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4.3 Preservação da máxima imparcialidade

4.3.1 Da imparcialidade do juiz

novel figura está centrado na necessidade de separação das competências dos juízes que atuam na fase pré-processual e na fase processual de modo a garantir a imparcialidade do juiz que atuar na fase processual, evitando sua contaminação pelos dados colhidos na investigação preliminar. Invocam-se precedentes do Tribunal Europeu de Direitos Humanos para embasar tal posicionamento.

Portanto, para se depreender se tal argumentação é válida para justificar a criação do juiz das garantias, é preciso destrinchar o conceito de imparcialidade, analisar as decisões do Tribunal Europeu sobre o assunto.

4.3.1 Da imparcialidade do juiz

A reflexão sobre a delimitação conceitual de imparcialidade se impõe neste momento do estudo.

Inicialmente, é importante destacar que essa garantia processual não está inserida expressamente no catálogo de direitos fundamentais apresentados pela Constituição Federal de 1988. Contudo, a ausência de previsão expressa não pode ser interpretada como fator de exclusão dessa garantia do processo penal pátrio.

Como bem lembra Badaró (2011, p. 344), a imparcialidade do juiz é “elemento integrante do devido processo legal”, uma vez que não é “devido, justo ou équo um processo que se desenvolva perante um juiz parcial”. E isso bastaria para que se “afirmasse que a Constituição tutela o direito de ser julgado por um juiz imparcial”.

Ademais, não se pode olvidar que o direito de julgamento por um juiz imparcial está garantido nos principais tratados internacionais de direitos

humanos139, traduzindo-se em condição essencial da atividade jurisdicional e

ponto crucial para a efetivação de todas as garantias constitucionais140.

139

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966, bem como a Convenção Americana sobre Direito Humanos, em 1969, que foram promulgados pelo Brasil por meio dos Decretos 592/92 e 592/92, respectivamente, prevê o direito do julgamento por um tribunal/juiz imparcial.

140

Antonio Scarance Fernandes (2002, p. 132) aduz que sem imparcialidade não há efetivo contraditório.

Nesses termos, não resta dúvida de que a todo acusado é garantido o julgamento por um juiz imparcial. Assim, ante a ausência de um conceito legal, é preciso voltar o olhar para as construções doutrinárias que lapidaram o conceito de imparcialidade e de juiz imparcial.

É preciso destacar que não se pode confundir imparcialidade com

neutralidade141.

A aspiração por um juiz neutro, que no exercício do julgamento abdicasse de seus valores desvencilhando-se de experiências passadas e da forma como observa o mundo que o cerca, foi deixada de lado.

Seria apenas quimera bradar por uma atuação jurisdicional neutra do magistrado e associar essa neutralidade à imparcialidade.

Como bem cita Maya (2011, p. 68):

Tanto a compreensão do juiz como homem inserido em um dado contexto social quanto os vieses psicanalíticos propostos por Jung e Freud conduzem à impossibilidade de pensá-lo como ser isolado do mundo, isento de valores e emoções, apto a colocar-se diante das controvérsias jurídicas sem experimentar, diante delas, nenhuma sensação emotiva.

Jacinto Coutinho (2001) acrescenta que o magistrado deve abandonar a máscara da neutralidade para assumir uma postura ideológica, desempenhando o papel de sujeito do conhecimento ativo, e não mais passivo. O juiz não pode ser

visto como simples boca da lei142.

Assim, denota-se que ser imparcial não significa ser neutro.

Destaca-se que essa confusão entre neutralidade e imparcialidade não foi seguida pelo anteprojeto.

Não se tem, com a proposta de implementação do juiz das garantias, o anseio utópico de criar juiz despido de valores e ideologia, mas sim intentam-se

141

"O contato do julgador com a atividade persecutória torna promíscua sua relação com os fatos.

Compromete a neutralidade do juiz. E, sem um juiz neutro, toda a atividade jurisdicional resta comprometida... Assim, qualquer contato prévio do juiz com as diligências tomadas no inquérito policial, por comprometer seu envolvimento psicológico com os fatos, além de eticamente reprovável, é inconstitucional" (ABADE, 1997, p. 12).

142

Sublinha-se que Recaséns Siches (1973) já sinalizava a necessidade de se abandonar a concepção formal de mera subsunção do fato à norma, que expunha o magistrado como um mero robô na aplicação das leis. Para ele, o juiz, diante de um caso particular, decide por meio da intuição do justo e do injusto, e não por meio do silogismo. Ele destaca que a função judicial é necessariamente valorativa. O juiz sempre valora e, portanto, a sentença sempre conterá valorações (juízos axiológicos).

identificar situações em que possa pairar alguma incerteza sobre a imparcialidade do julgador que previamente praticou atos na fase de investigação.

Assim, rompe-se com a ilusão da neutralidade e caminha-se para um conceito mais concreto de imparcialidade.

Nesse ângulo, Maya (2011, p. 113) afirma que imparcialidade pressupõe a exata compreensão do julgador sobre sua formação subjetiva, sobre sua função, “para, com isso, adotar uma postura efetivamente distante (alheia) em relação aos interesses das partes envolvidas na controvérsia judicial, sem se deixar contaminar por eles”.

Nos ensinamentos de Gomes Filho (2001, p. 37), a imparcialidade pode ser concebida como:

Um valor que se manifesta, sobretudo, no âmbito interno do processo, traduzindo a exigência de que na direção de toda a atividade processual o juiz se coloque sempre super partes143, conduzindo-se como um terceiro desinteressado, acima, portanto, dos interesses em conflito.

Desse modo, assevera-se que essa atuação equidistante impõe ao magistrado uma conduta de terceiro alheio aos interesses das partes.

Desenvolvendo ainda mais o conceito de imparcialidade, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos apresenta distinção entre imparcialidade subjetiva e imparcialidade objetiva, sendo essa divisão conceitual importante para a análise da relação entre a imparcialidade e o juiz das garantias, como se passa a expor.

4.3.2 A imparcialidade do juiz na doutrina do Tribunal Europeu de Direitos