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Diante das vicissitudes da vida, nos deparamos com diferentes pessoas, de diferentes personalidades, filosofias de vida e modos de enxergar e se relacionar com o mundo que, de certa forma, nos impulsionam a estar em constante estado de busca por conhecimento e transformação individual, quer seja para nos adaptarmos às novas demandas sociais e culturais, quer seja para buscarmos uma evolução pessoal ou profissional. Assim também acontece com a prática docente, que nos coloca em constante confronto com nossas posturas e concepções, através das experiências compartilhadas, situações vividas e confronto de visões de mundo que presenciamos dentro de sala de aula e que não podem ser ignoradas num planejamento pedagógico. Um trabalho educativo que não transponha a barreira entre a teoria e a prática, não busque a transformação da realidade dos estudantes, ou ainda, que não considere como atores e sujeitos de direitos todos os indivíduos, independentes de seus marcadores sociais, geográficos, geracionais, de raça, credo ou gênero, não apresenta relevância alguma na busca de um modelo educacional com princípios de igualdade de direitos, liberdade de expressão e equidade de gênero.

A escolha por desenvolver um trabalho para a abordagem da sexualidade, a partir de uma perspectiva sociocultural na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Tenente Lucena, deu-se devido a um acúmulo de experiências individuais e coletivas que partiram do meu lugar de fala enquanto mulher cis gênero, não negra, heterossexual, mãe e professora, que, ao vivenciar interdições e opressões, assim como reconhecer alguns privilégios sobre outras identidades, me proporcionaram um leque de impressões sobre a vida e uma tomada de consciência acerca da influência da nossa construção identitária nas relações interpessoais e da nossa posição social, enquanto educadores, diante das configurações culturais e políticas dentro de uma sociedade.

Ao longo dos anos de vivência escolar, observamos a crescente falta de diálogo e empatia para com aqueles que se mostram diferentes da heteronormatividade20, ou seja, que não se encontram num perfil hegemônico de identidade seja dentro ou fora do ambiente escolar. Aliado a isso, percebemos um distanciamento de alguns estudantes na dinâmica de sala de aula, ora por observância na falta de motivação nas atividades escolares, ora pelos crescentes índices de evasão e infrequência escolar que, em casos mais específicos, são intensificados pela dificuldade da escola em lidar com a diversidade de identidades existentes, o que torna o ambiente escolar hostil e pouco atrativo para alguns estudantes que não conseguem estabelecer um sentimento de pertença naquele lugar.

Assim, tendo como pressuposto a necessidade de ações pedagógicas na escola que contemplem a valorização das diferenças, não como formadoras de sentimentos de benevolência ou tolerância, mas para oportunizar processos de humanização, a escolha da Educação Sexual representa uma tentativa de potencializar uma educação pluralista através da promoção de uma metodologia de ensino para a abordagem do gênero e da sexualidade pautada em textos literários e outros produtos culturais que direcionem reflexões para a compreensão das configurações de gênero e da multiplicidade de identidades sexuais existentes.

Entendendo que a literatura, em sendo algo que nos humaniza e, concordando com Candido (2004, p. 180), “(...) desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”, ela atua como elemento importante para conduzir discussões sobre aspectos mais subjetivos e culturais da

20 A heteronormatividade é a forte crença de que a heterossexualidade é a única orientação sexual normal e que

sexualidade, pressupondo que sujeitos mais bem resolvidos sexualmente estarão mais prontos a compreender e valorizar a si mesmos e o outro em suas particularidades e diferenças.

Destarte, na busca por uma metodologia que alicerce a ação pedagógica proposta nesta pesquisa, encontramos na sequência didática21 um suporte metodológico eficaz para sistematizar e organizar as situações de comunicação pretendidas com a leitura dos textos literários. A sequência didática (SD), foi organizada de modo a permitir uma progressão de ideias e argumentações que auxiliaram a recepção dos textos literários e, consequentemente, promoveram a ampliação de percepções e expectativas dos estudantes acerca da dimensão da sexualidade através de um processo de humanização, pois, aclarados pelas ideias de Candido (2004), entendemos a literatura como um fator indispensável de humanização e de confirmação dessa humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente.

As propostas para a recepção dos textos literários buscaram intertextualidade com produtos culturais, como a música, reportagens e outros trabalhos audiovisuais, objetivando motivar a leitura, tendo em vista que, muitas vezes, a proficuidade do ato de ler nos obriga a transitar por diversos saberes e/ou campos de informação e conhecimento que dialoguem com a literatura e permitam a construção de sentidos para o texto lido. A experiência pedagógica aqui apresentada apoia-se numa perspectiva transdisciplinar entre os componentes curriculares de biologia e literatura com o intuito de promover um trabalho de educação sexual na escola que propicie experiências positivas no que se refere ao tratamento e entendimento sobre as diferenças humanas. “Trata-se de buscar uma prática que se define por oferecer textos que possibilitem uma convivência mais sensível com o outro, consigo mesmo, com os fatos do cotidiano, com a vida e com a linguagem.” (PINHEIRO, 2018, p. 123).

A SD foi aplicada numa escola pública do município de João Pessoa, com estudantes da 3ª série do Ensino Médio noturno, sendo composta por 32 aulas de 45 minutos cada, divididas em 9 encontros de 4 aulas realizadas em tempo corrido e 1 encontro de 2 aulas, cujos objetivos, experiência didática, discussões e análises estarão descritos no terceiro capítulo deste trabalho.

É importante mencionar que, anteriormente à experiência com a sequência didática (Apêndice A), foi aplicado entre os participantes da pesquisa um questionário semiestruturado (Apêndice B) para os discentes das turmas intervindas e realizada uma entrevista semiestruturada com os docentes do turno da noite da escola, (Apêndice C), com o intuito de

21 Conforme Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 96), uma sequência didática é um conjunto de atividades

coletar alguns dados sobre as representações de gênero na escola e sobre as percepções dos sujeitos da pesquisa no que se refere à dimensão da sexualidade, descritos no tópico 2.3 do presente capítulo. Trata-se, portanto, de uma pesquisa-ação de abordagem qualitativa em que, de acordo com Prodanov e Freitas (2013), há uma relação indissociável entre objetividade e subjetividade, cujas interpretações dos fenômenos são de natureza descritiva, não se traduzindo em números. Além disso, ocorre no ambiente natural e o pesquisador mantém contato direto com o ambiente e o objeto de estudo.

2.4 Das representações de gênero na escola: os lugares, perfis e narrativas dos sujeitos