3 ANÁLISE DA TÉCNICA DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO ART.
3.7 A fundamentação das decisões monocráticas
3.7.1 Da influência do sistema do common law sobre o direito processual civil
Conforme já se teve oportunidade de referir neste trabalho, uma das
finalidades perseguidas com a atual conformação do art. 557 do CPC foi a
valorização da jurisprudência consolidada dos tribunais, já que um dos critérios
fundamentais para decidir quais feitos podem ser apreciados monocraticamente pelo
relator foi o da existência de entendimento pacificado nos tribunais sobre as
matérias neles versadas (e a consonância ou não do recurso ou da decisão
recorrida com tais entendimentos).
Daí observar Madeira (2011, p. 567), sobre o tema em questão que “O
referido artigo traz uma certa aproximação entre o sistema brasileiro (civil law) com o
sistema americano (common law) ao atribuir grande importância para os
precedentes jurisprudenciais”.
Referida aproximação insere-se num contexto maior, planetário, de
profícuo diálogo entre os sistemas do civil law e do common law, de modo geral.
Tradicionalmente, costuma-se diferenciar o sistema de direito romano-
germânico do sistema do common law estabelecendo-se que, enquanto naquele
predomina a regra ditada pelo legislador como fonte principal do direito, neste há a
primazia da jurisprudência. Conforme pontua David (1996, p. 324-325)
–
comparando o direito inglês ao direito continental:
Muito diferente é, como se sabe, a situação dos direitos no continente europeu: direitos que não se tecem a partir de decisões de jurisprudência, mas cujos princípios foram elaborados pela doutrina, nas universidades, sistematizando e modernizando os dados do direito de Justiniano. A regra de direito inglês é uma regra apta a dar, de forma imediata, a sua solução a um litígio; não a compreendemos verdadeiramente e não podemos apreciar o seu alcance sem conhecer bem todos os elementos do litígio, a propósito do qual ela foi afirmada. A regra de direito continental, mais ligada à teologia moral do que ao processo, é uma regra, evidenciada pela doutrina ou enunciada pelo legislador, apta a dirigir a conduta dos cidadãos, numa generalidade de casos, sem relação com um litígio particular. As duas regras, visando pela sua origem uma finalidade diferente, não podem ter o mesmo nível de generalidade; a regra de direito francês é inevitavelmente mais abrangente do que a regra inglesa. (DAVID, 1996, p. 324-325)
De fato, na história recente da família romano-germânica, verificam-se
inclusive períodos de intensa identificação do direito com a lei, com reduzidíssimo
espaço para interpretação e criação do Direito (rectius, das leis) e, portanto, para
construções teóricas, impondo-se a aplicação mecânica dos textos normativos.
Como pressuposto, tinha-se a ideia de que a lei poderia fornecer, com
exatidão, as respostas aos problemas levados aos julgadores, bem como de que
estes poderiam dela extrair tal resposta de maneira meramente declaratória, livre da
influência de parcialidades e subjetividades.
A práxis, no entanto, revelou as falhas desse pressuposto, tendo-se
verificado que, mediante idênticos métodos interpretativos, poder-se-ia extrair, de
um mesmo texto legal, respostas diferentes, ambas racionalmente sustentáveis.
Alexy, como já asseverado, formula essa circunstância afirmando ser possível “mais
de uma decisão [...] nos termos das regras da argumentação prática racional”
(ALEXY, 2012, p. 551).
Chamando atenção para a perda da centralidade do código no civil law,
refletem Drummond e Crocetti (2012, p. 75):
Dessa forma, percebe-se claramente que a contemporaneidade exige uma maior atividade criativa dos juízes da tradição do Civil Law quando da aplicação do direito, que mesmo permanecendo em grande medida codificado, possui notórias aberturas interpretativas. Operou-se no seio da tradição de Civil Law, assim, adequada modificação quanto ao papel judicial, de modo que do juiz requer-se criatividade ante a incessante força construtiva dos fatos, verdadeiro “direito vivo” que voluntariamente emerge do seio social.
Verificadas contradições entre os pronunciamentos jurisprudenciais,
demandaram-se novos mecanismos para assegurar-se a segurança jurídica, para
além da mera confiança na exatidão das respostas hauríveis do texto legal. Segundo
observa Chevallier (2009, p. 170-171):
A desordem normativa que se torna a regra nas sociedades contemporâneas, engendra uma série de efeitos perversos - segundo o Conselho de Estado (2006), isso conduz ao desnorteio dos usuários e à insegurança dos operadores econômicos, deixando os juízes perplexos -, o que exige remediá-la. É indispensável restabelecer um princípio de coerência, superando as contradições aparentes, a fim de permitir à regra continuar a produzir o seu efeito normativo: a jurisprudência e a doutrina contribuem ativamente a esse esforço de sistematização, que conduzirá a pensar que, ao menos formalmente, a pirâmide está sempre de pé.
Na jurisprudência, portanto, encontrou-se um dos principais meios de
incremento da segurança jurídica. E foi voltando os olhos ao common law que os
países de tradição romano-germânica vislumbraram, em institutos como a
vinculação do precedente, alternativas visando alcançar a coerência dos
pronunciamentos dos tribunais, tomando-se como paradigma não somente as leis,
mas a jurisprudência dominante, à qual se buscou conferir, quando não a vinculação
propriamente dita (caso das súmulas vinculantes brasileiras), pelo menos grande
peso persuasivo. Segundo Amaral (2011, p. 204):
[...] o peso específico dos precedentes jurisprudenciais no sistema romano- germânico (as súmulas, prejulgados) é, por certo, adaptação do stare decisis do Common Law. E, por sua vez, a crescente massa de matéria legislada (regras de elaboração sistemática, direito escrito) nos países do Common Law é, por certo, influência do sistema Civil Law.
Também no Brasil emerge a segurança jurídica como elemento essencial,
com a proteção à coisa julgada e a criação de mecanismos aptos a garantir a
previsibilidade das decisões judiciais. Não obstante, observou-se uma certa
resistência à doutrina da vinculação obrigatória dos precedentes, como registra
Ortolan (2012, p. 37):
Assim, a resposta para a indagação inicialmente formulada poderia estar no apego do direito brasileiro à tradição da civil law. Ou seja, não se desenvolveu até agora uma doutrina da vinculação obrigatória dos precedentes em nosso país, a despeito de admitirmos o controle de constitucionalidade pela via concreta, incidental, em razão do nosso apego ao dogma da estrita aplicação da lei da civil law, do qual decorre a inabalável garantia ao livre convencimento de nossos juízes, desde a jurisdição ordinária até a mais alta Corte.