• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: DAS PROMESSAS ÀS INCERTEZAS

3.1 O INVESTIMENTO DA JUVENTUDE TRABALHADORA NA EDUCAÇÃO

3.1.1 Investimentos, Estratégias e Arranjos Familiares

Por inúmeras vezes, as trajetórias dos jovens pesquisados evocam as estratégias adotadas pelos seus pais para lhes garantir o acesso à educação e sua permanência nela. Na tentativa de

“dar ao filho aquilo que ele não teve”, o pai de Juthan, que só teve a oportunidade de estudar até

a antiga sexta série do Ensino Fundamental, realizou vários arranjos para que seu filho chegasse à escola para estudar e “fosse alguém na vida”.

Meu pai sempre, sempre falava: eu estudei até a sexta série, eu não quero isso pra vocês, então meu pai se esforçava muito pra dar educação pra gente. Ele não admitia a gente ter uma nota baixa, ele reclamava muito se a gente tivesse nota baixa. A gente em casa nunca teve recurso pra comprar livro didático. Na minha quarta série, terceira, segunda e primeira série eu nunca tive condições pra comprar livro didático. Aí o que meu pai fazia? Como meu pai era motorista de ônibus, ele fazia algumas amizades com motoristas de ônibus e mandava a gente pra biblioteca, lá na base área, lá dentro do aeroporto. De manhã, era pra gente ir pra biblioteca de carona, já à tarde a gente pegava carona para estudar na escola. E assim foi minha vida. (Juthan, 2010).

126

Como bem evidencia o depoimento anterior, as estratégias adotadas por seu pai, segundo o jovem Juthan, foram definidoras para seu percurso estudantil. Embora tenha estudado como bolsista até a 4ª série, no bairro de São Cristovão, seus pais não tiveram condições materiais para comprar os livros pedagógicos demandados. Após a conclusão do primeiro segmento do Ensino Fundamental, foi para uma escola pública localizada em Itapuã, bairro próximo da sua comunidade de origem, a qual oferecera livros didáticos – à época, um privilégio para poucos – e estes passam, então, a compor parte de seu material escolar. Mesmo que não recebesse todos os livros didáticos, para ele, ter o “seu” livro significava o acesso a um bem que lhe fora negado por anos. Entretanto, como Juthan estava acostumado a consultar os livros da biblioteca da Base Aérea, e, como ele mesmo os denominava de “mais completos”, sempre que podia estava lá, pesquisando, lendo e construindo sonhos dentro de paredes de livros enfileirados. No ano seguinte, voltou a estudar em São Cristovão, também em uma escola pública, para cursar seus próximos três anos de estudo. Paralelamente a este período, esteve, no turno oposto, cursando um projeto do governo, denominado Cadetes Mirins, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. Lá, além de uma profissão, teve acesso a outros espaços de formação – teatro, música e dança – os quais o influenciaram a pensar na possibilidade de ser escritor. No segundo ano do Ensino Médio, transferiu-se para uma escola localizada no bairro de Mussurunga, onde concluiu seu Ensino Médio. Um dos pontos mais significativos de sua itinerância nesta escola foi ter sido aluno de um doutorando em História, responsável por influenciar sonhos futuros de Juthan: ser um grande historiador. “Quando eu terminei a escola eu já sabia o que queria. Eu queria crescer

na vida, fazer uma carreira, e o curso de História era meu grande sonho”.

O desejo de cursar a universidade também era partilhado por outros jovens desta pesquisa. Iranildes Paula, criada somente por sua mãe, pois o pai morrera quando ainda tinha cinco anos, antes mesmo de concluir o seu Ensino Médio já almejava cursar a universidade. Porém, como ela mesma relatou, “até chegar lá, muitas águas passaram por debaixo dessa ponte. Se não fosse a sua “guerreira” mãe, ela explica que teria desistido.“O maior projeto de vida da minha mãe era

ver as filhas formadas, em qualquer área que fosse. O que ela não queria era ver a gente trabalhando como doméstica”. Dessa forma, assim como os pais de Juthan construíram inúmeros

arranjos familiares para que ele estudasse, a mãe de Iranildes também construiu; no seu caso, em particular, sozinha.

Filha de pais analfabetos e de mãe também trabalhadora doméstica, a mãe de Iranildes Paula só estudou até os primeiros anos do Ensino Fundamental. Mas, durante sua vida, investiu como pôde, inclusive pagando escola particular, para que suas filhas não repetissem as mesmas trajetórias dela e de sua mãe. É o que reitera Iranildes em um dos nossos encontros:

Então, sempre minha mãe e minha vó me incentivaram a estudar. Porque elas tinham uma ideia que só através do estudo é que nós poderíamos galgar degraus superiores. E que a gente não reproduzisse, pelo menos eu e minha irmã, não reproduzíssemos a experiência delas, de minha vó e minha mãe, de ser empregada doméstica. Já que nós tínhamos uma outra possibilidade profissional [...]. Porque na verdade a maior preocupação dela era essa, da gente não se formar empregada doméstica. Não que o trabalho fosse ruim, mas é porque ela via que nós tínhamos condições melhores, ela estava dando uma educação a gente dentro de suas limitações sociais financeiras, pra que a gente pudesse galgar uma posição melhor. (Iranildes Paula, 2010).

Foi com seu salário de trabalhadora doméstica que a mãe de Iranildes a manteve na escola. Até a terceira série, Iranildes estudou em uma escola privada em Mata Escura. Depois, foi estudar em uma escola estadual no mesmo bairro, onde concluiu a oitava série. Após perceber que a escola era pequena para seus projetos futuros, resolveu sair do seu bairro para estudar e concluir o Ensino Médio na Escola Estadual Luiz Eduardo Magalhães, localizada no bairro de San Martim. Segundo a jovem, alguns professores(as), que cruzaram o seu caminho durante o Ensino Médio, foram importantes para ajudá-la a definir melhor o seu projeto de vida. Contudo, apesar de não saber o que trilharia profissionalmente, “sempre soube que não

seria empregada doméstica, assim como minha mãe”, afirmou a jovem com tom de certeza

em sua voz.

Considerando as formas de ocupação mais precárias, facilmente identificadas através da condição legal de inserção, o somatório da proporção dos assalariados sem registro em carteira, daqueles que trabalham por conta-própria e dos empregados domésticos, que totaliza 55,3% dos jovens ocupados, mostra o grau de vulnerabilidade dos postos de trabalho ocupados pelos jovens baianos127. O trabalho doméstico não desejável pela jovem Iranildes

127

O emprego sem contrato de trabalho e, portanto, sem proteção das leis trabalhistas chega a 33,5% na RMS, para jovens entre 16 e 17 anos. As diferenças da inserção entre homens e mulheres são verificadas na expressiva proporção das jovens entre as empregadas domésticas (25,6% na RMS), e na maior proporção dos rapazes em empregos sem carteira de trabalho assinada (28,0%).

era uma realidade para muitos outros jovens na Região Metropolitana de Salvador. O emprego doméstico consolida uma importante estratégia de sobrevivência para muitos jovens baianos; do total de ocupados que trabalham como empregados domésticos 25,7% são jovens, ou seja, um a cada quatro jovens estava trabalhando no emprego doméstico, conforme na tabela da PED (2003), a seguir.

TABELA 12