condições de vida digna que prevalecem para o povo do verdadeiro Primeiro Mundo. A comunicação entre os ‘três mundos’ é estabelecida pela concorrência entre os indivíduos no âmbito do crescimento econômico rápido e mobilidade social. (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 638).

Apesar da existência desses três mundos, é possível afirmar que houve uma configuração no mercado de trabalho que teve como tendência a sua estruturação, embora seja possível também afirmar que, diferentemente dos países de industrialização avançada, onde mais de 80% dos ocupados tinham relação de trabalho assalariado, no Brasil, o mercado de trabalho não chegou a estruturar-se de forma completa, persistiram características próprias do subdesenvolvimento, tais como a informalidade, o subemprego, baixos salários e desigualdades de renda (POCHMANN, 1999).

Esse processo inacabado de estruturação do mercado de trabalho, seguido das contradições construídas no interior da constituição da sociedade salarial brasileira, distancia o Brasil do período, conhecido como “Era do Ouro”69, vivido pelos países centrais, a exemplo dos países europeus. Se para os países desenvolvidos este período promoveu condições favoráveis no mundo do trabalho, por meio de um Estado intervencionista na economia, especialmente no sentindo de manter o pleno emprego, para os países denominados periféricos, este período de forte crescimento econômico fez parte da dinâmica do próprio processo de desenvolvimento industrial e significou a formação do mercado de trabalho organizado. Porém, como destaca Tavares (1981, p. 22), quando esse processo ocorre em países com grandes contingentes rurais e estruturas agrárias atrasadas, como é o caso brasileiro, é “acompanhado por processos de marginalização rural e urbana”. O que resulta na formação de excedentes de trabalhadores “inutilizáveis”, que não são absorvidos pelos mercados de trabalho organizados.70

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Para um estudo mais aprofundado, ver Hobsbawm (1995). 70

A crise da dívida externa permeou toda a política econômica, não só do Brasil, mas de todos os países latino americanos que tiveram – depois da abundância de crédito nos anos 1970 – suas dívidas elevadas a patamares altíssimos. A oscilação do Produto Interno Bruto (PIB) e a necessidade de ampliação das exportações para pagamento da dívida externa foram a tônica da década de 1980, comprometendo, assim, o crescimento do mercado interno e o desenvolvimento do país71.

2.3 A DÉCADA PERDIDA E O ENFOQUE DA JUVENTUDE COMO UM PROBLEMA