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CAPÍTULO IV TRAJETÓRIAS DE TRABALHO: EMPREGOS PRECÁRIOS E INSERÇÕES PROVISÓRIAS

4.3 PERCURSOS LABORAIS E COOPERATIVISMO JUVENIL: DO SONHO À REALIDADE

4.3.1 O Contexto da Economia Solidária no Brasil

No Brasil, o cooperativismo começou a se configurar mais intensamente a partir dos anos 1990, com a crise do assalariamento. É no mercado formal, através da reestruturação produtiva, que as novas formas de produção apresentam suas consequências mais perversas e danosas, uma vez que permitem a redução de custos, o aumento da produtividade, o crescimento da economia, com a diminuição dos postos de trabalho. Para homens e mulheres é imposto como cenário o desemprego estrutural com consequente precarização do trabalho, terceirização da mão-de-obra, aumento dos trabalhos temporários, flexibilização das leis trabalhistas traduzidas em perdas de direitos fundamentais, duramente conquistados pela luta dos(as) trabalhadores(as).

O impacto dessas mutações na organização dos/das trabalhadores/as é intenso, pois a flexibilização do trabalho traz no seu bojo o desmantelamento da organização coletiva através do enfraquecimento das categorias que, além de terem suas bases diminuídas pelas inúmeras dimensões, passam a lutar pela manutenção do emprego, tirando do foco as conquistas sociais, tanto ligadas à fábrica como às lutas mais gerais da sociedade.

Na década de 1990, a globalização da economia somada à reestruturação produtiva e à privatização das empresas públicas representou para os trabalhadores brasileiros/as, principalmente aqueles inseridos no mercado formal, uma dramática ruptura causadora do desemprego com índices jamais vistos na nossa história. Tal contexto trouxe muitas consequências na esfera do trabalho e da produção, além de mudanças mais gerais nos campos da economia, da tecnologia, da cultura e da política, entre outras. Contudo, o que foi sentido, de fato, pelos trabalhadores e trabalhadoras, foi um aumento do desemprego, agora estrutural, e da precarização das relações e nas condições de trabalho. O desassalariamento ganhava força enquanto aumentavam os contratos temporários, de tempo parcial, o que significava, na prática, perda de benefícios e garantias sociais.

Em plena década de 1990, como bem evidenciou o economista Márcio Pochmann (2007, p. 45), os jovens foram umas das principais vítimas desse processo. “O emprego assalariado ocupado por jovens foi comprimido em quase 1,4 milhão de vagas, sendo as ocupações não- assalariadas responsáveis pela elevação em 940 mil novos postos de trabalho”. Diante dos fatos, vários discursos, de diferentes ideologias e perspectivas teóricas, começaram a ganhar

centralidade, dentre eles o cooperativismo, compreendido por muitos como uma das formas alternativas de vida e trabalho.

É neste terreno (in)fértil que surge um novo cooperativismo, emanado principalmente dos movimentos sociais, ONGs, sindicatos, universidades, anunciando uma possibilidade contra- hegemônica de sociedade e demarcando uma posição distinta entre a gestão de cooperativas do tipo “empresarial-capitalista”177 – centralização do poder, exclusão social, lógica da acumulação – e a gestão de cooperativas na perspectiva de construção da chamada economia solidária.Um processo que, segundo Singer,

[...] aproveita a mudança das relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista. Tudo leva a acreditar que a economia solidária permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos, que esperam em vão um novo emprego, a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria ou coletivamente. (SINGER, 2000, p. 138).

Ainda para o autor178 (1999), a economia solidária compreende um conjunto de experiências coletivas de trabalho, produção, comercialização e crédito organizadas por princípios solidários, espalhadas por diversas regiões do País e que aparecem de diversas formas: cooperativas e associações de produtores, empresas autogestionárias, bancos comunitários, clubes de trocas, bancos do povo e diversas organizações populares urbanas e rurais.

Contudo, as experiências concretas de economia solidária não têm se configurado como um movimento homogêneo. Na prática, é possível perceber que algumas cooperativas - mesmo aquelas que não se configuram como empreendimentos do tipo empresarial capitalista, e, por isso, algumas se denominam legítimas e orgânicas – não materializam a autonomia, democracia, fraternidade, igualdade e solidariedade no interior das suas relações e produção de trabalho – valores constituintes e estruturantes do que vem a ser economia solidária.

177

Farid (2002). 178

A concepção de economia solidária defendida por Singer, ainda que seja a mais consolidada no Brasil, não é, de forma alguma, unanimidade. Existem também diversos autores que criticam a idéia de economia solidária tal como ela vem sendo construída no Brasil. Só a título de exemplo, podemos citar artigo publicado na Revista Katálisis, em que Sousa (2008, p. 57) critica o que ela chama de “concepção dominante sobre a economia solidária no Brasil” e que é marcada, segundo ela, pela produção teórica de Paul Singer. Diz que tal concepção expressa um conteúdo eclético e polimorfo. Além disso, tal concepção, para a autora, “carece de uma formulação saturada de realidade social”.

Essas organizações, aqui denominadas de Coopergatas179, no seu cotidiano reproduzem práticas e estratégias capitalistas capazes de se manterem ‘vivas’ diante do contraditório dinamismo do sistema capitalista. Para o capitalismo se reequilibrar, diante de suas crises cíclicas, vários arranjos são feitos para conservar o seu fundamento estrutural de sociedade de classe, até mesmo (re)construir organizações/empresas que, por discursos solidários e autogestionários, obscurecem e mascaram a realidade.

As Coopergatas se apresentam de várias formas e naturezas, desde empresas privadas que, sobretudo impelidas pelos incentivos governamentais, implantam cooperativas de fachada como forma de se verem livres dos encargos sociais, até as organizações constituídas direta e/ou indiretamente pela sociedade civil, na forma de grupos produtivos [a exemplo de jovens], os quais utilizam e exploram os trabalhadores, ditos cooperados, como empregados de uma empresa capitalista, num sistema hierárquico de produção e divisão dos lucros (ou sobras) produzidos. Ou, ainda, determinadas categorias profissionais compelidas a organizar os trabalhadores em cooperativas para vender serviços às empresas, como hospitais, por exemplo. Sendo assim, sonho e decepção ocupam o mesmo cenário de um enredo constituído por trajetórias de jovens, como a de Daniel, marcado pela busca constante de sua sobrevivência e de uma inscrição na sociedade do emprego.